Cantando na Chuva / Singin’ in the Rain

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Nota: ★★★★

Dizer “o melhor de todos” é arriscado, perigoso. Até porque não existe fita métrica, balança, escala Richter para medir o que é bom, o que é melhor. O julgamento é absolutamente subjetivo, cada um tem suas opiniões, seus gostos, suas preferências, e gosto não se discute.

A expressão “o melhor de todos” deveria ser evitada. “Um dos melhores” é muitíssimo mais recomendável.

Pois é. Mas, como toda regra tem exceção, no caso específico dos musicais clássicos de Hollywood dá para dizer, sem medo de errar: Cantando na Chuva é o melhor de todos.

É talento demais, é beleza demais. Tudo esbanja talento e beleza – desde a idéia básica da trama bolada por Adolph Green e Betty Comden: na passagem do cinema mudo para o sonoro, em 1927, o casal mais famoso do cinema americano, o par romântico adorado pelas multidões, é pego no contrapé. Ele, bem mais talentoso, conseguirá se virar, mas ela, uma típica loura-bela-e-burra, tem uma voz de taquara rachada, péssima dicção e uma pronúncia à la Eliza Doolittle antes das lições com o Professor Higgins.

Que maravilha haver grandes filmes alegres, divertidos, que nos fazem melhores

Bem-aventuradas as obras de arte alegres, divertidas, pra cima, que têm aquela maravilhosa capacidade, como falava o crítico Roger Ebert, de nos tornar pessoas melhores.

E que maravilha é quando um filme brinca com os filmes, goza os próprios filmes, ri da indústria que os produz. As frases ditas pela protagonista feminina do filme, Kathy Seldon (interpretada pela garotinha Debbie Reynolds, lindinha de tudo), para o protagonista, o astro do cinema mudo Don Lockwood (o papel de Gene Kelly), bem no começo da narrativa, são uma absoluta delícia:

– “Uma vez vi um filme. Não vou muito ao cinema. Se você viu um, já viu todos.”

E logo depois: – “Filmes são bom entretenimento para as massas, mas as personalidades na tela não me impressionam. Elas não falam, não atuam. Ficam apenas fazendo caretas.”

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Uma canção que faz imenso sucesso, de 1929 para cá

Os créditos iniciais informam que o roteiro foi “sugerido” pela canção “Singin’ in the rain”. Não me lembrava disso. Não creio que haja muitos outros casos de filmes que nasceram a partir de uma canção. Com letra de Arthur Freed e música de Nacio Herb Brown, a música teve sua partitura publicada pela primeira vez em 1929 – dois anos após aquele em que a ação do filme de 1952 se passa, portanto.

Foi um sucesso instantâneo, teve diversas gravações e apareceu no cinema bem antes de Stanley Donen e Gene Kelly dirigirem sua obra-prima. Um grupo chamado Bronx Sisters cantou a música num dos primeiros musicais da Metro, The Hollywood Revue of 1929; o narigudo simpático Jimmy Durante a cantou em Speak Easily, de 1932; Judy Garland fez sua versão no filme Little Nellie Kelly, de 1940. No filme The Divorcee, de 1930, com Norma Shearer, aparece ao fundo.

A gravação que aparece no filme, bem no meio dos 102 minutos esplendorosos, com a bela voz do próprio Gene Kelly à frente da grande orquestra da MGM, foi feita no dia 5 de junho de 1951, segundo informa o rico encarte do CD That’s Entertainment! The Best of the M-G-M Musicals. O arranjo é de Conrad Salinger, a orquestração, de Bob Franklyn e o maestro foi LennieHayton.

Duas décadas depois de gravada, exatamente essa mesma versão cantada por Gene Kelly para a trilha do filme seria usada por Stanley Kubrick em Laranja Mecânica/A Clockwork Orange.

Todas as sequências de canto e dança são admiráveis, antológicas

A seqüência em que Gene Kelly canta e dança “Singin’ in the Rain” bem na metade de Singin’ in the Rain é, por si só, um absoluto primor, e um dos momentos mais antológicos da História do cinema até hoje.

