Os Últimos Passos de um Homem / Dead Man Walking


4.0 out of 5.0 stars

Anotação em 1996: Tim Robbins, essa grande revelação, a maior do cinema americano dos últimos 20 anos, fez um emocionante, belíssimo, brilhante, violento, brutal panfleto contra a pena de morte. Nisso ele segue uma linhagem de filmes excepcionais – A Sangue Frio, de Richard Brooks, A Vida o Amor a Morte, de Lelouch, por exemplo.

Baseou-se numa história real, acontecida na Louisiana, relatada por uma de suas personagens principais, a freira católica Helen Prejean, interpretada no filme por uma das maiores atrizes do cinema americano das décadas de 80 e 90, Susan Sarandon. Ela está excelente; não cabe discutir se ela merecia o Oscar que acabou ganhando, num ano em que concorria com Meryl Streep por As Pontes de Madison.

Oscar à parte, Susan Sarandon está brilhante como a freira que deixou a família de posses para se dedicar ao trabalho numa comunidade de negros pobres, e, de repente, se viu forçada a enfrentar uma barra para a qual ela não sabia se estava preparada – ser a companhia e a ajuda espiritual de um condenado à morte, Matthew Poncelet (Sean Penn), acusado de ter estuprado, esfaqueado e assassinado, com um companheiro, dois adolescentes.

A bela atriz está contida, sem espalhafatos, sem usar qualquer uma das fáceis escadas de uma interpretação; ela não grita, não gesticula, sequer chora demais. Tem uma expressão de bondade, misturada a dúvida, a angústia, a força interna que em alguns momentos falta e falha. Uma das formas possíveis de se ver o filme é como essa coisa mais tipicamente americana da pessoa que tem que superar a si mesma na luta David contra Golias, a pessoa de bem contra o Leviatã do Estado e do Sistema todo poderosos.

Sean Penn, se é que alguém ainda se lembrava dele como o ex-senhor Madonna, livra-se definitivamente dessa marca. Está igualmente excelente como o assassino no corredor da morte que ainda tenta negar autoria, atribuir o crime ao companheiro. Compõe um tipo nojento, abjeto, repulsivo, repugnante, racista, preconceituoso, confusamente simpatizante do nazismo e do terrorismo, capaz até mesmo de tentar um cortejo à única pessoa que se dispõe a ajudá-lo nos momentos finais, uma freira.

E isso é outra das grandes qualidades deste filme excepcional. Tim Robbins faz um planfleto contra a pena de morte, sim, mas sem simplificar as coisas, sem isolar preto e branco, sem desprezar os matizes, sem cair no maniqueísmo. O condenado à morte é repulsivo. O crime foi bárbaro, estúpido. A dor dos pais que perderam os filhos adolescentes é imensa, o ódio que sentem do assassino é até compreensível. Mas há os matizes. O pai do garoto morto, católico, não fecha as portas à freira que ajuda o assassino; não consegue compreendê-la, e num primeiro momento chega a desprezá-la – mas irá, na cena final, tentar junto com ela procurar uma saída que não seja o ódio. Enquanto os pais da garota são absolutamente fechados a qualquer sensação, sentimento, crispados e cegos pelo ódio.

O mais fantástico de Tim Robbins, e também de sua mulher Susan Sarandon, assim como de Sean Penn, é que eles são ativistas políticos numa sociedade que cada vez mais despreza a política. Ativistas políticos “progressistas”, “de esquerda”, numa sociedade cada vez mais inclinada ao conservadorismo dos costumes e à direita nas práticas sociais.

Em Bob Roberts, ele já havia investido contra o fanatismo da direita, a demagogia, o populismo, a retórica fácil da direita rançosa. Agora ele investe a favor dos direitos humanos, pura e simplesmente; denuncia a pobreza, a miséria, a desigualdade no país que se julga a polícia da Terra, mas sobretudo faz uma defesa violenta da solidariedade e do respeito aos direitos básicos do homem.

É fantástico, por exemplo, que ele inclua na trilha sonora um garoto adorado pelo público jovem, Eddie Vedder, do Pearl Jam. É fantástico que ele transforme o disco da trilha sonora em um outro panfleto, com a inclusão de diversas músicas inspiradas no filme (e não feitas para o filme), reunindo um bando de músicos e compositores de respeito. Tim Robbins foi capaz de liderar um movimento, chamar os believers dispersados, juntá-los num disco brilhante, dos melhores que já ouvi nos últimos anos, e transformar tudo em planfleto por uma causa nobre.

Se você não viu o filme, não leia a partir de agora

Onde o filme vai mais longe do que sua nobre linhagem de antecessores é na descrição crua, cruel, de todo o ritual que cerca o assassinato praticado pelo Estado, com as bênçãos da Santa Madre Igreja. Tim Robbins expõe com frieza de documentarista e ao mesmo tempo requintes de Sam Peckinpah – como tantos diretores já fizeram sobre a violência dos indivíduos – todos os detalhes sórdidos que cercam a preparação para a execução e o assassinato em si. Ele escancara todos os absurdos do ritual de assassinato em nome da lei, da ordem e da Justiça.

Tentando uma apelação, o velho advogado fala da procura de meios menos digamos assim desumanos de assassinar; da forca à cadeira elétrica e à injeção letal – e faz um discurso brilhante sobre como é cruel e violento e desumana a injeção letal. Dez guardas para acompanhar os últimos momentos de vida do condenado – “nunca tive tantas pessoas cuidando de mim”. Direito a ver os familiares – mas sem o direito de se deixar abraçar pela mãe. Direito de ter um conselheiro espiritual – mas sem o direito de ouvir um hino. Direito a dizer últimas palavras – mas sem o direito de usar o calçado que preferir. A picada da injeção é mostrada em close up, na tela inteira. (E a Premiere tem uma frase boa sobre isso, conforme vi depois de escrever isso aqui: “Toda a cena tem um aspecto de médico doido; os braços do prisioneiro são até lavados com álcool antes que a agulha penetre na pele – para quê? Prevenir uma infecção?”)

Nenhum detalhe sórdido é escondido do espectador. E faz parte do ritual o guarda gritar, quando o condenado se dirige ao local da execução: Dead man walking.

A frase final do assassino é brilhante, definitiva, total: “Sou contra assassinatos, seja praticado por mim, por vocês ou pelo governo de vocês”.

         Os Últimos Passos de um Homem/Dead Man Walking

De Tim Robbins, EUA, 1995.

Com Susan Sarandon, Sean Penn, Robert Prosky,

Música David Robbins. Canções de e/ou com Eddie Vedder, Nusrat Fateh Ali Khan, Bruce Springsteen.

Roteiro Tim Robbins

Baseado no livro Dead Man Walking, da Irmã Helen Prejean.

Cor, 122 min.

6 Comentários para “Os Últimos Passos de um Homem / Dead Man Walking”

  1. Um filme maravilhoso.Absolutamente maravilhoso
    Não tenho nada para acrescentar, o Sérgio disse tudo.

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