Sete Noivas para Sete Irmãos é uma das mais deliciosas bobagens que o filmusical americano produziu.
Nunca tinha visto este classicão da era de ouro dos musicais da Metro, feito em 1954 pelo grande Stanley Donen, dois anos depois de Cantando na Chuva, cinco antes de Cinderela em Paris, nove antes de Charada, 12 antes de Arabesque, 13 antes de Um Caminho para Dois.
A citação de algumas das pérolas que Stanley Donen criou não é de graça: serve para lembrar que o cara é bom demais, mas demais da conta.
O fato de nunca ter visto antes o filme acho que serve bem para demonstrar que é uma obra que, ao contrário de tantas outras, não envelheceu – ou, no mínimo, que envelheceu bem, como os bons vinhos e o bom caráter.
Quando a gente revê um filme que adorou quando era bem jovem, a tendência é ver com simpatia, com vontade de gostar. Às vezes acontece uma grande decepção – nada mais normal. Às vezes acontece de a gente ter um prazer imenso – indicação de que o filme de fato era bom.
Quando se vê pela primeira vez um filme feito quase 60 anos atrás, das duas, uma: ou salta aos olhos que é datado, ficou velho, não resistiu à passagem do tempo, ou então, ao contrário, surpreende porque é muito bom, um clássico, um que é para sempre.
Sete Noivas para Sete Irmãos me deu, nesta primeira vez, as duas sensações: é datado. Mas é bom, é para sempre.
É uma imensa bobagem – e é delicioso. É delicioso – embora seja uma imensa bobagem. Como tanta coisa na vida, é uma adversativa. (A foto acima, com os dois protagonitas, é um still promocional, não uma cena do filme.)
Ali há dez homens para cada mulher, mas a mocinha se apaixona de cara pelo mocinho troglodita
Imensa bobagem. Pegue-se a história, a trama. Estamos no Oregon, em 1850. Extremo Oeste dos Estados Unidos, o Estado quadrado que fica acima da magrinha Califórnia. Acima dele só vem Washington, e, depois é o Canadá. Lugar extremamente distante de tudo, e frio pra cavaco. Ainda era apenas um território, e não um estado, como nos avisa um letreiro assim que o filme começa: Território do Oregon, 1850.
Um sujeito que vive numa fazenda situada ao Norte e acima da cidade mais próxima (e portanto num lugar ainda mais distante e mais frio) vai até a pequena urbe igual às que vemos em qualquer western, para trocar peles de castor por víveres – mas na verdade ele quer mesmo é adquirir uma esposa, para cuidar da sua casa, uma pocilga que ele divide com os seis irmãos mais jovens, todos homens.
Esse sujeito, Adam Pontabee, é interpretado por Howard Keel. Howard Keel era um ator-cantor da Broadway, cujos dotes eram uma cara bonita, segundo os padrões da época, e uma poderosa voz de barítono. Assim propriamente talento interpretativo, disso aí creio que Howard Keel estava em falta – mas cantava bem pra cacete. Outra adversativa.
Adam Pontabee-Howard Keel chega ao principal armazém da cidadezinha mais próxima de sua fazenda (são 80 quilômetros entre uma coisa e outra) perguntando se, junto do sal, do trigo, não poderia também levar uma noiva. Os donos do armazém lembram a ele a verdade dos fatos: naquele território há cinco, ou dez homens, para cada mulher. Toda garota belo-horizontina acharia o Oregon de 1850 um paraíso.
Aí Adam Pontabee-Howard Keel sai do armazém e, com sua voz de barítono, canta uma canção a respeito de procurar uma noiva.
Vai parar num restaurante do lugar. Vê uma moça que corta madeira, faz comida para 12 homens famintos num piscar de olhos, serve a comida para essa choldra com disposição, bom humor– e além de tudo é linda e loura e tem olhos azuis.
A moça, que vem na pele de Jane Powell, se chama Millie, é a mais bonita e cobiçada do pedaço, mas apaixona-se pelo troglodita Adam à primeira vista.
Dois minutos de filme depois, estão casados.
