O Proscrito/The Outlaw

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Nota: ★☆☆☆

Visto como peça de museu, The Outlaw, no Brasil O Proscrito, de 1943, é interessantíssimo, fascinante. É uma produção cheia de histórias: um filme reconstituindo como foi feito The Outlaw seria seguramente delicioso.

Nunca tinha visto a peça, a figurinha carimbada. Tinha ouvido falar, e muito; lembrava bem das fotos, dos cartazes mostrando uma Jane Russell deslumbrante, gostosíssima, sensualíssima, maravilhosa. Os cartazes de The Outlaw parecem feitos para vender um pornô.

zzoutlaw2Vou em seguida procurar informações nos alfarrábios, mas queria primeiro registrar algumas impressões, antes de ser influenciado por outras opiniões.

É uma loucura. Uma arrematada loucura.

Sim, foi dirigido por Howard Hughes, o excêntrico, doidão bilionário que já inspirou mais de um filme. Sua biografia foi contada por Martin Scorsese no aclamado e bem realizadíssimo O Aviador/The Aviator, de 2004, com Leonardo DiCaprio como Hughes. Mas bem antes dele, em 1980, Jonathan Demme havia dirigido Melvin e Howard, em que um sujeito simples, Melvin Dummar (Paul Le Mat), aparece dizendo que havia conhecido Howard Hughues (interpretado por Jason Robards), e que o bilionário lhe entregara um testamento deixando todos os bens para ele.

Em 2006, o sueco Lasse Hallström lançou O Vigarista do Ano/The Hoax: uma história real mais maluca, improvável, imaginativa e ilógica do qualquer roteirista cheio de pó ou LSD na cabeça poderia imaginar, sobre Clifford Irving (Richard Gere), um jornalista que de fato existiu e inventou o que chamou de biografia autorizada de Howard Hughes, e conseguiu vendê-la para uma grande editora de Nova York.

Só pelo fato de ter sido uma das aventuras de Howard Hughes no cinema o filme já seria interessante.

Mas a história, a trama do filme, e a forma como ela é contada… Meu, é muito doido.

zzoutlaw0Para começo de conversa: é um western contado com bastante humor, com toques de comédia. Que eu saiba, não se costumava fazer western com tons cômicos, nos anos 1940. Isso só viria bem mais tarde, com Dívida de Sangue/Cat Ballou, de Elliot Silverstein (1965) e Banzé no Oeste/Blazing Saddles, de Mel Brooks (1974).

É um western que apela abertamente para o sexo quando não se faziam nos Estados Unidos filmes comerciais apelando para o sexo. Ora bolas: o Código Hays – as rígidas leis de autocensura dos estúdios – estava em pleno vigor!

Quase 20 anos antes de Jules et Jim, a obra-prima de François Truffaut, uma mulher se divide entre dois amigos – e não divide entre eles apenas namorinho, não: divide a cama. Trepa com um e trepa com outro, sem, naturalmente, estar casada com nenhum deles.

Os dois homens são Doc Holliday e Billy the Kid, os dois personagens famosíssimos do Oeste americano, retratados em dezenas de filmes. Doc Holliday (aqui interpretado pelo grande Walter Huston, o pai de John e avô de Anjelica) era um jogador e pistoleiro, Billy the Kid (Jack Buetel) era um pistoleiro e assaltante – e eles são mostrados como heróis no filme.

Vale sempre lembrar o que dizem alguns trechos do Código Hays:

“Nenhum filme será produzido que possa fazer abaixar os princípios morais daqueles que irão vê-lo. Desta forma, a simpatia da audiência jamais deve ser jogada para o lado do crime, do fazer errado, mal ou pecado. Princípios corretos de vida, sujeitos apenas às exigências do drama e do entretenimento, devem ser apresentados. A lei, natural ou humana, não será ridicularizada, nem simpatia pela sua violação será criada. (…) A santidade da instituição do casamento e do lar será preservada. (…) O adultério, às vezes material necessário para a trama, não deve ser tratado explicitamente, ou justificado, ou apresentado de forma atraente.”

O Proscrito faz tudo o que o Código Hays dizia que não podia.

Billy the Kid estupra a mulher. E ela se apaixona por ele

zzoutlaw3Mas tem mais, tem muito mais.

A personagem de Jane Russell, Rio McDonald, é estuprada por Billy the Kid. No passado, Billy havia matado o irmão dela, e então, quando Billy se prepara para dormir num estábulo, Rio atira nele, mas erra; ele a domina, bota-a no chão, sobre um monte de feno, segurando seus braços, o corpo em cima do dela. Bem, e já que já estava por cima dela, e ela é aquele mulherão todo…

Ela resiste, e ele diz: – “Cuidado, moça, senão não restará nada do seu vestido.”

Ela grita: – “Me larga!”. Repete o grito. Fade out: a tela fica negra por uns segundos, e depois virá outra seqüência, passada no dia seguinte.

