
(Disponível no YouTube em 4/2025.)
Depois de dizer não a vários, vários pretendentes, mulher bela e rica apaixona-se perdidamente, à primeira vista, e bem rapidamente casa-se com o príncipe encantado, sem ter tido tempo para conhecê-lo. Bem rapidamente, vai descobrindo que o marido é um homem misterioso, de mil segredos. Talvez um assassino.
A base da trama de Secret Beyond the Door…, no Brasil O Segredo da Porta Fechada, não é assim propriamente muito original. E os primeiros dias da recém-casada protagonista da história dentro da imensa mansão do marido fazem lembrar, e bastante, a chegada da recém-casada sra. de Winter-Joan Fontaine a Manderley, a mansão do marido, em Rebecca, de Alfred Hitchcock.
Mais: a suspeita de que o marido possa ser um assassino, e possa matá-la, que vai crescendo na mente de Celia, a protagonista da história, interpretada pela linda Joan Bennett, faz lembrar, e muito, o que sente Lina McLaidlaw-Joan Fontaine, em Suspeita/Suspicion. também de Hitchcock.
Mais: as diversas, constantes, muitas vezes bastante forçadas e um tanto juvenis referências do filme à psicanálise fazem lembrar, e muito, o que o respeitável público já havia visto em Quando Fala o Coração/Spellbound, também de Hitchcock.
Rebecca é de 1940; Suspeita, de 1941; Quando Fala o Coração, de 1945. Este filme aqui é de 1947.
Mas não é apenas a absoluta falta de originalidade que faz deste O Segredo da Porta Fechada um desastre, uma porcaria, um abacaxi azedo, na minha opinião. É quase tudo pavorosamente horroroso: a trama, o roteiro, a construção dos personagens. Até mesmo a trilha sonora – do húngaro Miklós Rózsa – é ruim, grandiloquente demais, querendo forçar a barra para o pobre espectador se sentir amedrontado.
Até mesmo a interpretação do par central, a lindíssima Joan Bennett – fulgurante, aos 37 anos de idade – e o também belo Michael Redgrave, não me pareceu boa. Mas, também, como interpretar bem aqueles personagens que não param em pé?
Só se salva a fotografia. A fotografia é maravilhosa, impressionante. As tomadas no nevoeiro, numa das sequências mais climáticas do filme, por exemplo, são extraordinárias. Obra de Stanley Cortez (1908-1997), que foi diretor de fotografia de, para dar só uns poucos exemplos, Soberba/The Magnificent Ambersons (1942), de Orson Welles, O Mensageiro do Diabo/The Night of the Hunter (1955), de Charles Laughton, e As Três Máscaras de Eva/The Three Faces of Eve (1957), de Nunnally Johnson.
Na minha opinião – que é apenas minha opinião, e vale tanto quanto qualquer outra – este aqui é seguramente, seguramente um dos piores dos filmes do grande Fritz Lang em sua fase americana. Talvez o pior de todos. Ele fez 17 em Hollywood, entre 1936, quando se asilou nos Estados Unidos fugindo do nazismo, e 1956; desses 17, já vi 11, e entre eles há grandes filmes.
Neste aqui, o mestre Lang – um dos maiores realizadores de toda a História do Cinema – errou a mão feio.

Quartos que imitam cenários de crimes horrendos
É preciso que haja uma sinopse; por absoluta preguiça de escrever uma eu mesmo, faço uma procura. O Larousse des Films faz uma síntese bem sintética de Le Secret Derrière la Porte, sem emitir qualquer opinião: “Após seu casamento, uma jovem percebe que seu esposo é prisioneiro de uma estranha obsessão.”
Uma leitora do IMDb, Julie van Arcken escreveu o seguinte (com algumas pequenas adaptações minhas):
Nesta versão freudiana da história do Barba-Azul, uma jovem nova-iorquina dona de uma boa carteira de investimentos viaja a passeio para o México, antes de se decidir se aceitaria o pedido de casamento de um velho amigo de seu irmão mais velho, que ela considerava uma escolha segura. No entanto, lá ela encontra o homem de seus sonhos, um desconhecido bonito e misterioso que a descobre no meio de uma multidão que assistia a uma luta de dois homens pelas atenções de uma mulher. Em questão de dias eles se casam, vivem a lua-de-mel e se instalam na mansão dele, a uma pequena distância de Nova York, à qual ele, um arquiteto, adicionou uma ala cheia de cômodos imitando quartos em que foram cometidos assassinatos. Ela descobre vários segredos sobre a casa e seu marido, mas o que ela de fato quer saber é o que está no quarto que seu marido sempre mantém trancado.

