Da Terra Nascem os Homens / The Big Country

3.0 out of 5.0 stars

Um belo western, dos melhores dos anos 1950, na minha opinião. Grande (são 165 minutos) como a terra que retrata, The Big Country do título original, por sua vez mostrada em uma quantidade imensa de planos gerais, aqueles que exibem paisagens amplas, a perder de vista.

O western é o gênero mais apropriado aos planos gerais, mas creio que poucos westerns terão tantos deles quanto este aqui.

Tem uma das mais bem realizadas seqüências de briga, de luta com os punhos, de que eu me lembre – com o detalhe, especialmente marcante, de que a maior parte dela é feita também em planos gerais, a câmara propositalmente distante dos socos.

O herói, o protagonista, dá um único tiro, em 2 horas e 45 minutos de filme – e para o chão, com a mais óbvia intenção de não matar.

O pano de fundo é o choque cultural. O herói – Jim McKay, interpretado por Gregory Peck – está mais longe de casa que o E.T. de Spielberg. É um absoluto alienígena pousando num planeta muito distante do seu – e os habitantes do planeta em que ele cai acham tudo nele estranhíssimo, em especial o fato de que é destituído da peça mais fundamental da indumentária local, o colt com o revólver ao alcance da mão. Como se não bastasse esse absurdo, ainda há outro, igualmente desconhecido pelos seres que habitam a terra grande: o alien, ao ser provocado, chamado para a briga, não reage.

Jim McKay é um homem do mar, capitão de navio – mais que isso, é também o herdeiro de uma companhia de navegação do Leste. Vai dar com os costados em uma pequenina cidadezinha perdida numa imensidão de terra – não se fala hora nenhuma que território é aquele, pode ser qualquer um, Novo México, Arizona, Colorado. E chega lá não para uma vingança, ou à procura de uma oportunidade de ficar rico, até porque já é milionário – chega lá por amor.

Nos seus domínios, no seu planeta, no Leste, havia conhecido Patricia Terrill (o papel de Carroll Baker). Apaixonaram-se, e ele agora chega à terra dela. Há um casamento à vista.

Pat é a filha única do maior fazendeiro da região, o major Henry Terrill (Charles Bickford, ao centro na foto abaixo, entre os noivos). Filha única, e o maior amor da vida do pai, homem viúvo, Pat é, veremos, o protótipo da garota rica mimada.

The Big Country faz lembrar outro grande épico da mesma época, Giant

E aqui me permito fazer uma comparação. Esse início de Da Terra Nascem os Homens faz lembrar o início de Assim Caminha a Humanidade/Giant, de George Stevens, outro grande épico da mesma época, lançado em 1956. Nos dois filmes, um casal se conhece no Leste mais desenvolvido, mais antigo, mais tradicional, mais rico, e em seguida se estabelece na terra de um dos noivos, distante, rural, ampla, grande, gigantesca. Só o gênero é trocado: aqui a região nova, que começou a ser explorada há pouco, é a terra da mulher, Pat Terrill, e o forasteiro é o noivo. Em Giant, ao contrário, a gigantesca fazenda, a mais rica daquela região, no caso o Texas, pertence ao homem (o papel de Rock Hudson), e a forasteira é a noiva que ele conheceu no Leste (Liz Taylor, mais bela que nunca).

Nos dois filmes, focalizam-se as maiores, mais ricas fazendas de toda a região. A imponência das mansões das duas famílias, nos dois filmes, é semelhante – e chega a ser assustador ver a ostentação do palacete dos Benedicts em Giant e dos Tirrell em The Big Country, no meio de uma terra a perder de vista onde não há qualquer outro sinal de riqueza.

Nos dois filmes há o choque cultural de quem chega à terra nova e inóspita vindo do Leste desenvolvido, e a adaptação aos costumes locais não é nada fácil.

E, para realçar as semelhanças entre Giant e The Big Country, Carroll Baker trabalha nos dois.

Um sujeito que não reage a quem o humilha, que não ousa cavalgar o cavalo bravo

Pat Tirrell-Carroll Baker em trajes apropriados para o Oeste e seu noivo Jim McKay-Gregory Peck, enfiado em terninho limpo e chapéu redondinho que choca a visão de todo mundo, fazem a longa viagem entre a cidadezinha – à qual ele havia chegado numa diligência – e a suntuosa sede da fazenda dela em uma carroça. Quando estão no meio do caminho, são abordados pelos quatro irmãos Hannassey, chefiados pelo mais velho, Buck (Chuch Connors, à esquerda na foto abaixo, canastrão demais, um horror, uma das piores coisas do filme).

Os quatro humilham o almofadinha, o alienígena. Laçam-no como se laça uma vaca, atiram o ridículo chapéu arredondado dele. Humilham o sujeito – e ele apenas sorri, ao conhecer as maneiras do povo da terra grande.