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Consta que é também uma das maiores provas de profissionalismo da História: no dia de gravar a seqüência, formada por diversas, diversas tomadas em que ele aparece inteiramente encharcado, Gene Kelly estava com febre altíssima.

A seqüência é, sem dúvida, o ápice, o ponto mais alto deste filme sensacional. Mas há tantos outros – é impressionante. Na verdade, todas as seqüências de música e dança de Cantando na Chuva são admiráveis, maravilhosas.

A imediatamente anterior, em que o trio Gene Kelly-Debbie Reynolds-Donald O’Connor canta “Good morning”, subindo e descendo das poltronas na mansão do astro Don Lockwood – que maravilha!

Aquela em que Gene Kelly e Donald O’Connor se divertem às custas do professor de dicção, cantando “Mosessuposes”.

Aquela em que Don-Gene Kelly declara seu amor a Katthy-Debbie Reynolds, mostrando as mágicas de que um estúdio de cinema é capaz, “You were meant for me”.

Aquela em que um cantor (interpretado por Jimmie Thompson) apresenta “Beautiful Girl”, em meio a diversas dançarinas, e que termina com um uma tomada feita do alto, como se fosse do teto do estúdio, mostrando um coloridíssimo caleidoscópio – uma homenagem às imagens trabalhadíssimas, visualmente fascinantes, de Busby Berkeley (1895-1976), que Jean Tulard define como “o mentor da comédia musical no início do cinema falado”.

A de Donald O’Connor em momento solo e cômico cantando “Make ‘em Laugh”.

E o que dizer do longo encadeamento de seqüências musicais – Melodia da Broadway – imaginadas por Don-Gene Kelly para a nova versão do filme que o Monumental Studio do chefão R.F. Simpson (interpretado pelo ótimo Millard Mitchell) está produzindo, sobre um jovem dançarino que chega à Broadway à procura de um lugar ao sol?

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Me pareceu que, naquela seqüência, o lado coreógrafo-dançarino do multi-artista Gene Kelly quis aprimorar ainda mais o que havia feito em Sinfonia de Paris/An American in Paris, que havia estrelado e coreografado no ano anterior, 1951, sob a direção de Vincente Minnelli e  ao som de George Gershwin.

Agora, quando o chapéu do bailarino cai no pé de Cyd Charisse, e ela vai levantando a perna direita, o chapéu seguro em seu sapato verde de salto alto, vai levantando, até que a perna fica uma linha reta na vertical – meu Deus do céu e também da terra! Que mulher! Que coxas! Que bailarina!

Duas belas atrizes – um mulherão imenso, e outra pequenina, gracinha

A breve aparição de Cyd Charisse naquela seqüência (ela não pronuncia uma única palavra – não precisava mesmo) é um grande contraste com a estrela do filme, Debbie Reynolds. Cyd Charisse parece uma explosão, uma supernova, uma gigante. Debbie parece mignonzinha, tipo a coleguinha mais bonitinha da classe do quarto ano do ginásio. A primeira é daquele tipão de mulher por quem o sujeito perde a cabeça e abandona um casamento sólido de décadas – para daí a pouco ser abandonado bêbado na sarjeta. A segunda é daquele tipo de mulher que promete o amor em paz.

Vixe, mas aí viajei.

São duas belas atrizes, Cyd e Debbie. Mas Debbie é uma daquelas atrizes perfeitas, que fazem de tudo às mil maravilhas – e, em Cantando na Chuva, ela tem oportunidade de sobra para mostrar isso. Dança e atua igualmente bem. Uma absoluta gracinha. E como era jovem! Nascida em 1932, estava com ridículos 19 aninhos quando foi escolhida para o papel.

zzsingin4Também versátil, bom dançarino, bom cantor, Donald O’Connor teve no filme muito provavelmente o melhor papel de sua carreira de mais de 80 filmes. Em poucos deles foi o protagonista. Um desses poucos é O Palhaço que Não Ri, em que interpreta um dos maiores nomes do cinema mudo, Buster Keaton.