Mais tarde, Billy é ferido por um tiro disparado pelo xerife Pat Garrett (interpretado por Thomas Mitchell). Doc Holliday, que havia sido grande amigo de Pat Garrett no passado, quando este ainda não tinha virado homem da lei, e agora ficava a cada dia mais amigo de Billy the Kid, foge com o bandido (aqui mostrado como herói) ferido e o leva para a casa de sua (de Doc Holliday, quero dizer) amante.

zzoutlaw6E quem é a amante de Doc Holliday? Claro: Rio McDonald.

Doc pede à mulher que cuide do homem ferido. Explica como ela deve proceder – ela deve tirar a roupa dele, cuidar da ferida –, e aí foge, porque Pat Garrett e seus homens estão vindo atrás dele.

A bela Rio fica então diante do homem que a estuprou e que antes havia matado seu irmão. Pega uma faca das bem grandes e… cumprindo as instruções de Doc Holliday, corta a roupa de Billy the Kid.

Billy fica inconsciente durante vários dias. A tia de Rio, Guadalupe (Mimi Aguglia), que vive com ela, a princípio fica irritadíssima com o fato de a moça estar cuidando do homem que matou o irmão dela.

Quando ele começa a ficar melhor, ela dá para ele. E se apaixona.

Mais tarde, ao voltar da fuga, Doc chega à casa de Rio e Guadalupe. Guadalupe fala alto, bem alto, com Doc – para avisar a sobrinha que seu homem chegara.

Ela aparece diante de seu homem, agora ex-homem, e Doc Holliday saca tudo. (Não saca da arma – saca no sentido de compreender.)

Billy aparece também, vindo do quarto de Rita, e Doc Holliday protesta: – “Não bastava você ter roubado meu cavalo, agora rouba também minha mulher?”

E depois Rio, como boa mulher, vai cozinhar para os dois homens e também para o xerife Pat Garrett.

Não é querer enxergar pêlo em ovo, não é querer ser politicamente correto, até porque tenho nojo do politicamente correto. Mas The Outlaw é um dos filmes mais repugnantemente, nojentamente machistas, misóginos que já vi na vida.

Howard Hawks começou a dirigir o filme, mas se desentendeu com Hughes

zzoutlaw4Tá bom. Desabafei – e, ao desabafar, acabei indo contra uma das minhas regras, que é a de não revelar fatos que ocorrem depois de 20 minutos, no máximo meia hora de filme.

Agora vou atrás de outras opiniões, e, sobretudo, de informações.

Uma informação importantíssima, para começar: embora os créditos digam que esse western-quase pornô-quase comédia filme foi dirigido e produzido por Howard Hughes, teve outro Howard na história, um que era do ramo, o Hawks. Pelo jeito, Hawks começou dirigindo, mas Hughes se desentendeu com ele, o demitiu e assumiu o posto.

O que se há de fazer? Patrão é patrão, faz o que bem entender. Mas então fica claro que a responsabilidade é do patrão, não do profissa que ele demitiu. O grande Hawks não pode ser acusado pelos erros do filme.

Pauline Kael escreveu que Hughes foi o produtor-diretor e desenhista de sutiã

Leonard Maltin deu ao filme 3 estrelas em 4: “Famoso ‘sex western’ (e estréia tumultuada de Russell no cinema) é na verdade uma envolvente – embora excêntrica – história de Billy the Kid, com as honras principais indo para Huston como Doc Holliday. Foi filmado em 1941 e dirigido na maior parte por Howard Hawks, embora o interesse de Hughes nos seios de Russell seja mais do que evidente.”

Pauline Kael, a língua mais ferina do Leste, escreveu o seguinte:

“Como produtor-diretor e desenhista de sutiã, Howard Hughes consegue criar o burlesco definitivo dos dramas das cidades de vaca, e isso sem sequer tentar. Jane Russel balança seus seios e mostra seu amor pelo frágil, desalinhado Billy the Kid (Jack Buetel) batendo em sua cabeça com um bule de café e botando areia nos seus cantis quando ele vai sair para o deserto. Para dar o troco, ele a amarra com correias molhadas e a abandona no sol. Walter Huston e Thomas Mitchell dão algum alívio desses jogos amorosos. (…) Embora completado em 1941, o filme se enrolou com batalhas largamente divulgadas com a censura e não foi mostrado até 1947.”

“Producer-director and bra designer.” “The definitive burlesque of cowtown dramas.” “Jane Russell swings her bosom around.” A pontaria de Pauline Kael é mais acurada que as de Doc Holliday e Billy the Kid.

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Os dois homens consideram o cavalo mais importante que o mulherão

Um jornal de Los Angeles poderia ter dado uma notícia assim, com data de 5 de fevereiro de 1943, sob o título de “Howard Hughes choca com The Outlaw”:

“Uma grande agitação foi provocada pela estréia de The Outlaw, da RKO, um western bizarro que foi concebido para lançar Jane Russell, a mais recente ‘descoberta’ do milionário e diletante homem do cinema, o totalmente excêntrico Howard Hughes. Ele construiu a produção inteira ao redor dos magníficos peitos de Russell, até mesmo desenhando um sutiã especial para realçar seu decote enlouquecedor. Os censores e a Liga Católica pela Decência forçaram a retirada do filme dos cinemas.”

