Almoço em Agosto / Pranzo de Ferragosto


Nota: ★★★☆

Anotação em 2009: Demorei muito para entender onde Almoço em Agosto queria chegar, o que ele queria dizer. Na verdade, só peguei o espírito da coisa bem no final do filme. O problema é meu – não do filme, que, afinal de contas, é muito bom.

É um filme sobre a velhice, o que fazer com nossos velhos. Um tema difícil, duro, complexo.

Quando a ação começa, temos um homem na faixa aí dos 60 anos lendo para sua mãe, uma senhora de bem mais de 80. Ele se chama Gianni; sua mãe, Valeria (Valeria De Franciscis), é uma senhorinha feia como uma bruxa de história em quadrinhos, coitadinha; ela está deitada em sua cama, e Gianni lê para ela um trecho de Os Três Mosqueteiros, de Alexandre Dumas. A uma certa altura, Valeria pergunta como é, fisicamente, D’Artagnan. Gianni volta atrás no livro, até achar o ponto em que Dumas descreve o rosto de D’Artagnan. Conversam mais um pouco, até que Valeria pega no sono. Gianni apaga a luz, sai do quarto, vai para o seu, e se deita.

Corta, e vemos Gianni, na manhã seguinte, indo à mercearia perto de sua casa. Pede um copo de vinho branco, toma um golinho; compra duas garrafas de vinho, um refrigerante para a mãe, alguma coisa para preparar para o almoço e o jantar. Pede que o comerciante anote na cadernetinha, pergunta quanto está devendo – a conta já está um tanto alta.

Gianni pega as coisas que comprou, mais o copo de vinho branco, e senta-se do lado de fora da mercearia, à uma mesa improvisada na calçada, onde já está sentado Viking (Luigi Marchetti), um homem barbado, cabelo desalinhado, um jeitão displicente, parecendo um mendigo; conversam fiado durante um tempinho; falam do calor insuportável, da cidade vazia, e aí vamos percebendo que estamos um bairro de Roma, no auge do verão – todo mundo que pode sai da cidade.

Gianni, veremos, não pode – e não apenas porque tem que cuidar da mãe bem velhinha. Gianni está desempregado; não se diz isso claramente, mas é que tudo indica. Não é só na mercearia próxima que ele está devendo dinheiro; não paga a conta de luz faz tempo, nem o condomínio do prédio. Deve a muita gente. Saberemos disso porque Gianni recebe a visita de um de seus credores, o síndico do prédio em que mora.

O síndico, Alfonso (Alfonso Santagata) apareceu para cobrar – e para oferecer um negocinho a Gianni. Alfonso quer passar dois dias fora, e pede a Gianni que hospede a mãe dele na sua casa – ele já toma mesmo conta da mãe… Em troca, Alfonso perdoará parte da dívida de Gianni.

Em vez de levar apenas a mãe, o síndico aparece com a mãe, Marina (Marina Cacciotti) e uma tia, Maria (Maria Cali).

Aí Gianni recebe a visita de um amigo médico – que estará de plantão naquela noite, e não tem com quem deixar sua mãe, já que a romena que cuidava dela resolveu voltar para a Romênia. E daí a pouco chega a mãe, Grazia (Grazia Cesarini Sforza) – acompanhada de uma série imensa de recomendações, remédios que tem que tomar, lista de comidas que não pode comer.

Quando estamos lá pela metade do filme, Gianni está com quatro velhinhas para cuidar – alimentar, instalar pelos cômodos da casa, pajear, atender aos diversos pedidos…

         Tudo extremamente bem feito, belíssimas atuações

Fiquei um tanto incomodado com aquilo. O tom do filme é leve, suave, até bem humorado, quase abertamente cômico. Comentei com Mary que me desagradam os filmes que tratam de assuntos sérios, pesados, importantes, em tom cômico. Cacilda, o que esse cara quer, ao mostrar dessa forma a questão fundamental na vida de todos nós de o que fazer com nossos velhinhos (e o que vão fazer de nós quando formos bem velhinhos)?

É tudo extremamente bem feito, não há um único senão no filme, em todos os aspectos técnicos – direção de arte, fotografia, música, elenco. Todo o elenco é perfeito, um brilho – eu não conhecia nenhuma daquelas pessoas, jamais tinha visto o ator, espetacular, que faz Gianni.

