Anotação em 2011: Este Mãos Que Curam, no original El Mal Ajeno, o mal alheio, o mal dos outros, é um filme muito bom, feito com extrema competência, com uma trama impressionante, apavorante. Mas, para poder vê-lo, é necessário que o espectador tenha estômago e coração fortes, e que admita o sobrenatural.
Fala o tempo todo de doenças graves, ferimentos graves, pacientes terminais, e mostra cenas de hospital, de sala de cirurgia, com uma explicitude espantosa.
Definitivamente, não é para todo tipo de espectador.
O protagonista, interpretado por Eduardo Noriega, é o dr. Diego Sanz, um médico, cirurgião, que trabalha com pacientes graves e atende emergências no pronto-socorro de um bom hospital de Madri. É um profissional sério, dedicado, competente; estudou muito, formou-se jovem, tem grande experiência – mas, aos 40 anos de idade, vive dentro de uma couraça que o separa do mundo. Para enfrentar aquela barra pesada dia após dia, para se proteger de tanta desgraça, tornou-se insensível à dor dos outros – e foi perdendo o contato com sua mulher, Pilar (Cristina Plazas), enfermeira que trabalha no mesmo hospital, com a filha adolescente, Ainhoa (Clara Lago), e com o pai.
Ainda no início da ação, Diego dá uma bronca em Juanjo (Marcel Borràs), garoto saído da faculdade de Medicina, no seu primeiro ano de residência, porque vê o jovem dando comida na boca de uma paciente. Diz a ele que não deve se afeiçoar a nenhum paciente, não deve sentir pena deles, não deve nem mesmo olhá-los nos olhos, porque há pacientes demais, e todos precisam dos mesmos cuidados.
Bem mais tarde, Diego e o espectador ficarão sabendo que o jovem Juanjo está namorando Ainhoa, a filha de Diego e Pilar.
Tiros no estacionamento do hospital
Uma das pacientes cuidadas por Diego é Sara (Angie Cepeda), uma mulher de cerca de 30 anos que tem uma grave doença degenerativa. Contra as indicações de Diego, Sara fica grávida. Quando está com sete meses de gravidez, é levada pelo namorado, Armand (Carlos Leal), para o hospital, inconsciente, com parada cardíaca: havia tentado se matar ingerindo grande quantidade de barbitúricos. Para piorar ainda mais o quadro, os médicos verificam que a criança tem um problema no coração.
Armand espera por Diego no estacionamento do hospital. Exibe um revólver, e exige que Diego cuide de Sara, que a faça ficar boa. Diego tenta dizer que não há como salvá-la, mas Armand insiste, brandindo o revólver. Diego faz a promessa, mas Armand atira nele. Há um segundo tiro; momentos depois, o jovem Juanjo se prepara para deixar o hospital, no estacionamento, e se depara com a cena: Armand, ferido de morte, está sobre Diego, também atingido por uma bala.
Estamos aí com uns 15 minutos do filme. Vai se seguir uma trama complexa, que se vale do sobrenatural, e poderá deixar o espectador perplexo. Surgirão novos personagens ligados a esses, haverá flashbacks que explicarão partes do novelo – no fim, percebe-se que tudo tem uma lógica perfeita, desde que se admita a existência de poderes sobrenaturais que vão passando de uma pessoa a outra, numa corrente de surpresas.
O cinema espanhol tem criado esse tipo de trama em belos filmes
Tramas complexas, diversos personagens ligados por laços intrincados, como numa corrente, a proximidade da morte, doenças graves, estado de coma, um clima de suspense, mistério, um pé no sobrenatural – a coragem de enfrentar de frente temas fortes, duros, aliada a uma grande engenhosidade, talento, para criar as histórias. Essas características estão presentes em diversos filmes espanhóis dos últimos anos, feitos por grandes diretores – Pedro Almodóvar, Isabel Coixet, Augustin Dias Yanes, Alejandro Amenábar, Daniel Sánchez Arévalo. Não por coincidência, Amenábar – criador do excelente Os Outros, um filme tremendamente horrorizante com grande atuação de Nicole Kidman – é um dos produtores deste El Mal Ajeno.
E não por coincidência Daniel Sánchez Arévalo – diretor de Azul Escuro Quase Preto, de 2006, outro filme sombrio, denso, pesado – é o autor do argumento e do roteiro deste filme aqui. Apesar de muito jovem – nasceu em 1970, em Madri -, Sánchez Arévalo já assinou 21 roteiros e dirigiu 11 filmes, dos quais sete são curta-metrangens.
Mãos Que Curam/El Mal Ajeno foi o primeiro longa-metragem dirigido por Oskar Santos; antes, este jovem nascido em 1972 em Bilbao, no País Basco, havia feito dois curtas, dois episódios para a TV e um documentário.
El Mal Ajeno tem belas interpretações de todo o elenco. Eduardo Noriega está seguro, numa interpretação contida, como o médico que vê a couraça que o protege da dor ser brutalmente rompida. As quatro atrizes, Belén Rueda, Angie Cepeda, Cristina Plazas e Clara Lago, estão igualmente muito bem.
E a trilha sonora de Fernando Velázquez, excelente, realça o clima denso, doloroso, pontuado por algum suspense.
É um ótimo filme. Mas, repito, não é para todo tipo de espectador. É barra pesada demais.
Mãos Que Curam/El Mal Ajeno
De Oskar Santos, Espanha, 2010
Com Eduardo Noriega (Dr. Diego Sanz), Belén Rueda (Isabel), Angie Cepeda (Sara), Cristina Plazas (Pilar), Clara Lago (Ainhoa), Marcel Borràs (Juanjo), Carlos Leal (Armand), Luis Callejo (Carlos)
Argumento e roteiro Daniel Sánchez Arévalo
Fotografia Josu Inchaustegui
Música Fernando Velázquez
Produção Alejandro Amenábar, Mod Producciones,
Himenóptero, Telecinco Cinema, Canal+ España . DVD Paris Filmes
Cor, 107 min
***
Título nos EUA: For the Good of Others
Aqui o Rato é hipocondríaco em elevado grau e completamente alérgico a hospitais. Séries dessas muito em voga que envolvem as relações entre doentes e pessoal hospitalar são cuidadosamente colocadas de lado. O único filme que realmente gostei (e já vi por diversas vezes) foi o “MASH”.
Por outro lado sou grande consumidor do filme de terror e do sobrenatural, talvez por ser totalmente descrente desses mundos.
Também tenho gostado bastante de várias obras oriundas de Espanha.
Fico pois um pouco indeciso se deverei ver ou não este “Mal Ajeno”…
Foi pesado demais para mim. Embora seja filme bem feito, não me animei para colocá-lo no blog.
Um filme muito bom. Intenso do começo ao fim, uma trama bem traçada. Um filme que deve ser visto por todos que amam o cinema.