Os atores principais metem o pau no filme
“A tentativa do produtor e diretor Fritz Lang de fazer sua versão de Rebecca, a Mulher Inesquecível (1940), foi um projeto desastroso. Estourou o orçamento e o tempo previsto para a produção, enquanto Lang tinha constantes enfrentamentos com sua estrela, Joan Bennett. Ele também teve uma relação difícil com o responsável pela fotografia, Stanley Cortez. A primeira apresentação do filme mereceu comentários tipo ‘além da resistência humana’ e ‘cheira mal’. Sir Michael Redgrave disse que ‘nem mesmo Fritz Lang conseguiria fazer uma bolsa de sede com essa orelha de porco’, enquanto Joan Bennett se referiu ao filme como ‘um desastre não qualificado’.”
Em outro item na página de Trivia sobre o filme, o IMDb informa que ele foi um fracasso de bilheteria, com um prejuízo de US$ 1,145 milhão (o equivalente a cerca de US$ 14 milhões em 2023), o que levou à falência da Diana Productions, de propriedade do próprio Lang, de Joan Bennett e o marido dela, o produtor Walter Wanger.
Leonard Maltin deu ao filme 2 estrelas em 4: “Entediante tiro na culatra de Lang que lembra Suspicion de Hitchcock, com Bennett acreditando que seu marido é um assassino demente”.
Ahnn… Na verdade, a coisa é um pouquinho mais complexa do que a mulher acreditar que seu marido era um assassino demente.
Falo disso ao final deste texto, no que será um absoluto spoiler para o eventual leitor que porventura ainda não tenha visto esta porcaria e ainda queira ver.
Porcaria na minha opinião – e, pelo que diz o IMDb, também na opinião de Joan Bennett e de Michael Redgrave (que, é bom registrar, é pai da deusa Vanessa e de Lynn, e avô de Natasha Richardson). Porque há quem considere este Secret Beyond the Door… um filmaço.

“Lang dá uma dimensão ricamente poética ao seu fatalismo”
O Guide des Films do mestre Jean Tulard dá 3 estrelas em 4 ao filme e não poupa elogios. É necessário registrar que o imenso, magistral guia é bastante avaro na distribuição de estrelas. A maioria dos filmes não leva estrela alguma. São raríssimos os que merecem a nota máxima de 4 estrelas. Levar 3 é uma honra imensa.
O Guide faz uma sinopse longa (para seus padrões) da história de Le Secret Derrièrre la Porte, e faz a seguinte avaliação:
“Lang se rivaliza outra vez com Hitchcock, aquele de Rebecca ou de Suspicion. Obra em que a voz em off (de Celia-Joan Bennett), a música e os cenários visam a criar uma atmosfera de estranheza. Fascinante do início ao fim.”
O filme está no livro 1001 Filmes Para Você Ver Antes de Morrer, editado por Steven Jay Schneider. Diz o texto assinado por AM, Adrian Martin:
“O filme faz parte do período do “Gótico Feminino” de Hollywood, explorando o relacionamento fecundo de uma mulher (aqui, Joan Bennett) com um homem (Michael Redgrave) que é ao mesmo tempo enigmático, sedutor e (à medida que a trama se desenrola) perigoso. Como em Rebecca, a Mulher Inesquecível (1940), de Hitchcock, que serviu de inspiração para Lang, a heroína adentra o lar de estranhos, repleto de traumas passados e ocultos e relacionamentos doentios e secretos.
“Lang se concentra nas ambigüidades claramente sadomasoquistas desta trama (Qual a verdadeira natureza da fera masculina, sensibilidade ou agressividade? O que a mulher quer dele na verdade, amor ou morte?) dentro de um contexto surpreendentemente original: Redgrave é um atormentado gênio da arquitetura que construiu uma casa de ‘cômodos precisos’, cada qual a reconstrução da cena de um assassinato atroz e abertamente psicossexual.
“O Segredo Atrás da Porta faz parte de um grupo especial de filmes da década de 40 que incluem A Mulher Desejada (1947), de Jean Renoir, e a produção de Val Lewton A Sétima Vítima (1943), cuja aura poderosa e onírica é praticamente garantida pela sua precariedade de filme B e pela trama de associação livre – assim como por uma narração que, aqui, muda de forma desorientadora de Bennett para Redgrave, sucessivamente. Por mais heresia que seja para um defensor de carteirinha do cinema de autor admitir, os cortes impostos pela Universal na montagem original de Lang provavelmente acentuaram essa qualidade onírica. O resultado final pode carecer de associações ou explicações racionais, porém O Segredo Atrás da Porta é uma das preciosas ocasiões em que Lang – auxiliado de forma imensurável pela fotografia barroca de Stanley Cortez e pela trilha exuberante de Miklós Rózsa – conseguiu acrescentar uma dimensão ricamente poética ao seu fatalismo habitual.”
Então tá.
E agora vem spoiler.

