3.0 out of 5.0 stars
Anotação em 1998: Quase na metade deste filme de belíssima fotografia em preto-e-branco, há uma cena em que Natalie Wood, lindíssima e no esplendor da juventude, e Steve McQueen, feio, charmoso e no esplendor da juventude, estão juntos numa rua de Nova York somando o dinheiro que têm para dar para fazer um aborto. Os dois passam maravilhosamente bem a sensação estranha, esquisita, embaraçosíssima, de estarem ali, estranhos um ao outro, tendo que lidar com a coisa tão pesada.
O filme de Robert Mulligan tem um tremendo encanto que vem do frescor, da juventude, da beleza dos dois atores – certamente tornado maior pelo meu profundo encanto pela Natalie Wood na época em que o filme foi feito. Tem um tremendo encanto também pela grande quantidade de tomadas feitas de fato nas ruas de Nova York (as mesmas em que Natalie Wood me fascinou em West Side Story, poucos anos antes), e não em estúdio. Tornado ainda maior pela escolha do preto-e-branco, que já não era tão comum no cinema americano em 1963, mas ainda vigorava no que eu via na época dos cinemas francês, italiano, sueco, inglês.
Natalie Wood parecia ter mais que os 25 que na verdade tinha, e dá a impressão de que já estava meio passadinha para fazer o papel da jovenzinha filha de italianos que perde a virgindade – a coisa mais proibida na época e no meio em que vivia. Mas ela também já estava um pouco passadinha para fazer a Maria do West Side Story, e funcionou perfeitamente. Nossa, como era linda, como era fascinante aquele rosto maravilhoso, como se tivesse sido esculpido com esmero por um artista especial, um Michelangelo.
Me ocorreu hoje, ao sentar aqui pra fazer esta anotação, que o filme é meio rito de passagem na carreira de Mulligan. Ele estava recém-saído de bobagenzinhas inocentes, tolas, ainda mentalidade dos anos 50, como Quando Setembro Vie/Come September. Mantinha uma certa inocência, uma certa ingenuidade daqueles filminhos da Universal, as comedinhas caretas e deliciosas com Rock Hudson e Doris Day. E logo em seguida iria fazer filmes mais pesados, mais densos, mais amargos, mais reais.
Fui conferir a filmografia dele. Tem um pouco disso que anotei no parágrafo acima, mas não é tão linha reta. Quando Setembro Vier é de 1961, três anos antes deste. Mas em 1962 ele já fez sua grande obra-prima, O Sol é Para Todos/To Kill a Mockinbird. E o filme seguinte é este aqui. Em seguida ele faria outros bons filmes – O Gênio do Mal/Baby the Rain Must Fall, que me encantou em 1965, também com Steve McQueen, À Procura do Destino/Inside Daisy Clover, de 1966, de novo com Natalie Wood, até chegar a Era uma Vez no Verão/Summer of 42, em 1971. (Em 1978, ele faria o delicioso, maravilhoso Tudo Bem no Ano Que Vem/Same Time Next Year. Mas só me lembraria disso em 1999.)
O Preço de um Prazer/Love with the Proper Stranger
De Robert Mulligan, EUA, 1963.
Com Natalie Wood, Steve McQueen, Edie Adams
Roteiro Arnold Schulman
Fotografia Milton Krasner
Música Elmer Bernstein
Figurinos Edith Head
Produção Alan J. Pakula
P&B, 102 min
O filme tem música extraordinária de Elmer Bernstein, que foi publicada em CD no ano de 2009.
O tema do filme ‘Love With The Proper Stranger’ recebeu letra de Johnny Mercer mas não é cantado no filme.
Foi gravado em compacto simples em 1963 pela Kapp Records sendo grande sucesso do cantor Jack Jones.
Prezado Carlos,
Ainda que com atraso, quero agradecer a você pela sua mensagem, cheia de informações.
Vejo que você é um conhecedor. Parabéns.