O major Terrill recebe bem o homem rico do Leste que a filha ama e com quem pretende se casar em breve. Já seu capataz, Steve Leech (o papel de Charlton Heston), de imediato se antipatiza com aquele ser de outro planeta que chega para se casar com a bela Pat – a bela Pat que, na cabeça de Leech, mereceria se casar com um macho como ele mesmo.

O capataz sugere ao forasteiro que dê uma cavalgada em Trovão, o mais belo cavalo da fazenda. McKay olha o animal, percebe a fria, e declina do convite.

Um homem que não reage à humilhação dos irmãos Hannassey, e sequer tenta enfrentar o teste de cavalgar Trovão. Pat começa a ter dúvidas se escolheu o homem certo.

Um western que é sobre choque cultural e também sobre as disputas do capitalismo selvagem

No dia seguinte à chegada de McKay à fazenda dos Tirrell, o capataz Leech sai com uma grande tropa de vaqueiros para, a mando do patrão, dar o troco aos Hannassey pela ofensa que fizeram ao futuro marido de Pat.

E aí vai ficando clara a situação ali no território. Nele há dois grandes proprietários – o major Tirrell, o mais rico deles, e Rufus Hannassey (o papel do grande, em todos os sentidos, Burl Ives), o pai dos quatro irmãos baderneiros. Vivem às turras, faz tempo, os dois e o punhado de homens que cada um deles emprega.

Havia um terceiro proprietário de muitas terras na região, um sujeito decente, respeitado por todos, Maragon. Maragon havia morrido alguns meses antes, e deixado sua propriedade, Big Muddy, para a neta, Julie (o papel de Jean Simmons, belíssima, elegantérrima – não nas roupas, mas na maneira de ser).

A questão de fundo, ali, é que o bem mais raro, mais fundamental, de todo o território – a água – se concentra exatamente em Big Muddy, a propriedade da família Maragon. O velho Maragon havia garantido que tanto os Tirrell quanto os Hannessey poderiam usar a água de sua propriedade para dar de beber ao gado. Julie era grande amiga de Pat Tirrell, mas mantivera a palavra do avô.

Os dois grandes fazendeiros vão lutar pela commoditie água como duas grandes corporações rivais lutam por matéria prima e espaço no mercado. E assim Da Terra Nascem os Homens, um western que é na verdade sobre choque cultural, também é um filme sobre as disputas do capitalismo selvagem.

Gregory Peck num papel semelhante a muitos que fez. Charlton Heston num bem diferente

Algumas pequenas observações antes de passar ao que dizem os alfarrábios.

É interessante como Gregory Peck interpretou, ao longo de sua maravilhosa carreira, homens de bem, de fibra, em defesa dos melhores valores morais – e sempre com uma aparência contrita, educada, polida. Low profile – nada de show off. De homem que não tem que provar nada para os outros – mas apenas para si próprio. Seu Jim McKay deste filme aqui é bem próximo do jornalista Philip Green de A Luz é para Todos/Gentlemen’s Agreement, o extraordinário filme que Elia Kazan dirigiu em 1947. E bem perto também do Atticus Finch de O Sol é para Todos/To Kill a Mockinbird, outro filme esplêndido, que Robert Mulligan fez em 1962 baseado no romance de Harper Lee.

Também é muito interessante ver Charlton Heston (na foto) no papel do capataz Steve Leech. É um papel secundário – e Charlton Heston vinha de filmes em que havia sido o protagonista, como a superprodução Os Dez Mandamentos, de Cecil B. DeMille, de 1956, o hoje cult A Marca da Maldade/Touch of Evil, de Orson Welles, de 1958. Logo depois deste The Big Country, seria o protagonista de Ben-Hur (1959), sob a direção do mesmo William Wyler, o filme dos 11 Oscars, e em 1961 seria El Cid em mais uma super hiper big produção, dirigida por Anthony Mann.

Em todos esses filmes citados, Charlton Heston era o protagonista, e o grande herói. Então é muito estranho vê-lo, com aquela figura imponente, indiscutivelmente bela, num papel secundário – e de um sujeito que é antipático, desagradável, quase um bandido.

Uma figura tão indiscutivelmente bela, uma presença tão forte na tela, herói em tantos grandes épicos – mas hoje é difícil vê-lo sem lembrar de seu deprimente papel na vida real, como um dos maiores defensores da National Rifle Association, a organização que faz lobby a favor do porte de armas de fogo.