A mocinha é de deixar furiosas todas as feministas do mundo, das mais light às mais xiitas
Adam, que Millie não sabe ainda quão troglodita é, vai levando a moça para sua fazenda 80 km ao norte da cidade. Pausa para mais um número musical, desta vez por conta de Jane Powell. Adam quase diz para ela que tem seis irmãos – mas não o faz.
Chegam enfim à fazenda dos Pontabee – e então, na lata, de chofre, Millie fica sabendo que não terá que cuidar apenas do marido, mas também dos seis irmãos dele, sujeitos absolutamente infernais, rudes, violentos, bagunceiros. São todos batizados com nomes de acordo com o alfabeto, um com B, o outro com C, o outro com D, etc.
O que deveria fazer Millie, ao descobrir que acabara de cair no conto do vigário troglodita? Claro, se mandar dali imediatamente, furiosa, e anular o casamento com a base sólida de que havia sido vítima de falsidade ideológica.
Millie gracinha-Jane Powell, no entanto – para o absoluto desespero de todas as feministas do mundo, das mais light às mais xiitas –, topa tudo, não por dinheiro, mas por amor.
Vai cozinhar, lavar, limpar para sete marmanjos.
E vai se matar feito uma moura por um marmanjo que não dá a ela a menor atenção, o menor carinho.
Uma seqüência de dança de uns dez minutos que é de babar
Estamos aí com uns 15, 20 minutos de filme, e, diante dessa trama meio chegada ao ridículo, seria o caso de dar um stop e ir fazer outra coisa mais interessante, certo?
Erradíssimo.
Quando estamos aí com cerca de 30, 40 minutos de filme, os oito – Adam, os seis irmãos mais novos, e mais Millie – vão ao baile anual na cidade.
E aí temos uma sequência de dança – que dura talvez uns dez minutos – que é uma das coisas mais divertidas, mais bem encenadas, mais brilhantes da história do musical, americano ou não.
Ainda não é Bob Fosse, Twyla Tharp, coreograficamente falando. Ainda não é West Side Story, Cabaret, seriamente falando.
Mas é um absoluto brilho a longa sequência de dança dos seis irmãos mais jovens à procura de suas seis noivas.
E depois dessa seqüência, meu, a verdade dos fatos é que tudo o que vier é lucro.
No meio das seis noivas que aparecem de uma vez só, a beleza fulgurante de Julie Newmar
Ah, sim. Antes de passar para algumas informações objetivas sobre o filme, vai mais uma observação pessoal.
As seis noivas surgem ao mesmo tempo, na trama. E o filme é extremamente pão-duro em close-ups, porque aquela era a época do CinemaScope, da tela grande, dos planos gerais, para fazer face à concorrente que surgia forte, poderosa, a televisão. (A própria estrela do filme, Jane Powell, só aparece uma única vez em um plano que fica entre o americano e o close-up.)
Mas o fato é que, no meio daquelas seis mulheres que surgem ao mesmo tempo, e não aparecem nunca em close-up, uma me impressinou. Uma morena especialmente linda, dessas belezas de fechar o comércio. Não consegui deixar de comentar com Mary: meu Deus do céu e também da terra, mas essa aí é belíssima.
Foi só nos créditos finais que fiquei sabendo: a morena estrondosa, que faz o papel da personagem Dorcas, é Julie Newmar, uma atriz fetiche, cult, homenageada numa comédia de 1995, Para Wong Foo, Obrigada por Tudo! Julie Newmar, em que Patrick Swayze, Wesley Snipes e John Leguizamo fazem drag queens.
Não conhecia Julie Newmar. Ela me passou, como dizem os caipiras paulistas.
Agora quero ver mais Julie Newmar na vida. Tem filme demais pra gente ver, meu Deus do céu e também da terra.
Russ Tamblyn, que faz Giddeon, o mais jovem dos irmãos, tinha ridículos 20 anos quando o filme foi lançado, em 1954. Sete anos depois, faria o papel de Riff, o chefe da gangue dos brancos em West Side Story.
Belas canções compostas especificamente para o filme, com letras sobre o que rola na trama
Sete Noivas para Sete Irmãos foi indicado ao Oscar de melhor filme, mas é claro que não levou. É absolutamente raro a Academia dar o principal prêmio a um musical. O filme teve também indicações aos Oscars de roteiro, fotografia em cores e montagem. Só levou o prêmio de melhor trilha sonora de musical, para Adolph Deutsch e Saul Chaplin.
