O Garoto da Bicicleta / Le Gamin au Vélo

Nota: ★★★½

O Garoto da Bicicleta, dos irmãos belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne, tem sido aclamadíssimo. Merece todas as loas que recebeu. É um filme magnífico, tão extraordinariamente bem realizado quanto duro, triste, desolador, apavorante.

Uma das muitas qualidades do filme é a forma de narrativa escolhida pelos Dardennes – absolutamente despojada, sem qualquer tipo de firula. Seca, até mesmo fria. Faz lembrar o neo-realismo italiano, e demonstra influência do Dogma dos dinamarqueses – sem os exageros deles, mas com muita câmara de mão, por exemplo.

Os irmãos não são chegados a planos rápidos. Muito ao contrário: seus planos são longos, quase planos-sequência. A câmara vai seguindo os personagens, vai acompanhando a interação entre eles, os diálogos, as brigas físicas – e há muitas brigas físicas no filme.

O fato de serem tomadas compridas realça ainda mais, para quem se preocupar em reparar nisso, como é esplêndido o trabalho dos atores. Claro: refazer uma tomada curtinha, de uns poucos segundos, para obter uma melhor interpretação, é bem mais fácil que repetir todo um longo diálogo, ou uma altercação.

É impressionante como é perfeito trabalho dos Dardennes como diretores de atores. Nisso, eles fazem lembrar o inglês Mike Leigh – e, não por coincidência, os temas dos belgas e do inglês são semelhantes, sempre as relações afetivas, as relações familiares.

Essas pequenas características técnicas que anotei – o uso de muita câmara de mão, os planos longos –, no entanto, são apenas detalhes que podem perfeitamente passar despercebidos por boa parte dos espectadores. Não estão ali para chamar a atenção. Não são fogos de artifício, mas apenas pequenos indicativos de estilo. O importante é a história, os fatos, as ações que definem o caráter dos personagens.

Por um motivo fortuito, ou sem motivo algum, o destino do garoto cruza com o de Samantha

Cyril (Thomas Doret, um absoluto espanto), o garoto do título, o protagonista, tem aí uns 12 anos, talvez um pouquinho menos. Vive num internato, e quer porque quer ter notícias do pai, e pegar com o pai a sua bicicleta. Na primeira sequência do filme, está ligando com insistência para o número de telefone que era do apartamento do pai, e não se conforma com a resposta automática de que o número não está disponível. Simplesmente não se conforma: insiste, quer ligar de novo, até que o pai finalmente atenda.

Os funcionários do lugar – só um pouco mais tarde o espectador fica sabendo que é um internato, e não alguma instituição que retenha menores infratores ou problemáticos à força – têm uma imensa paciência com Cyril, mas o menino é duro na queda. É obstinado, firme, e não acredita no que os outros lhe dizem: quer conferir por conta própria. Um persistente São Tomé. Tenta fugir, tenta fugir de novo, e foge. Consegue ir até o prédio onde o pai morava. À afirmação repetida pelo síndico de que o pai não mora mais lá, Cyril responde com a mesma atitude: não acredita, quer ver com seus próprios olhos.

Por um motivo fortuito, uma fatalidade, uma coincidência, ou sem motivo algum, Cyril, garoto abandonado, a mais profunda solidão, a mais virulenta rebeldia em pessoa, acaba se aproximando de uma jovem mulher que, por puro acaso, é dona de um gigantesco coração, e que se apiada dele. A jovem, Samantha (o papel da sempre ótima Cécile De France), acaba se dispondo a servir como tutora, guardiã do garoto nos fins de semana.

Mas Cyril não é nada fácil. Muito ao contrário. É arisco, independente, determinado demais, nada afeito a compromissos, acordos. Não cede jamais. E, sempre que se sente acuado, é violento.

Eu, no lugar de Samantha, teria desistido no primeiro final de semana. Não conheço ninguém que teria aturado Cyril por mais de dois fins de semana. O Jó da Bíblia, com sua bíblica paciência, teria desistido talvez no terceiro.

