O começo é espetacular. Tomadas esplêndidas de dois pés pisando perigosamente na murada do alto de uma gigantesca catedral, a de Koekelberg, em Bruxelas. Uma pessoa vista de costas, na murada, os jardins magníficos lá embaixo, em segundo plano.
Corta, e estamos em uma competição de mergulho, numa imensa piscina em ginásio coberto – veremos depois que fica em Amsterdã. Uma atleta – Eva Sanders, a personagem interpretada por Cécile De France – está no ponto mais alto do altíssimo trampolim.
Os diretores, os irmãos franceses Guillaume e Stéphane Malandrin, e seu fotógrafo Nicolas Guicheteau nos proporcionam um show de belíssimas imagens, tomadas magníficas. A câmara está no teto do ginásio, e vemos Eva-Cécile de France em plongée. A câmara está embaixo, ao nível do chão, e a vemos em contreplongée.
Ela executa um mergulho perfeito, e a câmara agora está, durante rápida tomada, sob a água. O público aplaude, dos alto-falantes sai a voz de alguém que anuncia as notas dadas pelos juízes, notas bem altas. Eva é cumprimentada efusivamente por seu treinador – veremos em seguida que ele é o pai dela, Peter (interpretado pelo alemão Ulrich Tukur).
Enquanto outras atletas fazem seus saltos, Eva sobe os muitos degraus das escadas até voltar ao trampolim mais alto. Vai dar agora o salto mortal antes de mergulhar.
Ela demonstra tensão. Olha para a piscina lá embaixo, bem longe – e na piscina forma-se uma mancha escura no formato de uma gigantesca mão.
Diversas tomadas, em ângulos belíssimos, montagem ágil.
Eva vai pular – e, ao dar o salto mortal, bate com a cabeça na extremidade do trampolim.
Os créditos iniciais já haviam aparecido antes das tomadas na Catedral de Koekelber – só não havia aparecido o nome do filme. Ele aparece agora, depois da tragédia: Où est la main de l’homme sans tête. O título original é ainda mais estranho, esquisito, bizarro do que o escolhido pelos exibidores brasileiros, A Mão do Homem sem Cabeça, porque contém duas outras palavras.
Onde está a mão do homem sem cabeça.
Contra as ordens do médico, o pai exige que a atleta volte a treinar logo
Eva fica 15 dias em coma. Mas, passado esse período, e mais alguns dias, ela se recupera. Vemos um diálogo entre ela e um médico, ele de posse de diversas tomografias feitas do cérebro da moça.
Diz que é comum, em casos graves como aquele, a pessoa ter amnésia, algum tipo de amnésia. Eva responde que se lembra de tudo – “infelizmente”, acrescenta.
O médico é rígido: ela está bem, mas é preciso tomar muito cuidado. Durante pelo menos três semanas, ela deve repousar. Nada de exercícios físicos, nada de dirigir. Descanso.
Peter, o pai, a pega no dia em que ela tem alta do hospital, e imediatamente fala na retomada dos exercícios – a Olimpíada vem aí, ela tem chances, precisa treinar. Eva argumenta que o médico mandou descansar, o pai diz que o médico acha que todos os pacientes estão mais doentes do que de fato estão.
Eva não tenta lutar contra a ordem do pai.
Só demonstra preocupação com o irmão mais velho, Mathias (Bouli Lanners), de quem gosta muito e com quem deixou sua gatinha de estimação. Mathias e o pai vivem em constante atrito.
Com uns dez minutos de narrativa, os diretores resolvem demonstrar que são geniais
As coisas vão assim, com perfeita lógica, narrativa simples, escorreita, até uns dez minutos de filme.
A partir de uns dez minutos, e até o final, os irmãos Malandrin resolvem demonstrar que são gênios e fazem filmes difíceis para platéias selecionadas, apreciadores de “filmes de arte”.
O que é realidade, o que é visão, imaginação, delírio de Eva misturam-se inextricavelmente. Surge do nada um homem sem a mão. Surgem do nada dois homens com caras más que parecem estar querendo matar Mathias, e também ameaçam Eva.
O filme como que bate a cabeça no concreto, mergulha na genialidade, e torna-se virtualmente incompreensível.
Os cinéfilos fãs do que chamam de “cinema de arte” vão adorar.
É preciso registrar: Cécile De France tem mais uma interpretação brilhante. É, juntamente com a sequência inicial dos mergulhos, a melhor coisa do filme.
Anotação em abril de 2012
A Mão do Homem sem Cabeça/Où est la main de l’homme sans tête
De Guillaume Malandrin e Stéphane Malandrin, Bélgica, 2009
Com Cécile De France (Eva Sanders), Ulrich Tukur (Peter), Bouli Lanners (Mathias), Jan Hammenecker (padre Alex Ruyten), Tamar van den Dop (Anna), Edouard Piessevaux (Paul)
Argumento e roteiro Guillaume Malandrin e Stéphane Malandrin
Fotografia Nicolas Guicheteau
Música Jeff Mercelis
Produção La Parti Productions, Liaison Cinématographique, Graniet Film BV, Radio Télévision Belge Francophone, Nederlands Fonds voor de Film
Cor, 104 min
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