As canções são de Gene de Paul (música) e Johnny Mercer (letras), e foram todas escritas especificamente para o filme. De Gene de Paul nunca tinha ouvido falar, mas Johnny Mercer (1909-1976) é um dos mais refinados letristas da Grande Música Americana. Clint Eastwood, esse gênio que adora a Grande Música Americana, faria uma homenagem a Johnny Mercer em Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal, um filme que se passa em Savannah, Georgia, terra natal do compositor e letrista.
Diz o IMDb que, segundo Stanley Donen, o produtor Jack Cummings inicialmente planejava usar canções folk nos números musicais. Depois de meses de pesquisas, decidiu-se finalmente por encomendar canções especialmente feitas para as situações mostradas na trama.
São, todas, canções gostosas, e com letras inteligentes, cheias de palavras que normalmente não cabem nas canções pop – mas, como se referem especificamente à trama, não têm muita vida fora do filme, e, ao menos que eu saiba, nenhuma virou sucesso.
Um caso raro de filmusical que não é uma transposição de peça da Broadway
Uma característica fascinante é que Sete Noivas para Sete Irmãos, ao contrário de um imenso número de filmusicais hollywoodianos, não é a transposição para o cinema de um musical inicialmente encenado no teatro, na Broadway. É um caso raro de Hollywood ter sido mais rápida que a Broadway. Joshua Logan, que trabalhava tanto no teatro nova-iorquino quanto no cinema do outro lado do país, quis transformar a história escrita por Stephen Vicent Benet num musical da Broadway. O projeto não foi em frente, e então a MGM comprou os direitos.
Na minha opinião, Stanley Donen tem uma característica fascinante: é um grande gozador. Seus filmes têm um bom humor como os de poucos outros realizadores.
Sete Noivas para Sete Irmãos é uma imensa, gigantesca gozação do western, do próprio musical hollywoodiano, do machismo, das fórmulas sobre relacionamento homem-mulher.
É avançado, é iconoclasta, é a favor do bom humor, é uma maravilha.
Leonard Maltin dá ao filme a cotação máxima, 4 estrelas. O CineBooks’ Motion Picture Guide dá a cotação maxima, 5 estrelas em 5.
O filme está tanto no livro 1001 Filmes para Ver Antes de Morrer quanto no 501 Must-See Movies.
A Folha de S. Paulo, aquele jornal fresco, pretensioso, metido a besta, a dono da verdade, a moderninho, a avançado, incluiu o filme na Coleção Folha Clássicos de Cinema; 443 dos 444 dos críticos de cinema da Folha devem seguramente ter lamentado a decisão da empresa.
E aí, vixe Maria, me ocorre uma idéia atroz.
Se eu fosse um tenebroso torturador, saberia como submeter à mais cruel das torturas os neguinhos de nariz empinado que adoram um filme chato, que só compreendem o cinema se ele for sério, profundo – e chato: botaria eles para verem Sete Noivas para Sete Irmãos. Depois de 103 minutos dessa deliciosa bobagem, eles confessariam todo tipo de crime e pecado, eles, que tanto pecam por soberba. Confessariam até mesmo pecados inconfessáveis, como, no fundo, no fundo, a inveja dos seres humanos bem-humorados, ou simplesmente normais, que gostam de se divertir vendo filmes.
Anotação em março de 2012
Sete Noivas para Sete Irmãos/Seven Brides for Seven Brothers
De Stanley Donen, EUA, 1954
Com Jane Powell (Milly), Howard Keel (Adam Pontabee),
os outros irmãos: Jeff Richards (Benjamin Pontabee), Russ Tamblyn (Gideon Pontabee), Tommy Rall (Frank Pontabee), Marc Platt (Daniel Pontabee), Matt Mattox (Caleb Pontabee), Jacques D’Amboise (Ephraim Pontabee),
as outras noivas: Virginia Gibson (Liza), Julie Newmar (Dorcas), Nancy Kilgas (Alice), Betty Carr (Sarah), Ruta Lee (Ruth), Norma Doggett (Martha)
Roteiro Albert Hackett, Frances Goodrich e Dorothy Kingsley
Baseada na história The Sobbin’ Women, de Stephen Vincent Benét
Fotografia George Folsey
Canções de Gene de Paul (música) e Johnny Mercer (letras)
Direção musical Adolph Deutsch e Saul Chaplin
Coreografia Michael Kidd
Figurinos Walter Plunkett
Produção Jack Cummings, MGM. DVD MGM, Coleção Folha.