Jean Hagen (1923-1977) está excelente como Lina Lamont, a diva do cinema mudo cuja carreira é ameaçada pela chegada do som. É preciso talento para fazer aquela vilã, e Jean Hagen tinha de sobra. Por sua interpretou com a loura-bonita-e-burra, teve uma indicação ao Oscar de melhor coadjuvante, uma das duas únicas indicações ao prêmio da Academia que este filmaço recebeu – a outra foi a de trilha sonora. Não levou nenhuma das duas.

É bem provável que Cantando na Chuva seja o clássico de Hollywood mais injustiçado pelo Oscar.

Todos os guias, todos os livros de “os melhores” se rendem ao filme

Obviamente, o filme está nas relações dos melhores dos livros 1001 Filmes para Ver Antes de Morrer, 501 Must-See Movies e Hollywood Picks the Classics. Deste último, tirei boas informações que vão mais adiante, após as opiniões de alguns críticos.

Diz o livro 1001 Filmes para Ver Antes de Morrer: “Alguns filmes são tidos em alta conta por seus famosos ineditismos (…) Outros são reverenciados simplesmente por serem os melhores de seu gênero. Cantando na Chuva se enquadra nesta última categoria.”

O livro 501 Must-SeeMovies diz que o filme não fez muito sucesso na época do lançamento, em 1952. “Nem mesmo a indicação de Jean Hagen ao Oscar e a de Donald O’Connor ao Globo de Ouro provocou filas diante dos cinemas. O filme compilação That’s Entertainment (1974) é em geral tido por mostrar a muita gente o que estava perdendo.”

Essa informação é desmentida por alguns números, como se verá mais adiante.

zzsingin5Leonard Maltin, Roger Ebert e o CineBooks’ Motion Picture Guide Review dão a cotação máxima para o filme – 4 estrelas nos dois primeiros casos, 5 estrelas no último.

Diz Maltin: “Talvez o maior filme musical de todos os tempos, costurado por Betty Comden e Adolph Green a partir de um catálogo de canções de Freed-Nacio Herb Brown. A ação se passa em Hollywood durante a transição para o cinema falado, com (Jean) Hagen dando a performance de sua vida como a co-estrela de Kelly nos filmes mudos, cuja voz poderia quebrar vidro. O número do título com Kelly e o de O’Connor com ‘Make ‘em Laugh’ são apenas dois pontos altos de um filme cheio de pérolas. Mais tarde transformado em musical da Broadway.”

Diz o CineBooks’ Motion Picture Guide: “Provavelmente o maior musical que a MGM ou qualquer um tenha jamais produzido, Singin’ in the Rain tem tudo – grandes canções, grandes números de dança, uma história nostálgica, maravilhosa, e um elenco soberbo, tudo num ritmo impressionante que rivaliza com a era louca que reproduz, os ruidosos anos 20. O filme funciona em vários níveis, apresentando um grande musical mas também comentando – muitas vezes de forma desfavorável, mas sempre de maneira acurada – sobre as personalidades e as maquinações dos estúdios que caracterizaram aquele período riquíssimo.”

Pauline Kael, a língua mais ferina da crítica de cinema americana, que costuma não deixar pedra sobre pedra, mesmo quando fala das grandes obras-primas, rendeu-se ao filme: “Esta exuberante sátira à Hollywood de fins da década de 20, época de transição do cinema mudo para o falado, é provavelmente o mais delicioso de todos os filmes musicais americanos.”

Debbie Reynolds, aos 19 anos, tinha que tomar três ônibus para chegar ao estúdio

Aí vão diversas informações sobre a produção do filme, os atores and all that jazz, retiradas de várias fontes:

* É estranha a informação, mas não é a voz de Debbie Reynolds que ouvimos na maior parte das canções; ela teria sido dublada por uma cantora profissional, Betty Noyes. Estranho, porque afinal de contas a história gira em boa parte em torno do fato de que Lina Lamont-Jean Hagen não consegue ela mesma cantar e falar nos filmes, e então precisa ser dublada por Kathy-Debbie.

