Nota:
Anotação em 2004, com complemento em 2008: Este é um dos melhores filmes de Woody Allen – e é o mais sinistramente desesperançado, cético, triste. Feito em 1989, está bem no meio da fase mais amarga do cineasta; veio depois de Setembro e A Outra e antes de Neblinas e Sombras; só quatro anos mais tarde, a partir de Misterioso Assassinato em Manhattan, de 1993, coincidindo com o tumultuado fim do casamento com Mia Farrow, ele voltaria à comédia escrachada, alegre, bem-humorada.
Fiz umas anotações sobre este filme depois de revê-lo (em 2004), na tentativa de construir, como se fosse numa planilha Excel, um quadro comparativo entre os filmes de Allen, seguindo alguns tópicos básicos, para mostrar os temas recorrentes, as semelhanças entre eles. Um dia ainda faço este quadro. Mas a anotação específica sobre Crimes e Pecados é assim:
Trama básica: Médico rico e bem conceituado, diante das ameaças da amante (Anjelica Huston), acaba aceitando o conselho do irmão bandido de mandar matá-la.
Moral da história: A existência não tem sentido; os homens tentam compreender o sentido dela, se esforçam para dar um sentido a ela, mas esse sentido na verdade não existe. Os homens, em especial os ricos e poderosos, podem fazer o mal e escapar da Justiça e até mesmo do castigo moral. Os bem intencionados são perdedores; vencedores são os que têm dinheiro, fama e boa aparência.
É um dos filmes dele de trama mais complexa e com o maior número de personagens importantes.
O discurso final do filósofo suicida é um texto brilhante, a ser copiado, transcrito, um dia.
O personagem de Woody Allen: Cliff Stern, um cineasta frustrado, idealista, fracassado, ex-documentarista, hoje diretor de filmes para a TV que detesta o que faz. Seu casamento está em crise; a mulher sensível que conhece (Mia Farrow) acabará se tornando a noiva do cunhado dele (Alan Alda) que é tudo que ele despreza – egocêntrico, tirânico, manipulador.
O tema filhos: O personagem de WA é apaixonado pela sobrinha; leva-a para ver filmes antigos, tem com ela uma relação de cumplicidade. Na seqüência final, do casamento da filha do médico (Martin Landau), a câmara se fixa em crianças, lindas e alegres; o texto final, do filósofo humanista e suicida, diz que as pessoas têm filhos na esperança de que a vida seja melhor para eles do que foi para si próprias.
Período de tempo da ação: Algumas semanas, em período não exatamente determinado; quase no fim, há um corte de quatro meses, até a seqüência final do casamento, quando os dois personagens principais – o médico assassino da amante e o cineasta frustrado – finalmente se encontram.
Detalhes específicos deste filme: Há cenas de quatro filmes antigos, todos medianos, nenhum de grande sucesso ou obra-prima – filmes que o personagem de WA vê com a sobrinha.
Influência/homenagem: Até no título, é óbvio que esta aqui é a versão de Woody Allen para Crime e Castigo, de Dostoievski. Como em vários outros de seus filmes, ele repete a genial sacada de narrativa usada por Bergman em Morangos Silvestres – um personagem, tal como ele é no presente, assistindo a uma cena familiar do passado. Essa seqüência – em que o médico atormentado pelo crime revê um jantar da sua família em que se discute sobre Deus e a vida – é de um brilho excepcional; o médico chega a tentar dialogar com os personagens de sua visão, mas eles dão importância para ele.
Crimes e Pecados/Crimes and Misdemeanors
De Woody Allen, EUA, 1989
Com Martin Landau, Woody Allen, Mia Farrow, Claire Bloom, Anjelica Huston, Alan Alda, Sam Waterstone
Argumento e roteiro Woody Allen
Cor, 104 min
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