Cor, 103 min
***
Eeebaa. Desta vez ganhei de você: tenho Sete noivas para sete irmãos entre meus poucos DVDs; vejo e revejo o filme desde adolescente. E me considero feminista, mas para mim a questão do filme é, além do humor, o contexto: estamos em 1850 e dificilmente uma mulher faria o que você sugere. Ainda: a postura religiosa de Millie, lendo a Bíblia pouco depois que chega na casa do marido (“Não deem suas pérolas aos porcos…”) reforça a escolha da personagem: vai ficar e lutar com as armas que tem – perseverança, inteligência, coragem, e até pulso firme quando preciso (ver como Millie trata os cunhados, por exemplo).
O filme é um dos raros musicais de que gosto sem esforço; divertido, músicas ótimas (aquela canção dos irmãos cantando no inverno enquanto cortam madeira é apenas uma), coreografia entre a ginástica e o humor, e alguns diálogos e falas memoráveis.
Olá Sérgio
Desta vez concordo em absoluto com o que você escreve. A única diferença é que eu vi o filme pela primeira vez em 1971 e tenho voltado a ele uma vez por outra. Não é dos meus musicais favoritos (como “West Side Story”, “Cabaret”, “The Band Wagon”, “Singin’ in the Rain”, “An American in Paris” e mais alguns outros), mas vem ainda a tempo de integrar um TOP10.
Abraços
VI SETE NOIVAS PARA SETE IRMAOS EM 1956´LÁ BEM NO CENTRO DA AFRICA EM NEGAGE EU MOTORISTA DE COLETIVO NAQUELA EPOCA O TRANSPORTEI NAQUELA CAIXONA EMBALAGEM DA EPOCA ,VI EDEPOIS VARIAS VESES , E QUANDO SURGIU EM DVD O ADQUIRI DE IMEDIATO , AQUI ESTÁ COMO O PRIMEIRO , DO PEQUENO ACERVO DE 250 CLASSICOS
Amo este filme, me lembra as Sessões da Tarde quando eu era criança. O filme é de uma alegria contagiante e a cena da construção do celeiro é antológica!
AMEI : “neguinhos de nariz empinado que adoram um filme chato, que só compreendem o cinema se ele for sério, profundo – e chato…” Isso foi EXATO! Congratulations!!!
Cara, que auto critica maravilhosa a tua! Interligas tua pessoa à arte cinematografica e o prazer de ver um filme, analisando-o criticamente e com afeto. Confesso -te, foi ao ler tudo isso que escreveste de modo tão pessoal que fui até a casa de um amigo fã de musicais(gênero que não gosto muito) e pedi que ele o exibisse para mim na sua tela de 75 polegadas e som multicanais… caracas… que prazer! Cinema feito com amor! Critica feita com amor! Obrigado pelo incentivo, agora ando mais curioso a respeito dos outros filme que citaste e outros comentaristas também. Abraço e obrigado pela dica. Adendo: Que saco realmente é ler um dos 365 criticos pedantes da foia de são paulo!!!(Três exclamações absolutamente necessárias…rsrs)
Caro Antônio Fernando,
Em segundo lugar, peço perdão pela demora em responder.
O pedido de desculpas é em segundo lugar, porque em primeiro quero é agradecer a você pela mensagem tão absolutamente gentil, amiga e – dá para sentir perfeitamente – sincera.
Sua mensagem é a prova de que esse meu trabalho todo vale a pena, cara!
Não sei se você imaginar a felicidade que uma mensagem como essa sua dá pro sujeito que passa horas e horas escrevendo, escrevendo, escrevendo…
Um grande abraço, e, de novo, muito obrigado!
Sérgio