O Homem do Terno Cinzento / The Man in the Gray Flannel Suit


Nota: ★★★☆

Anotação em 2009: Este é o tipo do filme que, acho, dificilmente seria feito hoje por um grande estúdio de Hollywood. Porque é sério, adulto, não tem nada que interesse aos jovens – a faixa etária que mais paga entrada nas bilheterias –, não tem cenas de ação com perseguições de carro, nem sustos nem serial killers. Seus personagens são pessoas comuns, gente como a gente.

Nada de muito extraordinário, excitante ou surpreendente acontece ao longo dos 153 minutos de duração: conta-se a vida de pessoas comuns. É sua principal característica. Foi assim que o filme foi vendido no trailer: nele, mostra-se a capa de um livro com o grande título: The Man in the Gray Flannel Suit; Gregory Peck – o ator que interpretou em diversos filmes homens honrados, de moral irrepreensível – sai da capa do livro, olha diretamente para a câmara e diz ao espectador: “Olá. A América ficou com este grande best-seller em seu coração porque poderia ser a historia de qualquer americano: seu marido ou esposa, seu pai, seu patrão, até você mesmo”.

aman1Quando o filme começa, Tom Rath, o personagem interpretado por Gregory Peck, está no trem que sai da Grand Central pouco depois das 5 horas da tarde e vai para as pequenas cidades de Connecticut; Tom Rath mora numa delas. O homem sentado ao lado dele no trem pergunta como está Betsy, e Tom diz que não poderia estar melhor. O conhecido conversa com Tom sobre o emprego dele, sugere que poderia indicá-lo para trabalhar na UBS, United Broadcasting System; Tom diz que gosta do trabalho que tem no momento, mas não gosta tanto assim do atual salário, um tanto apertado.

Na estação de sua cidadezinha, Betsy (Jennifer Jones) espera por ele, como dezenas de outras mulheres esperam seus maridos para levá-los de carro até suas casas. O espectador conhece então os três filhos do casal, um menino de uns dez anos e duas meninas de uns sete e cinco. O casal toma um drink, conversa – e Betsy reclama da casa em que vivem, um belo e confortável sobrado com três bons quartos, mas que ela acha deprimente, feia, triste. Quer mudar para uma maior. A avó de Tom, morta pouco antes, deixou como herança para eles uma casa imensa, de manutenção muito cara. Na discussão, Betsy acaba acusando Tom de ter voltado da guerra, dez anos antes (a ação se passa em 1955), diferente, com menos gana, menos ambição.

No dia seguinte, ao encontrar de novo aquele conhecido, no trem rumo a Manhattan e ao trabalho, Tom pede a ele que tente marcar uma entrevista com alguém da UBS. Espera, se conseguir uma vaga lá, passar a ganhar mais.

aman2Ainda no trem, Tom vê um homem de costas que o fez se lembrar de um episódio ocorrido com ele durante a Segunda Guerra, na Alemanha. Temos um flashback para a época da guerra; depois haverá um segundo, também para 1945, quando Tom, já capitão do Exército, estava na Itália recém liberada do fascismo; ele e o pelotão que comandava seriam em seguida enviados para o Pacífico – depois da rendição da Alemanha, em maio, a guerra contra o Japão continuava. Durante as semanas que passou em Roma antes de embarcar para a nova frente de batalha, Tom teve um caso com uma jovem italiana, Maria (interpretada por Marisa Pavan).

         Discutem-se, com paciência, calma, questões importantes

Temos então que o filme narra as situações domésticas desse homem comum, desse americano médio, e as situações em seu novo trabalho, o relacionamento com um superior enciumado pelo fato de o patrão ter se simpatizado muito com o novo empregado. Durante algum tempo, o filme se desviará um tanto do dia-a-dia de Tom para focalizar os problemas familiares de seu novo patrão, Ralph Hopkins (feito pelo veterano Fredric March, 1897-1975).

Ao mostrar essas situações corriqueiras, cotidianas, na vida familiar e profissional, o filme discute, com calma, pacientemente, questões importantes, fundamentais: como conciliar bom caráter, bons valores morais, com sinceridade, tanto em casa quanto no trabalho. Deve-se contar à mulher sobre um caso de amor acontecido durante a guerra, dez anos atrás? Deve-se dizer ao patrão que tal coisa que ele está fazendo é errada, e deveria ser feita de outra forma totalmente diferente? É possível ter uma carreira bem sucedida sem que seja preciso sacrificar seus valores morais, sua coluna vertebral? É possível combinar dedicação ao trabalho com dedicação à família?