O texto acima está no esplendoroso livro Cinema Year by Year 1894-2000, que traz verbetes sobre os filmes mais importantes de cada ano como se fossem notícias de jornal da época.

As fantásticas informações abaixo estão no livro The RKO Story:

zzoutlaw99“Pouco depois de assumir o comando da RKO em 1948, Howard Hughes vendeu The Outlaw, um filme que ele havia produzido de forma independente, para sua nova empresa. A transação iria virar um tema de controvérsias nos anos seguintes, em parte porque The Outlaw já era um dos filmes mais controvertidos da história de Hollywood. O filme foi na verdade concluído em 1941, mas seu lançamento foi adiado enquanto o produtor-diretor enfrentava uma áspera batalha com a Administração do Código de Produção de Joseph Breen, que se recusava a dar ao filme o Selo do Código. Hughes organizou uma exibição simbólica em San Francisco em fevereiro de 1943, e a United Artists programou algumas exibições limitadas em 1946. A distribuição pela RKO era, na verdade, um relançamento. Toda a questão envolvia a figura de peitos amplos da descoberta de Hughes, Jane Russell. As cenas de mais alta voltagem com a senhorita Russell, inclusive uma em que ela se despia e se deitava na cama ‘para aquecer’ o adoentado Jack Buetel (sua estréia), haviam sido extirpadas na época em que a RKO se tornou a distribuidora. O que restou foi um filme que não era muito sexy, mas era extremamente bizarro. O roteiro de Jules Furthman mostrava a relação entre Billy the Kid e Doc Holliday (Walter Huston). Antes do início da história, Billy havia roubado o cavalo de Holliday, e o filme inteiro se transforma numa disputa entre os dois homens pela posse do animal. Embora os dois homens desfrutem das afeições de Rio (a senhorita Russell), eles a consideram bem menos importante do que o sagrado animal. Longo demais, desconjuntado, com um jeito de esquisita paródia quanto às convenções do western, e misógino até a alma, The Outlaw era também visualmente deslumbrante e excentricamente provocativo. Gregg Toland cuidou da fotografia maleável, atmosférica, e Victor Young compôs a generosa trilha sonora. (…) Howard Hawks dirigiu o filme durante um pequeno período, antes que Hughes o demitisse e assumisse a tarefa.”

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O filme mais calhordamente machista, mais anti-mulher da História

Esse texto do livro oficial sobre a RKO é extremamente informativo – e, quando opina, acerta em cheio.

Ao lançar Jane Russell ao mundo, o biliardário doidão que havia comido ou ainda haveria de comer também Katharine Hepburn e Ava Gardner conseguiu uma gigantesca proeza: fez a obra que pode disputar com qualquer outra o título de o filme mais calhordamente machista, mais insuportavelmente misógino da história.

E, naquelas conversas entre Doc Holliday, Billy the Kid e Pat Garrett quando a narrativa se aproxima do tão aguardado fim, aquelas patéticas declarações de amor de Pat Garrett a Doc Holliday, o biliardário que comeu tantas estrelas maravilhosas mostra mesmo é que, no fundo, no fundo, ele gostaria era de ter assumido que era um boiolão.

Nada contra os companheiros gays, não, tá, gentinha boa?

É só uma constatação.

Aqueles bandidos machões que Hughes trata como heróis gostariam mesmo era de dar o fiofó.

Anotação em abril de 2013

O Proscrito/The Outlaw

De Howard Hughes (e Howard Hawks), EUA, 1943

Com Jack Buetel (Billy the Kid), Jane Russell (Rio), Thomas Mitchell (Pat Garrett), Walter Huston (Doc Holliday), Mimi Aguglia (Guadalupe), Joseph Sawyer (Charley)

Roteiro Jules Furthman

Fotografia Gregg Toland

Música Victor Young

Montagem Otho Lovering e Wallace Grissell

Produção Howard Hawks. DVD Continental/Wonder Multimídia.

P&B, 115 min.

*

7 Comentários para “O Proscrito/The Outlaw”

  1. Este filme é a coisa mais amoravelmente estranha, ridícula, non sense, surpreendente que vi (claro que não, mas que é estranho é). Um filme machista em que um cavalo é disputado com uma mulher, ainda mais pela grande Jane Russell (atriz por quem tenho um carinho especial). A estrela do filme é, indiscutivelmente, os seios da Jane Russell. A história é boba e pode ser defendia como um pornwestern, mas eu gosto do filme. Cansa-me um bocado mas há pior. Antes de mais, a música, as paisagens e a Jane. Música linda com paisagens do faroeste bem nostálgicas. O ambiente está muito bem conseguido. A história é estranha, não muito boa mas uma pessoa não se pode queixar. Acontecem coisas e coisas…
    Jane num papel que lhe fica muito bem: ela não é exatamente clamorosa mas é sexy, carnal. E neste western. desprovido de glamour mas repleto de sensualidade, ela está muito bem.

  2. este é um dos filmes mais idiotas que já vi… sem contar o absurdo de se criar um trio amoroso entre doc, billy e pat… salvo as cenas com Jane Russel… desperdício de tempo.

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