1.0 out of 5.0 stars
Anotação em 2006, com complemento em 2008: Uma característica interessante deste melodramão verborrágico e recheado de música é que a estrela, Joan Crawford, no auge da carreira, só vai aparecer na tela depois que cerca de um terço do filme já foi embora.
Nos primeiros 40 minutos, por aí, do filme, temos a descrição da vida de Paul Boray, desde os tempos de garoto pobre, filho de modesto comerciante, que dedica horas e horas a tocar o violino barato que ganhou de presente da mãe, até lá pelos seus 28 anos, quando, em plena Depressão dos anos 30, não se sente confortável tocando em orquestras porque quer brilhar, quer ser o solista, o virtuose.
Quando garoto, Paul Boray é interpretado por Robert Blake; depois de adulto, o papel é de John Garfield, galã de sucesso naqueles meados dos anos 40 – ele fez o sujeito que cai na teia mortal de Lana Turner em O Destino Bate à Sua Porta/The Postman Always Rings Twice, de 1946, o mesmo ano deste filme aqui.
Na primeira seqüência do filme, vemos que Paul Boray é o primeiro violino de uma orquestra sinfônica que se apresenta num belo teatro da Broadway. Aí vem o inevitável flashback, para nos contar como o garotinho pobre queria ganhar um violino de presente de aniversário mas o pai achava o preço – US$ 8,00 – alto demais; a mãe, no entanto, compra o objeto de desejo do garoto.
E aí então, 40 minutos depois, Paul Boray vai a uma festa em um apartamento de milionários, e conhece a anfitriã, Helen Wright – sim, finalmente a estrela surge. Joan Crawford pega um cigarro e diversas mãos oferecem a ela isqueiros. A tomada é rápida, mas tem força, impacto. Define o personagem ali mesmo. Neurótica, alcoólatra, poderosa, Helen Wright apaixona-se de imediato pelo violonista pobre, e investe na carreira dele. Assim, o sujeito criado no bairro pobre atravessará num passe de mágica o Himalaia da escala social e passará a conviver com limusines, bebidas finas, roupas chiquíssimas, propriedades milionárias na cidade e à beira do mar.
A questão é que para o nosso herói o violino está acima de tudo, e a nossa heroína, bajulada a vida inteira, não se contentará com papel de coadjuvante. Por isso, teremos tragédia à frente.
O filme tem muita música – o violino que John Garfield finge tocar em vários concertos foi gravado na trilha sonora pelo aclamadíssimo Isaac Stern -, mas também tem muita palavra. O roteiro do dramaturgo Clifford Odets e Zachary Gold é recheado de longas discussões sobre o sentido da vida e da arte, como se estivéssemos filosofando no botequim da esquina. O sparring de Paul Boray nessas tertúlias é seu amigo pianista Sid Jeffers (Oscar Levant), sujeito cínico que tem sempre uma frase de efeito para soltar.
Frase de efeito, aliás, é o que não falta nesta segunda adaptação da história de Fannie Hurst para o cinema (tinha havido uma versão em 1920). Lá pelas tantas, o marido traído da heroína, interpretado por Paul Cavanagh, se sai com a seguinte pérola, a respeito da música: “Tem chama – mais ou menos como se sentiria num quadro de Van Gogh”.
Leonard Maltin gostou; deu 3,5 estrelas (em 4), disse que as atuações são soberbas, a produção bem cuidada, e o final nocauteia o espectador. “Talvez o melhor momento de Crawford.”
Já Pauline Kael execrou o filme. Assim ela descreve o personagem da estrela: “A heroína (Joan Crawford) é míope, dipsomaníaca, insatisfeita com o marido mais velho que o amante, e dada a densas elocubrações sobre a futilidade de uma vida despida de tudo o que não sejam casacos de pele, limusines, conhaque Napoleon, mansões, casas de praia e bens líquidos suficientes para deixar de olhos arregalados um sócio do Banco Morgan”.
Acordes do Coração/Humoresque
De Jean Negulesco, EUA, 1946.
Com Joan Fontaine, John Garfield, Oscar Levant, Paul Cavanagh, J. Carrol Naish, Craig Stevens, Ruth Nelson, John Abbott, Fritz Leiber, Robert Blake
Roteiro Clifford Odets e Zachary Gold
Basedo em novela de Fannie Hurst
Música Franz Waxman
P&B, 125 min.
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