Mas, em defesa da então garotinha – que interpreta e dança maravilhosamente no filme – é preciso dizer que não vai nisso um grande demérito. Ou, no mínimo, que ela tem augusta companhia: Natalie Wood é dublada nas canções de West Side Story; Audrey Hepburn é dublada nas de My Fair Lady; e Catherine Deneuve é dublada ao longo de toda a extensão de Os Guarda-Chuvas do Amor, já que no filme todos, todos, todos os diálogos são cantados.

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* O produtor do filme, Arthur Freed, é exatamente o autor da letra da canção “Singin’ in the rain” e de diversas outras cantadas no filme. Arthur Freed nasceu em 1984 (morreu em 1973, aos 78 anos); estava, portanto, com 35 anos quando a música foi lançada em disco e em filme, em 1929; e 58 anos quando produziu o filme. É: tem gente que produz coisas, na vida; já alguns ficam, como disse um amigo meu, escrevendo sobre os filmes dos outros…

* A seqüência do diretor do filme-dentro-do-filme, Dueling Cavalier, brigando com Lina Lamont (“fale para o arbusto!”), foi inspirada em casos reais do início do cinema falado, relatados aos roteiristas por Douglas Shearer, que foi chefe do departamento de som da MGM naqueles anos.

* A colunista de fofocas Dora Bailey (interpretada por Madge Blake) teria sido baseada em Louella Parsons, famosíssima colunista de fofocas de Hollywood.

* Gene Kelly diria mais tarde, sobre os ensaios dos números musicais com a garotinha Debbie Reynolds: “Não fui gentil com Debbie. É de se estranhar que ela ainda fale comigo.” Consta (está no IMDb) que em um dia em que Gene Kelly insultou a jovem, dizendo que ela não sabia dançar, Fred Astaire a encontrou chorando num canto do estúdio. Ele, é claro, era também contratado pela MGM, e estava por lá, certamente fazendo um outro filme. Astaire então se propôs a ensaiar passos de dança com a moça. Grande Fred Astaire!

* Ainda Debbie Reynolds: aos 19 anos na época das filmagens, como já foi dito, a futura sra. Eddie Fischer ainda morava com papai e mamãe, é claro – e morava longe pra cacete do estúdio da Metro. Consta que tinha que acordar às 4 da manhã e pegar 3 ônibus até chegar ao local de trabalho. Às vezes, para evitar essa maratona, dormia no próprio estúdio.

zzsingin8* Gene Kelly voltaria a contracenar com Cyd Charisse dois outros filmes: A Lenda dos Beijos Perdidos/Brigadoon (1954) e Dançando nas Nuvens/It’s Always Fair Weather (1955).

* A primeira apresentação de Cantando na Chuva numa rede de TV americana – a NBC – havia sido marcada para 23 de novembro de 1963. A estréia acabaria sendo adiada por duas semanas por causa do assassinato do presidente John F. Kennedy.

* Em 2007, o American Film Institute colocou Cantando na Chuva em quinto lugar na lista dos Maiores Filmes de Todos os Tempos. Naturalmente, foi o primeiro musical a aparecer no topo da lista.

* O filme custou na época, em valores não reajustados pela inflação, US$ 2,540 milhões – US$ 665 mil acima do orçamento inicial planejado pela MGM. Só os figurinos criados por Walter Plunkett custararam US$ 157 mil. Mas o custo foi rapidamente coberto: no lançamento inicial, o filme rendeu US$ 7,7 milhões.

* Rita Moreno tem um papel pequeno no filme, como Zelda Zanders, uma das atrizes do Monumental Pictures, o estúdio fictício criado pelos roteiristas; Zelda é uma das poucas amigas, se não a única, da estrela Lina Lamont. A atriz e dançarina nascida em Porto Rico era também uma garotinha na época da filmagem, com 20 anos; uma década depois, em 1961, ela teria um papel importante em outro dos maiores musicais da história do cinema, West Side Story, pelo qual ganharia o Oscar de coadjuvante.