Uma característica interessante do filme é que ele tem muito poucas tomadas em close-up, ao contrário do que se usa hoje em dia. A imensa maior parte do filme usa plano de conjunto – aquele que focaliza um grupo de pessoas, vistas inteiras, dos pés à cabeça – ou então plano americano – em que vemos o corpo dos atores da cintura para cima. Porque o filme foi feito em CinemaScope, que ainda era novidade em 1956; o sistema da tela grande, longa, comprida, que hoje chamam de Widescreen, tinha sido introduzido apenas três ou quatro anos antes, em filmes que mostravam grandes multidões, grandes paisagens, inclusive muitos filmes históricos, sobre histórias bíblicas, tipo O Manto Sagrado, Demétrius, o Gladiador, essas coisas.

aman3Aqui, a imensa maior parte das cenas se passa em interiores, dentro de casas, apartamentos, escritórios, ou seja, ambientes menos propícios, em princípio, ao CinemaScope. Mas o diretor de fotografia Charles G. Clarke soube combinar o quadro ampliado com os personagens mostrados na tela; nas muitas conversas, por exemplo, entre o casal protagonizado por Gregory Peck e Jennifer Jones, eles têm espaço à vontade para circular pelo campo focalizado pela câmara; não se pega o rosto de um, depois o rosto de outro, como é o costume mais recente; os vemos inteiros, andando pela cozinha, pelo quarto.

O fascinante – e às vezes até assustador – é que o filme mostra o dia-a-dia do homem de terno cinzento e discute esses temas da forma mais absolutamente calma, compassada, sem pressa alguma. O ritmo é propositadamente lento, muito mais como na vida real do que como nos filmes. O diretor Nunnally Johnson, ele próprio autor da adaptação do livro e do roteiro – o que não era comum, de forma alguma, nos filmes produzidos pelos grandes estúdios – tem toda a calma do mundo. Fez um filme de quase 2 horas e 15 minutos para contar uma história a rigor simples. Aos olhos do espectador de hoje, a calma da narrativa de fato deve parecer assustadora.

         Experiências da vida real

Nunnally Johnson (1897-1977) dirigiu apenas oito filmes, em uma longa carreira, mas trabalhou também como produtor, criou uma produtora, a International (depois absorvida pela Universal), e foi, sobretudo, um prolífico roteirista. Assinou 70 roteiros, a maior parte sozinho – o que também não era o mais comum em Hollywood; é dele o roteiro de Vinhas da Ira/The Grapes of Wrath, aquela maravilha de John Ford, de 1940.

Este filme aqui é de 1956 – o romance no qual se baseia, de autoria de Sloan Wilson, havia sido lançado no ano anterior, e foi, como diz Gregory Peck no trailer, um grande best-seller. Esse Sloan Wilson é pouco conhecido no Brasil, mas escreveu 15 livros; outro deles, A Summer Place, foi também best-seller e também virou filme, em 1959, dirigido por Delmer Daves (no Brasil, o filme se chamou Amores Clandestinos). Wilson punha nos seus livros muito de sua própria experiência; assim como seu personagem Tom Rath, morou em Connecticut, serviu durante a Segunda Guerra, lutou no Pacífico, trabalhou em empresas da área de comunicação em Nova York.

A trilha sonora do filme é de Bernard Herrmann, que musicou vários filmes da fase americana de Hitchcock e muitos policiais, inclusive de François Truffaut. A trilha que fez para este filme é, como muitos de seus trabalhos, forte, impressionante, sinfônica, dramática.

Leonard Maltin deu 3.5 estrelas em quatro para o filme, que resumiu em duas linhas:

“Bem sucedida novela de Sloan Wilson sobre executivo da Madison Avenue lutando para ir em frente e encontrar sentido na sua vida familiar. Boa aparição breve de Ann Harding como esposa de March. Roteiro do diretor; trilha sonora de Bernard Herrmann. CinemaScope.”

É um bom filme. Não vai agradar a todo tipo de público, certamente; menores de 25 anos, por exemplo, devem se entediar com ele. Mas, ou talvez por isso mesmo, é um bom filme.

Homem do Terno Cinzento/The Man in the Gray Flannel Suit

De Nunnally Johnson, EUA, 1956

Com Gregory Peck, Jennifer Jones, Fredric March, Lee J. Cobb, Marisa Pavan, Ann Harding

Roteiro Nunnally Johnson

Baseado no livro de Sloan Wilson

Fotografia Charles G. Clarke

Música Bernard Herrmann

Produção 20th Century Fox, Darryl F. Zanuck

Cor, 153 min

***

17 Comentários para “O Homem do Terno Cinzento / The Man in the Gray Flannel Suit”

  1. Fiquei com vontade de assistir a este filme, mas já vi que não tem na rede… Pelo seu texto me lembrou um pouco o Revolutionary Road, embora este aqui pareça ser um pouco mais esperançoso. Vc citou ‘O Manto Sagrado’ e ele foi o primeiro filme feito em CinemaScope, não? Fiquei com vontade de revê-lo (e rever o Richard Burton, hoho).