Tenho um CD duplo do compositor, The Essential Elmer Bernstein Film Music Collection, mas ele não traz o tema de Love with the Proper Stranger. E nunca soubre que o tema teve letra de Johnny Mercer.
Obrigado pela mensagem. Espero que você mande outras.
Um abraço.
Sérgio
Pensei que esse filme falasse sobre aborto, e mais ainda, que fosse pró-aborto, mas ele acaba tomando outro rumo. Quer dizer, ele fala sobre o tema, mas não aprofunda. Não sei se foi a época ou se foi opção do diretor manter a coisa pró-escolha, e eu só posso dizer que gostei do resultado.
O drama acabou virando romance, um pouco inverossímil, diga-se de passagem, pois eles não tinham nenhum tipo de relacionamento, e o personagem Rocky, de McQueen, era do tipo que não queria se apegar (alguma semelhança com alguns homens de hoje?). Mas ao mesmo tempo ele não era um mau-caráter. Só não simpatizei mais com ele porque não consigo gostar do ator.
Não achei a N. Wood “passadinha” pro papel, não, e até discordo que ela aparentava mais idade; penso justamente o contrário, que ela tinha um rosto que aparentava menos. Também acho que é relativo esse negócio de idade x virgindade. Talvez para a época, que foi mais ou menos quando começaram a mudança e a revolução dos costumes, ela estivesse mesmo “velha” para ainda ser virgem, não sei. Eu vi o filme com uma cópia ruim, e confesso que não me liguei muito nessa questão da idade, ser ou não ser virgem, e nem reparei muito na N. Wood, que está bem chatinha e exagerada. Foquei mais na questão de que ela tinha engravidado sem querer de um cara em one-night stand. Pensei que o x do problema fosse a gravidez fora do casamento, e não a virgindade (até porque acho meio chata essa ~preocupação~ da sociedade com a virgindade das mulheres. E mesmo hoje, em pleno século XXI, isso não mudou muito, por mais que pareça que sim e que esteja tudo liberado. Conheço algumas mentes retrógradas).
Steve eu já achei que estava velho pro papel de um cara cujos pais são protetores, mesmo o filho não morando mais com eles etc. Pelo que entendi, a família dele também era italiana, e italiano tem muito disso mesmo, as mães, principalmente, tratam os marmanjos como meninos (é só lembrar do capitão do barco Costa Concordia, que ligou pra mãe dele após ter abandonado os passageiros e a tripulação do navio à própria sorte. Foi alvo de chacota por vários dias). Tergiversei…
Não acho Steve McQueen bonito, nem sou fã (era um pulha na vida real), mas dizer que ele está feio é exagero… Só a voz dele é que é horrível, chega a ser broxante!
Esperava outra coisa da história, mas acabei gostando: a moça prática que sai de casa com a cara e a coragem por não aguentar mais a encheção de saco dos irmãos, por não ter privacidade, nem um canto pra “colocar uma tartaruga ou um gato”, e que resolve tocar uma gravidez indesejada sozinha é interessante; o cara que não quer se amarrar mas acaba se apaixonando aos poucos pela moça que engravidou, também é bonitinho. Sem falar que é ele quem acaba dando o empurrão pra ela fazer a escolha entre aborto x gravidez: o oposto ao que muitos homens fariam. Se fosse um ator um pouco mais carismático no papel, eu me apaixonaria pelo personagem. he
A gravidez meio que representa a relação dos dois: ou eles decidem por nutri-la e levá-la adiante, ou acabam com ela juntos e vai cada um pro seu lado.
Ponto alto do filme: quando Angie já está morando sozinha, um dos irmãos vai encontrá-la na hora do almoço. Ela diz que não pode falar com ele, que tem compromisso, e sai atrás de um táxi. Ele pergunta com quem ela vai se encontrar. Ela diz “Rock Hudson. Em um cavalo!”.
Adoro o título original do filme. Tem tudo a ver com o desenrolar da história.