* No início dos trabalhos de pré-produção, os nomes de Judy Garland, June Allyson e Ann Miller foram cogitados para interpretar o principal papel feminino, o de Kathy, mas os produtores entenderam que elas estavam mais velhas do que a personagem. Jane Powell e Leslie Caron também foram lembradas. Para a felicidade dos produtores, e nossa, o papel acabou indo para Debbie Reynolds.

* E, para encerrar esse pacote de informações, um dado de que não me lembrava: foi a partir de sua extraordinária, sensualíssima performance na seqüência de “Broadway Melody”, como a dançarina vamp, com um jeitão de Louise Brooks, amante de um gângster, que a carreira de Cyd Charisse decolou. Ela já trabalhava no cinema desde 1944, mas apenas em números de dança ou em papéis pequenos. Depois que endoidou espectadores do mundo inteiro naquela seqüência, ganhou da MGM o principal papel feminino em A Roda da Fortuna/The Band Wagon (1953), ao lado de Fred Astaire.

Uma riqueza de cores que a TV não consegue nem de longe mostrar

Deixei o que diz Roger Ebert para o fim, porque ele me dá um gancho para meu comentário final:

“A imagem que todo mundo lembra de Singin’ in the Rain é a de Gene Kelly se debruçando de um poste e balançando seu guarda-chuvas na felicidade imensa do novo amor. (…) A seqüência inteira, desde o momento em que Kelly começa a dançar até a hora em que o policial olha para ele achando estranho, é provavelmente a seqüência musical mais alegre jamais filmada. (…) Singin’ in the Rain tem sido eleito um dos maiores filmes de todos os tempos em votações de críticos internacionais, e rotineiramente é chamado de o maior de todos os musicais de Hollywood.”

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Ao fim de seu delicioso texto, Ebert volta à questão de se é o melhor de todos:

“Embora Singin’ in the Rain tenha aparecido em várias versões para o vídeo e seja mostrado na TV com freqüência, vê-lo na tela grande do cinema revelará uma riqueza de cores que a sua TV não consegue sugerir. O filme foi fotografado em cores básicas cheias – as capas de chuva amarela são um emblema – e o diretor Stanley Donen e seu elenco têm uma energia que é também corajosa, básica e alegre. Este é de fato o maior musical que Hollywood jamais fez? Em uma palavra: sim.”

A partir dos anos 60, houve grandes musicais – mas pesados, dramáticos

E aqui eu gostaria de meter minha colher de pau, aproveitando essa referência que o grande Roger Ebert fez às cores fortes, vivas, do filme.

Cantando na Chuva é evidentemente uma forte influência sobre um dos filmes de que mais gosto na vida, o já citado Les Parapluies de Cherbourg. No filme de Jacques Demy de 1964 – 12 anos, portanto, depois de Singin’ in the Rain –, a chuva também tem papel importante na trama. Geneviève, a protagonista, interpretada por uma jovem Catherine Deneuve tão bela que faz a vista da gente doer, cuida da loja de guarda-chuvas da mãe, interpretada por Anne Vernon. Chove em muitas das seqüências deste filme que foi o primeiro musical inteiramente cantado da história do cinema. E as cores são fortes, vibrantes, quentes como no filme de Stanley Donen-Gene Kelly. Les Parapluies de Cherbourg é seguramente um dos filmes de colorido mais forte, mais vivo de todos os tempos.

zzsingin9Jacques Demy explicitaria ainda mais seu amor pelos grandes musicais americanos, e creio que por Cantando na Chuva em particular, ao ter o próprio Gene Kelly como convidado especial para seu filme seguinte – Duas Garotas Românticas/Les Demoiselles de Rochefort (1967), o único filme que reuniu as irmãs Catherine Deneuve e Françoise Dorleac. Além de Georges Chakiris, Oscar de coadjuvante por West Side Story.

O que me leva de volta à afirmação inicial de que Cantando na Chuva é o melhor de todos os musicais clássicos de Hollywood.

Disso não tenho dúvida – e vários críticos que citei acima concordam.