Atenção: spoiler feio, grosso. Revela-se o fim da trama
Acho que Leonard Maltin simplificou demais ao dizer que a personagem feminina, Celia, “acredita que seu marido é um assassino demente”.
Na verdade, ao longo de todo o filme, a voz em off de Celia narrando o que sente, e também todas as suas ações, demonstram que ela oscila como um pêndulo, como um metrônomo de piano. Ora teme que ele seja perigoso, ora tem certeza de que não é perigoso coisa alguma. Ora quer fugir daquela mansão fantasmagórica, ora quer porque quer ficar.
E afinal – ele é ou não é?
Demente, Mark é mesmo, no sentido estrito da palavra. Teve um trauma profundo, sério, feio, quando criança, envolvendo a mãe, um incêndio, uma porta trancada – e sente desejo de matar. Nunca matou, não – só dentro da cabeça demente dele. Dentro da cabeça, já matou diversas mulheres…
Aí a Celia descobre tudo isso, e conta para ele: mas meu bem, essa foi a causa do seu trauma, a porta fechada, mas sua mãe não teve culpa, não!
Na época, nos filmes hollywoodianos que falavam de trauma, Freud, psicanálise, era assim: uma vez descoberta a origem do trauma o traumatizado sarava. Ficava bonzinho da cabeça. No ato.
E aí o filme termina com um happy ending meloso, os dois pombinhos se amando de novo no mesmo lugar idílico onde haviam passado a lua de mel no México.
Ah, vá…
Filme ridículo. Patético.
Anotação em abril de 2025
O Segredo da Porta Fechada/Secret Beyond the Door…
De Fritz Lang, EUA, 1947.
Com Joan Bennett (Celia Barrett, depois Lamphere),
Michael Redgrave (Mark Lamphere),
Anne Revere (Caroline Lamphere, a irmã de Mark), Barbara O’Neil (Miss Robey, a secretaria de Mark), Natalie Schafer (Edith Potter, a amiga de Celia), Paul Cavanagh (Rick Barrett, o irmão de Celia), Anabel Shaw (a visitante intelectual), Rosa Rey (Paquita, a empregada no México), James Seay (Bob Dwight, o pretendente de Celia), Mark Dennis (David Lamphere, o filho de Mark)
Roteiro Silvia Richards
Baseado no romance “Museum Piece No. 13”, de Rufus King
Fotografia Stanley Cortez
Música Miklós Rózsa
Montagem Arthur Hilton
Direção de arte Max Parker
Figurinos Travis Banton
No YouTube. Produção Fritz Lang, Walter Wanger, Diana Productions. Distribuição Universal.
P&B, 99 min (1h39)
1/2
Título na França: “Le Secret Derrière la Porte”.

Uma idiotice de filme pretensioso e secante