Foi só agora, no meio desta anotação, que fiquei sabendo que Gianni é interpretado pelo próprio Gianni Di Gregorio, o diretor, autor do argumento e um dos roteiristas.

         Uma grande admiração pelas pessoas simples

No final, o filme se resolve maravilhosamente. Responde de forma alegre, positiva, pra cima, às questões que me peguei fazendo. Nos créditos finais, está dito que o filme teve o apoio do Ministério dos Bens e das Ativides Culturais, e isso faz todo sentido. É um belo filme, uma bela lição sobre a questão da velhice.

Tem um humanismo, uma admiração pelas pessoas simples, como só o cinema italiano é capaz; a italiana é uma cinematografia cheia disso, desse amor apaixonado pela humanidade.

Não achei muitas informações sobre Gianni Di Gregorio na internet. Ele tem vários trabalhos como roteirista – é um dos autores do roteiro de Gomorra, um filme elogiadíssimo; já foi assistente de direção. Este aqui foi seu primeiro trabalho como diretor. E isso é impressionante, porque o filme parece de um diretor maduro, experiente, veterano.

As quatro senhorinhas que interpretam Valeria, Marina, Maria e Grazia – todas elas com os mesmos prenomes que têm na vida real – nunca haviam trabalhado em um filme antes. Isso é sensacional: um diretor estreante, trabalhando, com brilho, como ator, e dirigindo quatro velhinhas que nunca haviam estado diante de uma câmara.

Bem, falta dizer que Ferragosto, do título original, é, conforme informa a Wikipedia, um feriado italiano celebrado no dia 15 de agosto. Originalmente, estava relacionado à celebração do meio do verão e o fim do trabalho de colheita nos campos. Com o tempo, a Igreja Católica passou a adotar essa data para comemorar a assunção da Virgem Maria. Atualmente, Ferragosto é um feriado em que milhões de italianos saem de suas cidades natais. 

Almoço em Agosto/Pranzo di Ferragosto

De Gianni Di Gregorio, Itália, 2008

Com Gianni di Gregorio (Gianni), Valeria De Franciscis (Valeria, a mãe de Gianni), Alfonso Santagata (Alfonso), Marina Cacciotti (Marina, a mãe de Alfonso), Maria Calì (Maria), Petre Rosu (Barbone), Marcello Ottolenghi (o médico), Luigi Marchetti (Viking), Grazia Cesarini Sforza (Grazia) 

Roteiro Gianni Di Gregorio e Simone Riccardini

Argumento Gianni Di Gregorio

Fotografia Gian Enrico Bianchi

Produção Archimede

Cor, 75 min

***

Título em inglês: Mid-August Lunch

9 Comentários para “Almoço em Agosto / Pranzo de Ferragosto”

  1. Amei o filme! a tempos não via algo tão real!e tão maravilhosamente interpretado!fotografia, música, roteiro… gostei muito do Giannie e tbém do tema.Trata da velhice e deixa um belo recado:
    O que fazemos de nossas vidas?como a conduzimos? tbém não sabia sobre o feriado.
    Enfim… parabéns pelo trabalho, com o qual muito aprendi! abraços!
    Martina Knoll

  2. Segunda vez que assisto Almoço em agosto, um filme despretencioso e cativante. Uma verdadeira aula sobre o valor da paciência e o respeito humano. É realmente um contraponto ao cinemão, que vemos por aí.

  3. ENCANTADOR.
    Almoço em Ferragosto certamente nos remete aos maiores mestres do cinema italiano. De Sica , Scola e Moniccelli.

  4. Pô, Arnaldo, infelizmente não tenho como ajudar você…
    Eu vi o filme em DVD, em 2009 (conferi aqui nas minhas anotações). Mas não sei dizer se o DVD ainda pode ser encontrado nas lojas, nas grandes livrarias. Nem se ele está disponível na internet ou algum serviço de streaming…
    Peço desculpas por não poder ajudar.
    Um abraço.
    Sérgio

  5. Um filme magnífico. Uma aula de humanidade e simpatia. Excelente o seu texto.
    PARA O ARNALDO: ALGUNS SEBOS DE FILMES TÊM CÓPIA DO FILME À VENDA.

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