2.0 out of 5.0 stars
Anotação em 1998, com complemento em 2008: Típica obra do cinema independente americano; primeiro filme do diretor, que é também o autor da história e do roteiro. O filme estreou no Sundance Film Festival de 1997. É sobre família, dificuldade de relacionamento, falta de comunicação, pequenos-grandes traumas que se criam quando os parentes não se falam, não se abrem, e viram estranhos uns para os outros. Tem um ritmo lento (sem ser arrastado), propositadamente lento. É suave, extremamente suave; não tem grandes explosões, grandes segredos, ao contrário, por exemplo, de Segredos e Mentiras, que é forte, fortíssimo. Não. É extremamente suave. Os espectadores habituados com filmes “de ação” não suportariam. A ação é pouca, muito pouca – é como a vida da gente. Embora a família do caso, uma família Wasp classe média mais pra alta do Maine, seja um pouco mais problemática do que o normal.
Faz lembrar um pouco o ritmo e o clima do primeiro filme do Edward Burns, Os Irmãos McMullen, e também um pouco a estréia do Nick Cassavetes, com a mãe, a grande Gena Rowlands, De Bem com a Vida/Unhook the Stars. Mas, sobretudo, faz lembrar demais o segundo filme dirigido pela menina Jodie Foster, com extraordinário elenco, Feriados em Família/Home for the Hollidays. O tema é exatamente o mesmo: as tensões e até as alegrias que surgem quando uma família se reúne para o feriado de Ação de Graças; os dois têm até em comum o fato de que o pai num determinado momento revê filmes dos filhos quando crianças; não me lembro como era no filme da Jodie, mas neste o pai (o grande Roy Scheider) revê filmes feitos em Super8.
E este filme tem essa coisa muito interessante de juntar um ator absolutamente veterano, o Roy Scheider, e uma atriz de grande projeção, embora mais nova, Julianne Moore, os dois já dirigidos por Spielberg, com outros novatos e/ou desconhecidos.
Sobre Feriados em Família, anotei que a menina Jodie sabe criar bem os personagens, marcá-los com força. Sobre esse estreante de nome complicado não se poderia dizer a mesma coisa. Os personagens não são tão bem delineados; ele não consegue, ou não quer ir muito fundo em cada um – prefere dar uma panorâmica sobre uma família grande e com muitos agregados. Na verdade, ele prefere se concentrar mais em dois dos filhos do casal – Warren (Noah Wyle) e Mia (Julianne Moore).
O casal – interpretado por Roy Scheider e Blythe Danner – tem quatro filhos, duas mulheres e dois homens. Os dois em que o filme se concentra mais, Warren e Mia, são os mais angustiados, os mais “problemáticos”. Na excelente seqüência de abertura, em que os créditos vão sendo apresentados com calma, delicadeza, suavidade, mostra-se primeiro o filme de uma festa de crianças, e depois Warren falando com o psiquiatra-psicanalista, e Mia pintando um gigantesco auto-retrato.
Mia é uma chata – e todos a tratam como tal (menos um namoradinho da profunda infância, que ela reencontrará mais para o final do filme); é uma daquelas pessoas que têm tudo e reclama de tudo e de todos a toda hora. Já Warren, não; ele é apenas levemente inseguro, triste, solitário, não sorri hora alguma.
Os dois outros irmãos são pessoas absolutamente normais, sem problemas, sem dramas, just plain ordinary people. Leigh (Laurel Holloman) é esportista, bem humorada, jovial. E o maior problema da vida de Jake (Michael Vartan) é que sua namorada Margaret (Hope Davis) está muito apaixonada e ele nem tanto. (Há um diálogo interessante entre Jake e Warren, em que Jake diz que é normal as pessoas não estarem – ao contrário de Warren – o tempo inteiro absoluta e perdidamente apaixonadas.)
Warren não vai à casa dos pais faz três anos; tem saudade forte da namorada que não vê há quatro anos, Daphe (Arija Bareikis). O espectador só saberá lá pela metade do filme o maior dos traumas da família – e é interessante isso; o maior dos traumas é forte, sim, mas até que suave se comparado aos grandes traumas de tantas famílias e de tantos filmes. O trauma: exatamente numa festa de família, provavelmente também num Dia de Ação de Graças, quatro anos antes, o pai de Warren beijou Daphne no corredor do segundo andar. Atenção: não se trata de um estupro (como em tantos outros filmes); não chega a haver propriamente brutalidade; ele está tomando vinho e dançando sozinho no corredor, ela sobe para ir ao banheiro, eles até dançam dois segundos, e o pai a beija. Ela se afasta dele, entra no banheiro – e desaparece da vida da família, para só reaparecer agora, quando a ação se passa. E, no meio do filme, ela conta a Warren a cena. Só mais tarde é que o espectador fica sabendo que Warren viu a cena, e optou pelo silêncio, não quis brigar, não quis interferir, não quis “fazer uma cena”, como se diz.
Não é um grande filme. Mas é um bom começo de carreira desse diretor. E é um filme de qualidades. Essa suavidade toda, essa coisa mansa, esse ritmo lento – são qualidades maravilhosas, de que o cinema americano está precisando demais, assim como os espectadores. A total falta de preocupação com a vida profissional das pessoas é uma característica igualmente incomum, e é genial. Só sabemos que Elliott (Brian Kerwin), o namorado de Mia, é psicoterapeuta, e Mia é pintora. Não há qualquer citação sequer à profissão de todos os outros. Isso não interessa. Os papéis que interessa, aqui, são os da pessoa humana.
Vou dar uma espiada nas Premiere americana pra ver se há algo sobre o filme.
Sim. De fato a estréia foi no Sundance de 1997; a Sony Pictures Classics financiou e pegou os direitos. Foi grande sucesso no festival. O diretor tinha 27 anos. (Citado em matéria da Premiere de abril 1997.) Noah Wyle, o ator que faz o papel principal, teve matéria de duas páginas na Premiere setembro 1997 e está virando celebridade.
O Mito das Digitais/The Myth of Fingerprints
De Bart Freundlich, EUA, 1996.
Com Noah Wyle, Julianne Moore, Hope Davis, Blythe Danner, Roy Scheider, Michael Vartan, Laurel Holloman, Arija Bareikis, Brian Kerwin, James LeGros.
Argumento e roteiro Bart Freundlich
Fotografia Stephen Kazmierski.
Música David Bridie e John Phillips
Produção Good Machine e Eureka Pictures
Cor, 93 min
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