Os anos 50 foram os últimos dos musicais clássicos de Hollywood. A partir dos anos 60, o cinema americano passou a produzir menos musicais como os das décadas de 30, 40 e 50 – comédias musicais, divertissement puro e simples. Muitos dos grandes musicais que viriam depois têm alta carga dramática: West Side Story,  A Noviça Rebelde, Cabaret, All That Jazz. Todos esses quatro são filmes extraordinários – mas não podem ser encaixados na categoria de musicais clássicos de Hollywood.

A ressalva é só para realçar que o superlativo absoluto cabe perfeitamente em Cantando na Chuva. É o melhor de todos os musicais clássicos – e pronto.

Anotação em janeiro de 2014

Cantando na Chuva/Singin’ in the Rain

De Stanley Donen e Gene Kelly, EUA, 1952

Com Gene Kelly (Don Lockwood), Donald O’Connor (Cosmo Brown), Debbie Reynolds (Kathy Seldon),

e Jean Hagen (Lina Lamont), Millard Mitchell (R.F. Simpson), Rita Moreno (Zelda Zanders), Douglas Fowley (Roscoe Dexter), Cyd Charisse (a dançarina), Madge Blake (Dora Bailey), King Donovan (Rod), Kathleen Freeman (Phoebe Dinsmore), Robert Watson (o professor de dicção), Jimmie Thompson (o cantor de “Beautiful Girls”)

Roteiro Adolph Green e Betty Comden

Inspirado na canção “Singin’ in the Rain”, letra de Arthur Freed e música de Nacio Herb Brown

Fotografia Harold Rosson

Música Nacio Herb Brown

Montagem  Adrienne Fazan

No DVD. Produção Arthur Freed, MGM. DVD Warner Bros.

Cor e P&B, 102 min

R, ****

20 Comentários para “Cantando na Chuva / Singin’ in the Rain”

  1. Gene Kelly: gato.
    Eu detesto musicais, mas para Cantando na Chuva abro honrosa exceção, do contrário eu seria louca. E como não vi muitos musicais, para mim ele é sim o melhor. Realmente, ao ver esse filme nos tornamos pessoas melhores, e nosso astral rapidamente vai lá pra cima.

    Sobre o Gene Kelly ter sido duro com a Debbie Reynolds, eu li comentários dizendo que ela não era dançarina, era ginasta; se isso é verdade, acho muito natural que ele tenha ficado puto (dizem que ele não a queria para o papel, justamente por não preencher os requisitos, ser muito nova e desconhecida) e exigido o máximo dela (dizem também que ele era perfeccionista e exigente com todos, até com ele mesmo. O Donald O’Connor disse não ter gostado de contracenar com ele, por ser quase um tirano). Eu leio esse tipo de coisa e fico ainda mais besta, pois no filme a gente não nota a menor animosidade entre eles. Gene Kelly era o mais velho dos três, tinha quase 40 anos (em linda e invejável forma, diga-se de passagem), acho normal que ele quisesse “mandar” e exigir perfeição, até por ser um dos diretores; li que ele chegou a refazer em estúdio o som dos sapatos da Debbie e os dele da sequência de Good Morning (todo gênio é meio louco, admitamos).
    No YouTube vi muitos comentários de jovens que adoram o filme, e muitas fãs dele, por supuesto. Falam que ele trouxe beleza ao sapateado, além de fazer parecer ser fácil (bom, pra ele devia mesmo ser fácil, ele dançava como se estivesse andando).
    Gene Kelly era talentoso, charmoso e bonito, tinha um quê de Marlon Brando, além de carisma e covinhas. Quem resistiria? E sorria não só com os lábios, mas com os olhos, era muito expressivo. Enfim, o homem tinha estrela, e neste filme estava especial, esbanjando charme até na sequência de comédia, onde seu personagem e o do O’Connor trollam o professor de dicção (eu só consigo olhar pra ele quando assisto, mesmo que seja algumas partes no YouTube).

    Será verdade que as sequências de Good Morning e Cantando na Chuva foram gravadas sem cortes? E por falar em cantar na chuva, lembrar que ele gravou aquilo debaixo de febrão só me faz admirá-lo mais.

