3.5 out of 5.0 stars
Anotação em 1997: O filme é uma grata surpresa. Faz lembrar, por um ou outro motivo, uma série imensa de filmes: Kika, de Almodóvar, que reflete sobre o mesmo tema; sexo, mentiras e videotape, de Steven Soderbergh, por causa da mania de filmar tudo que tomou conta da sociedade depois do domínio do VHS; O Massacre da Serra Elétrica e todos os filmes de exploração explícita da violência; um pouquinho de Vestida Para Matar, pela união de dois jovens levemente desajustados e sem qualquer tipo de contato com os pais contra o mundo; os thrillers americanos de uma maneira geral; Bastidores da Notícia e Íntimo e Pessoal, pela denúncia da praga do infotainment, essa mistura entre informação e entretenimento, os programas que transformam crimes e outras feridas num fantástico show da vida; e tantos outros.
É um filme sobre comunicação de massa; sobre a exposição e a superexposição da violência nos meios de comunicação; sobre imperialismo cultural; sobre a influência do cinema e da TV na formação das pessoas; sobre a ética de quem exerce poder dentro dos meios de comunicação de massa. É um tapa na cara.
O filme tem toda a dinâmica de um thriller americano – do tipo assim: ó, inimigo, eu sei perfeitamente bem usar a sua técnica, domino ela tanto quanto você, mas faço coisa superior, faço coisa pras pessoas pensarem, e não pras pessoas se entorpecerem.
Tem a estrutura de um thriller, a velocidade de um thriller. E no entanto é uma reflexão, essa coisa que os meios de comunicação de massa dos Estados Unidos estão lutando duro para matar, para extinguir. Muito significativamente, segue a trilha de Kika; não é à toa que os espanhóis estão na frente no mundo no estudo da comunicação social.
Passa-se na Faculdade de Ciências da Informação de Madri – e o nome da Escola de Comunicações e Artes deles também é significativo, muito mais amplo e profundo que o da nossa. Angela (Ana Torrent, que de criança bonita de traços fortes da época de Cria Cuervos, de Carlos Saura, virou uma jovem mulher bonita de traços fortes, e uma grande atriz) estuda cinema; é classe média alta, não tem comunicação em casa nem com os pais nem com a irmã mais nova, e prepara uma tese sobre a violência explícita na TV e no cinema. Rapidamente se envolve numa rede absolutamente perversa de pessoas (o espectador só entenderá quais bem no final, depois de seguir várias pistas falsas) que assassinam mulheres diante de câmaras de vídeo, e que reproduzem esses videotapes como se fossem filmes de sacanagem, para tarados que gostam de ver esse tipo de perversidade.
Há uma cena particularmente significativa e rica: um professor (veremos, mais tarde, que ele está envolvido nesse esquema de snuff movies – eu não conhecia a expressão; designa isso, os filmes de violência explícita, documentários de violência explícita) diz à classe que: o cinema é uma indústria, que gasta milhões para depois recuperar esses milhões na bilheteria; que o cinema espanhol não existe como indústria; que cabe àqueles alunos lutar para que passe a existir uma indústria espanhola de cinema; e, sobretudo e mais importante, que é preciso dar às audiências o que as audiências querem.
É preciso dar às audiências o que as audiências querem. Esse conceito maluco, perverso, pervertido, em nome do qual cinema e TV se bestificam, se imbecilizam.
Se você não viu o filme, não leia a partir de agora
A seqüência final é surpreendemente forte, violenta, real, realística: descoberta pela mídia a rede que envolveu nossos personagens, a TV vai exibir as cenas de violência crua; avisa que está prestando um serviço (na verdade, está brigando por Ibope, apenas isso), e tasca lá, manda brasa, exibe os documentários do assassinato com crueldade. Como a Globo faz, o SBT faz, a TV americana faz, todo mundo faz.
Um brilho.
Morte ao Vivo/Tesis
De Alejandro Amenábar, Espanha, 1996.
Com Ana Torrent, Fele Martinez, Eduardo Noriega, MIguel Picazo, Javier Elorriaga
Argumento e roteiro Alejandro Amenábar e Mateo Gil
Montagem Maria Elena S. de Rozas
Som Goldstein e Steinberg
Fotografia Hans Burmann
Música Alejandro Amenábar e Mariano Marin
Cor, 125 min
Assisti esse filme em 97/98 no Cine Belas Artes que durante muitos anos foi um ótimo programa para quem queria ver filmes interessantes. Era no SBT e mostrava filmes como veludo azul, laranja mecânica e outros tão bom quantos e uns nem tanto. Gostei muito de A Morte ao Vivo. É um excelente filme: qualidade de roteiro, boas atuações e ótimo enredo. Vale a pena assistir.
Ainda não assisti este, assim como ainda não consegui assistir a um filme com a Anna Torrent já adulta. O único filme que vi com ela e, que gostaría de te sugerir Sergio,(acho que ainda não o fiz)foi “O espírito da Colméia”. Filme lindíssimo. A Anna devia ter uns 5 para 7 anos.Meu Deus,que olhar daquela menina…
Tenho 9 filmes com ela já adulta aqui comigo que não encontro nas locadoras nem online.
Mas vou continuar procurando. Hei de achar.
Como disseste aqui neste texto que ela é uma grande atriz, não devia ser por menos, haja vista sua atuação em “O espirito da colmeia”.
Foi uma criança linda e é uma mulher muito mais linda.
Tenho uma vontade tão grande de ver se ainda encontro aquela profundidade naquele olhar.
Acho que vou encontrar,sim. Basta ver a foto que colocaste aqui no texto.
Um abraço, amigo !!