Tsc, tsc, tsc… Que vergonha, Charlton Heston…

Um Oscar para Burl Ives e outro para a trilha sonora marcante de Jerome Moross

O filme teve duas indicações ao Oscar. Burl Ives levou a estatueta como melhor ator coadjuvente – e o homenzarrão está de fato excepcional num papel que parece ter sido criado para ele, o fazendeiro imenso, vindo de origem humilde, que fala de maneira tosca, com a voz sempre berrada, como se estivesse dando ordens a uma manada.

A segunda indicação foi para a trilha sonora, de autoria de Jerome Moross. Não levou o prêmio, mas é uma das trilhas mais marcantes do faroeste. Qualquer fã de western a reconhece aos primeiros acordes – como reconhece, por exemplo, a melodia principal da trilha de Sete Homens e um Destino, de Elmer Bernstein, que depois virou a marca do Marlboro Country. É de fato uma bela trilha.

The Big Country é um dos westerns escolhidos para o livro 500 Must-See Movies, mas não está no 1001 Filmes para Ver Antes de Morrer.

Algumas informações interessantes do IMDb:

. Críticos disseram que o filme foi o primeiro de uma série de westerns com mensagens pacifistas.

. Segundo Gregory Peck diria em entrevistas, a intenção do diretor William Wyler – autor de alguns filmes claramente “de esquerda”, amigo da notória simpatizante do comunismo Lillian Hellmann, com quem trabalhou – era fazer uma alegoria com a Guerra Fria. A guerra dos fazendeiros, a Guerra Fria.

. Wyler e Peck não se deram nada bem, durante as filmagens – muito ao contrário. Wyler disse a jornalistas – e fez questão de dizer que estava falando em on, para publicar – que não voltaria a dirigir o ator nem por um milhão de dólares.

. Charlton Heston chegou a recusar o papel do capataz, por achar que era pequeno. Foi seu agente que o convenceu de que valeria a pena pela oportunidade de trabalhar ao lado de Gregory Peck, e sob a direção de William Wyler. Estava certíssimo a agente, já que, como já disse acima, no seguinte Wyler o poria no papel de Ben-Hur.

. O então presidente americano Dwight Eisenhower, o Ike, era fã de The Big Country. Promoveu quatro exibições do filme na Casa Branca, e dizia que era “o melhor filme que já foi feito”. Um republicano que gostava de filmes de diretor de esquerda. A vida tem dessas coisas.

Anotação em abril de 2012

Da Terra Nascem os Homens/The Big Country

De William Wyler, EUA, 1958

Com Gregory Peck (James McKay), Jean Simmons (Julie Maragon), Carroll Baker (Patricia Terrill), Charlton Heston (Steve Leech), Burl Ives (Rufus Hannassey), Charles Bickford (major Henry Terrill), Alfonso Bedoya (Ramon), Chuck Connors (Buck Hannassey), Chuck Hayward (Rafe), Buff Brady (Dude), Jim Burk (Cracker)

Roteiro Robert Wilder, James R. Webb, Sy Bartlett

Baseado em uma adaptation, feita por Jessamyn West and William Wyler, do romance Donald Hamilton

Fotografia Franz Planer

Música Jerome Moross

Produção United Artists, William Wyler. DVD ClassicLine.

Cor, 167 min

R, ***

15 Comentários para “Da Terra Nascem os Homens / The Big Country”

  1. Belo western, Sérgio, neste estamos em sintonia total. Também já escrevi umas linhas sobre o filme.

    Abraço

  2. Assisti a esse filme várias vezes e tenho em todas versões VHS, DVD e Blu-Ray. Sou um grande admirador.

  3. Assisto a The Big Country desde que ele foi lançado na Bahia, por volta de 1959/60.

    E nunca mais parei de vê-lo e, inclusive, tenho 2 copias dele, uma gravada da TV e outra que ganhei de presente de um grande amigo que, de tão perfeita, até os poros dos atores se vê, assim como gramas nas terras áridas do Texas.

    Este é o melhor, mais perfeito, mais belo e é o primeiro westerndno meu Top Ten, seguido por A Arvore dos Enforcados (filme para ser visto e revisto) e Shane.

    Posso afirmar sem medo de errar, que jamais se fez, ou farão, algo dentro do gênero com a tamanha grandeza, beleza e perfeição desta maravilha de pelicula.

    Ele é lindo e extra em todos os aspectos, desde figurinos, direção, direção de arte,
    fotografia, interpretações, belezas plásticas e, como o editor citou bem, ele tem muito de Giant, outra obra prima de mais um grande artesão, o George Stevens, o mesmo que nos deu Um Lugar ao Sol e Shane.