  2. Vixe, escrevi duas vezes “fiquei com vontade de”… deve ser o efeito segunda-feira.
    Numa busca rápida, já encontrei O Manto Sagrado pra baixar, e de quebra descobri que há poucos meses saiu a versão dele em Blu-Ray.

  3. Jussara, você é a prova de que nem todos os jovens acham que o mundo começou no dia em que eles nasceram!
    Exatamente, “O Manto Sagrado”, de 1953, foi o primeiro filme feito em CinemaScope. Pouco antes, o cinema americano tinha tentado combater a TV com os filmes em terceira dimensão – e era preciso usar aqueles óculos. Por isso, a frase de marketing de “O Manto Sagrado” era: “The first motion picture in CinemaScope–the modern miracle you see without glasses”. Que coisa, não?

  4. Um extraordinário filme, tenho em VHS e passou a cerca de 10 anos atrás na ainda TV Educativa do Rio de Janeiro, o texto acima se limitou muito a cena principal de Peck e Jones, mas existem outros lado do filme, como um drama familiar entre Fredrich March ( Nasce uma estrela – 1937) e mulher e filha no filme, em que não só de dinheiro se vive, mas que essencialmente somos falíveis e temos problemas, a perda de um filho na guerra, ao encontrar e conversar com Gregory Peck, remete a este filho que perdeu, Lee J Cobb que é um ascensorista de elevador na UBC, e subordinado de Pech na segunda grande guerra e o elo entre seu passado e presente, imperdível.

  5. Assisti ontém no TCM canal da NET e,gostei muito,mesmo.É aquilo que eu chamo de cinema de qualidade.Sabe,Sergio,é justamente por não ter cenas de ação com aquelas odiosas e entediantes perseguições de carro,nem sustos,
    nem efeitos especiais,nem serial killers,que este filme é muito bom.
    A tradução ao pé da letra,é “o homem no terno de flanela cinza”.O título no filme do TCM era “o homem do terno cinzento”.No 50 anos é “homem do terno cinza”,por este motivo demorei um pouco prá localizá-lo.
    Não entendi o porquê da esposa do Tom ser tão infeliz e “desmotivada”,(acho que era de Graça),tanto lá como aqui, quantas e quantas pessâs queríam ter uma casa daquelas e, aquela revolta dela depois de saber que ele teve um caso e,um filho desse caso,na guerra
    dez anos depois… frescurinha.
    É uma historia de sonhos e esperanças. De ter que decidir,”o que é mais importante na vida,a família,ou o sucesso no trabalho?
    Uma OBS:eu acho que o amigo Eduardo Santarelli, se equivocou, Lee J Cobb, era o Juiz e, o ascensorista, no elevador da UBC, era o Keenan Wynn que foi o Sargento na guerra.
    Foi muito bom rever a Jennifer Jones era uma atriz muito boa, aqui, fez algumas “caras e bocas” mas,sempre competente.Mr:Gregory Peck,
    dispensa qualquer comentário. Outra atriz que gostaría de rever é a Barbara Stanwick ,
    mulher lindíssima e uma atriz MARAVILHOSA.
    Isto é, rever, eu até consigo,tenho filmes dela em canais de filmes online mas,sem legendas ou dublagem e, assim, fica difícil de assistir.
    Não quero ser injusto, a Jennifer também era uma mulher muito linda.
    Bom, me alonguei demais.
    Um abraço, Sergio !!!!!!!

  6. ACHO QUE VOCE DIZ CERTAS COISAS QUE NAO TEM NADA HAVER, E FAZ UMA ” ANALOGIA ” ERRADA A RESPEITO DO PUBLICO, NAO E PORQUE VOCE E BRASILEIRO, E TEM UMA CULTURA TRASH, QUE SIGNIFICA QUE OUTRAS PESSOAS PENSAM DA MESMA FORMA QUE VOCE,, EU SOU ADOLESCENTE E SINCERAMENTE ADORO FILME CULT, FILMES DA EPOCA DO MEU AVO, BIZAVO, E TENHO MUITA CURIOSIDADE EM ASSISTIR FILMES DA EPOCA
    SIMPLESMENTE PORQUE JA ESTOU DE SACO CHEIO DA MESMICE, DOS FILMES FAKES, E PRODUÇÕES DE BAIXO ORCAMENTO e RE-MAKERS ENTAO EU FUJO DE TUDO ISSO, E NAO E SO EU QUE GOSTO, CONHEÇO OUTROS ADOLESCENTES QUE TAMBEM GOSTAM DE COISAS ANTIGAS ENTAO POR FAVOR NAO FALE BESTEIRA

  7. Lembro desse filme quando assisti na TV Manchete, por volta de 1981, quando eu tinha 12 anos e gostei bastante. Achei disponível em um canal do Youtube com a dublagem “original”.

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