    Você falou das pernas da Cyd Charisse, e justiça seja feita a Mr Kelly, que também tinha pernões de responsa, mas infelizmente ficavam escondidos atrás daquelas calças que mais pareciam sacos de batata (sem falar no ridículo cós alto que ia até a boca do estômago e deixava qualquer um feio). Mas com algum esforço dá pra ver suas pernas torneadas em algumas cenas onde a calça fica mais justa (quando ele senta, por exemplo, ou na sequência na chuva, por causa da roupa molhada). E em The Pirate, dá pra vê-lo de short e acelerar os batimentos cardíacos por alguns minutos na sequência The Pirate Ballet. Que coxas, melDels!

    Jean Hagen está mesmo excelente como Lina Lamont. Se fosse hoje, esse papel não poderia existir, por causa dos politicamente chatos. Por não ter nenhuma experiência em atuar e dançar, Debbie Reynolds também merece crédito, pois acabou se superando.

    Enfim, muitos vivas a esse filme sensacional e aos seus atores!

  2. Meu comentário anterior ficou gigante, mas esqueci de contar uma curiosidade que só foi revelada agora nos anos 2000, em entrevistas mais recentes com a Debbie Reynolds.
    Ela disse que na última cena do filme, a do beijo de Don e Kathy, Gene lhe tascou um beijo francês, e ela se assustou, pois nunca havia beijado (ela teve que aprender para fazer a cena, e parece que foi o próprio quem a ensinou). Ela recuou e foi para o camarim chorar, tomar Coca-Cola e fazer gargarejo. Kill me now!
    Disse que ficou chocada, que sabia que ele iria beijá-la, mas não daquela forma; que ele ficou chateado, mas quando ela voltou para rodar novamente a cena (depois de uma hora) ele prometeu que o beijo seria diferente.
    E então ela diz que se a gente reparar, verá um Gene Kelly muito irritado lhe dando um ínfimo selinho nada romântico, naquele que deveria ser o feliz triunfo de um casal sobre as adversidades de Hollywood.

    Levando-se em conta o moralismo dos anos 50 é natural que ela não tivesse experiência, e blablablá. Mas fica a pergunta se Mr Kelly quis tornar a cena mais “real” e apaixonada (convenhamos que aqueles selinhos do filme eram de amargar) ou quis tirar uma casquinha mesmo (o que me faz achar engraçado e me perguntar se ela não se arrependeu pelo res-to-da-vi-da ter recusado um beijo de Gene Kelly, o homem que até hoje derrete corações). Ela chamou o beijo que ele tentou dar nela de “mature kiss”.

  3. Só um adendo: Gene Kelly, o homem que até hoje derrete corações e que conseguia ser sexy mesmo declamando “Moses supposes his toeses are roses, but moses supposes erroneously.” Aliás, a sequência de “Moses supposes” (que eu posso ver mil vezes seguidas sem enjoar) além de ter passos mais difíceis, é a em que ele está mais sexy, e em alguns momentos dá pra ver que ele estava realmente curtindo e se divertindo fazendo aquilo; difícil acreditar que ele dizia não se achar um dançarino tão bom e que teria se dado melhor jogando hóquei (esporte cujos passos ele levou para a dança).
    É impossível assistir sem terminar com um sorriso no rosto; sem falar na afinidade dos amigos que sem precisar dizer nada, conseguem armar para trollar o professor combinando apenas com o olhar (e na incrível sincronia dos atores na coreografia).
    Mas eu queria falar dessa sequência também para perguntar se não há um erro de edição ali: quando o professor termina de falar o trava-língua do “Moses supposes” com Cosmo atrás dele o imitando, antes de passar o livro para Don.