    Enfim: falar mais de Da Terra Nascem os Homens é quase que perder tempo, é como se atirar flores num jardim.
    Ele simplesmente é magnifico.

    jurandir_lima@bol.com.br

  4. Sobre meu email ser publicado ou compartilhado;

    Faço comentários em diversos blogs e jamais deixei de por meu email no rodapé dos mesmos.
    E em todos eles o meu email aparece normalmente, sem que jamais alguém a mim se referisse sobre tal, conforme 2 amostras abaixo;
    a)http://articlesfilmesantigosclub.blogspot.com.br/2014/05/inferno-na-torre-as-labaredas-de-um.html

    b)http://cineugenio.blogspot.com/

    c) dentre muitos outros blogs que participo.

    Este meu ato se dá por razão simples e não por qualquer sentido de…bem…de orgulho, desejar aparecer ou demagogia.

    Faço isso pois, por amar demais a setima arte, com este meu gesto, já consegui muito mais do que imaginava conseguir, que são contatos com muitos outros amantes de cinema que desejam fazer amizades,contatos, trocar DVDs, criar linhas de troca de informações e etc.

    Desta maneira gostaria que não fosso expurgado o meu email do meu comentário, já que ele tem uma importancia sem preço para amantes de cinema e para aqueles que gostam de falar de cinema, ou mesmo outros que sentem necessidade de falar de alguns assuntos correlatos e, aí, terem a oportunidade de faze-lo.

    Observem os cavalheiros:

    Muitas vezes me deparo com comentarios que os capto espetaculares e que adoraria ter um contato com a pessoa que o criou.

    Só que, por falta desta informação, jamais consigo este contato, fato que agora os senhores insistem em me coibir deste ato , deste presente, destas aproximações, destes prazeres que nada mais são prazeres daqueles que amam o cinema e tudo faz pela Sétima Arte.

    E cito aqui, com o máximo de ponderação e também sinceridade, tudo isso por uma atitude que a observo desnecessária e sem que haja o menor sentido ou razão grave para tal exclusão do meu email.

    Vossas atitude é sem relevancia, o calço sobre ela é sem precisão, sem um propósito que dê qualidade a vossa atitude.

    Caso resolvam não manter o meu email, fineza expurgarem o comentário que fiz desta bela dissertação deste editor que, com toda pureza, escreveu linhas dignas de se atentar para as mesmas e falar do que ele aqui ditou.

    Com toda a atenção e respeito.

    jurandir_lima@bol.com.br

  5. Caro Jurandir,
    Muita gente não gosta de ter seu endereço de e-mail publicado. Por isso é que o programa em que edito os textos do 50 Anos de Filmes traz aquele aviso.
    Mas, quando o leitor quer que seu e-mail seja publicado, eu não tenho absolutamente nada contra!
    Então, sempre que você me der a honra de enviar comentários, e quiser dar o seu e-mail, ele será publicado, sem dúvida alguma!
    Obrigado pelos comentários, e um abraço!
    Sérgio

  6. Sergio,

    Observa-se de pronto que escolhi mais um bom espaço para por algumas falas minhas sobre alguns filmes vistos.

    Em principio não entendia sua posição em não aceitar expor os emails dos comentaristas em suas ponderações sobre as fitas.

    No entanto, depois de apanhar a sua nova prontidão, esta dotada de um excelente bom senso e com uma atitude lúcida e super positiva, observo que não escolhi o lugar errado para por meus comentários, assim como passo a precisar o caráter da pessoa que tão bem põe suas edições sobre filmes neste site.

    Aliás, sua boa escrita foi o que me deu posição definitiva para deixar algumas palavras minhas sobre cinema.

    Parabéns, não apenas por sua posição em aprovar minha atitude de deixar meu email (já o defini o porque de fazer isso) como também pela sua bela, simples e perfeitamente compreensivel escrita.

    Grande abraço

    jurandir_lima@bol.com.br

  7. Um dos três maiores westerns do cinema, ao lado de “Rastros de ódio” (The Searchers) de John Ford e “Os Brutos também amam” (Shane) de George Stevens.

  8. Meu querido. Amigo jurandir Lima também coleçiono cinema. Tenho uma grande lista quero saber VC vende por atacado. 200/ 300 unidades meu. Whatsap. Procuro. Faroeste. Épicos. Ficção. Meu whatsap 955006461. Vc tem loja em sp

  9. A comparação com Giant faz sentido, ha quase uma troca de água por petróleo, mas não gosto de Giant, acho um filme chatíssimo, aliás ainda estou pra ver um filme de George Stevens que eu goste.
    E tem que citar que atrás daquele coração bonzinho do peck tem um semitosco, a luta dele com o Heston é genial, a coisa de filme de longe é linda, dá pra ver várias vezes os cenários.
    E mais… Caho esse op melhor papel de Charlon Hesto, melhor atpe que em Ben Hur, em que o jeitão canatrão dele funcionou maravilhosamente, no Big Countru, Heston faz papel dele mesmo, um toscão!
    Ah! Seus textos sobre filmes sempre são muito bons…

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