  4. obrigada por distribuir conhecimentos. Para mim, que também não sou chegada a qualquer musical, ‘cantando na chuva’ só ainda não me fez chorar, pois sinto algo muito maior que uma grande emoção. Sinto uma imensa alegria dentro de mim, uma felicidade irradiante, tanto com a musica, quanto com a coreografia, com a interpretação de ambas, o ator-bailarinho-dançarino-cantor-máximo Gene Kelly. Pra mim, ele e depois o maravilhoso Fred Astaire são os maiores e melhores de todos os tempos; do filme ‘Laranja Mecânica’ retirei parte da letra de Arthur Freed. Na época azia sapateado, entre outras danças (nada profissional)mas não consegui colocar no papel a sequência de passos do ‘cantando na chuva’ pois não havia tecnologia suficiente para tal, a não ser um video K7 com fio e tudo o mais. Não sapateio mais pq. tive outros interesses profissionais q. não incluiam dança, e não continuei treinando pois vizinhos não suportam o barulho daí, doei a tábua de ensaio e mantive os sapatos. Sou frustrada nesse aspecto, mas ainda amo tudo isso. Se alguém souber a sequencia de passos de cantando na chuva por favor me envie: pode apenas explicar normalmente sem dar os nomes próprios dos passos (ex: andada com mão o bolso, com guarda chuva, roda poste p/esq., andada com pulinho, etc) mas também pode dar os nomes respectivos – de alguns ainda me lembro- e eu serei eternamente grata. Isso é muito importante para mim, pois faz parte do meu estudo, da minha história. Lembro-me que na época anotei as sequencias num papel mas acho que alguém levou – ‘surrupiou’ – pois tinha ficado ótimo. Acho que todo mundo quer esta sequencia. Obrigada.

  5. sobre o comentário anterior, como não fiz rascunho, além dos erros em ‘fazia sapateado’, ‘com a mão no bolso’ e outros, algo ficou meio confuso e esclareço: a letra inteira, depois, eu mesma a retirei assistindo ao filme; a sequencia dos passos, não consegui de imediato, porém bem mais tarde quando já tinha passado para o papel boa parte, ele desapareceu misteriosamente. E daí perdi tudo. Mas, hoje, com tantos meios de comunicação e tantas pessoas de boa vontade no mundo, acho que muitos já têm esta sequencia pronta. Agradeço, desde já a gentileza: miramvalle@hotmail.com

  6. Tirando Bringing up baby, não há filme mais alegre que Serenata à chuva! Meu deus! Que maravilha de filme! É pura alegria, energia. As músicas são belíssimas (singing in the rain ou aquele que Debbie canta ao inicio vestida de rosa depois de sair de um bolo são das melhores), os números musicais riquíssimos e agradáveis. E as interpretações muito competentes! Enfim, um show para soo ouvidos e olhos. Recomendo este filme a qualquer um apaixonado por musicais e mesmo àqueles que não gostam deste género (que são muitos). Quando um filme é bom, agrada à maioria (independentemente do género). Eu acredito nisso. E é o caso de Serenata À Chuva. ótimo para animar as pessoas. Eu gosto mt de Wizard of oz e pal joey mas Serenata À chuva tem uma alegria que não cabe em mais nenhum musical escapista. Debbie é mt amorosa e Gene transpira talento

  7. E hoje é dia 24 de março. Ring a bell? “Your lucky day is March 24th”. #viciadaemSITR

    Tem várias coisas nesse filme sobre as quais ainda quero falar, pois acabei revendo-o algumas vezes depois do meu último comentário, e também tem algumas curiosidades que não são muito conhecidas, mas preciso relê-las e juntar tudo.

    Por enquanto, eu só queria dizer, assim como quem não quer nada, que nos créditos do filme o nome de diretor que aparece primeiro é o de Gene Kelly, tanto na direção de coreografia quanto na do filme em si (muitos não sabem, mas sim, ele sabia dirigir; tem até uma técnica de filmagem que foi ele quem inventou, mas no momento não me lembro do nome).

    Donen se tornou muito conhecido depois, com o passar dos anos, mas quem o levou pelas mãos para a MGM, quando ele era um fedelho de 20 anos foi Mr. Kelly (que já era um grande astro com carta branca lá dentro), e a quem, eu acho, SD deve muito do que conseguiu (mas ele mesmo disse que “já pagou”). Então tá.
    [vou parar por aqui, senão me empolgo].

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