Mas Samantha é o altruísmo em forma de mulher.

O tema de fundo, me parece, é este: há pessoas que não deveriam jamais ter filhos

O tema de fundo de O Garoto da Bicicleta é basicamente o mesmo de um filme francês feito dois anos antes, Feliz que Minha Mãe Esteja Viva/Je Suis Heureux que Ma Mère Soit Vivante. Esse filme, de autoria de Claude Miller a quatro mãos com seu filho Nathan Miller, por sua vez, baseou-se em um episódio real, um fait divers, uma dessas tristes tragédias familiares sobre as quais a gente lê nos jornais. É um belo filme, assim como este aqui dos irmãos Dardennes.

São insondáveis os motivos pelos quais, de dois ótimos filmes abordando o mesmo tema, um acaba se tornando bem-amado de todos os críticos de cinema do mundo, e outro passa praticamente em brancas nuvens. Como os motivos são insondáveis mesmo, vamos em frente.

Tanto Feliz que Minha Mãe… quanto O Garoto da Bicicleta – dois filmes falados na mesma língua, feitos com um intervalo de apenas dois anos – tratam dessa realidade trágica que é a seguinte: há pessoas que não deveriam jamais ter filhos, e mesmo assim têm. Na minha opinião, essas pessoas são criminosas – no mínimo, no mínimo, tão criminosas quanto um sujeito que enche a cara, pega o carro e mata um desconhecido que não tinha nada a ver com a bebedeira dele.

Quando escrevi sobre Feliz que Minha Mãe Esteja Viva, uns dois meses antes de ver O Garoto da Bicicleta, transcrevi uma anotação que fiz, algum tempo atrás – em 1995, para ser preciso. Era o início do que poderia vir a ser um artigo, uma tese – se eu tivesse fôlego, disciplina, gás, para tanto.

Assim como o filme dos Millers, pai e filho, este filme dos irmãos Dardenne dá razão ao início de anotação que fiz em 1995, e por isso a transcrevo de novo aqui:

Os dogmas religiosos e a biologia que me perdoem, mas a lógica humana indica que Deus (ou a natureza, para quem não acredita em Deus) errou profundamente. Nenhum homem ou mulher deveria ter a capacidade de ser pai ou mãe — até prova em contrário. Ser pai ou mãe não deveria ser uma obrigação decorrente da biologia, deveria ser uma opção. Mais ainda: para permitir que alguém decidisse ser pai ou mãe deveria haver vestibular. Só poderia ter filhos quem passasse em concurso. Concurso sério, com prova de títulos e de conhecimento, e com banca examinadora exigente.

Cabeça dura, teimoso como uma mula, Cyril desperdiçará sorte após sorte

A questão é que Deus errou, ou a natureza errou, e estão aí no mundo, aos montes, seres filhos de pais ausentes, inexistentes. E aí, o que fazer com eles?

Não existe, evidentemente, uma resposta fácil. Nunca haverá. O que o filme dos Dardennes parece mostrar é que Cyril, se teve a infelicidade imensa de nascer daquele pai absolutamente desnaturado (não se fala, em momento algum, da mãe; é como se ela não existisse), teve, por outro lado, a imensa sorte de existir na Bélgica, onde o Estado cuidou dele – e bem melhor do que o pai cuidaria. E ainda teve outra sorte grande, a de, por um motivo qualquer, ou sem motivo algum, ter esbarrado na vida com uma pessoa de coração gigantesco, que o acolheu.

Cabeça dura, teimoso feito uma mula, Cyril desperdiçará sorte após sorte, até começar a aprender alguma coisa na vida. O reencontro final com o livreiro e seu filho será outro puro acaso, assim como havia sido o encontro com Samantha. Será uma gigantesca ironia – uma ironia que o espectador poderá guardar para sempre como lição, mas que ele próprio, Cyril, desconhecerá.

Ao fim e ao cabo, o que os Dardennes terminam mostrando, na minha opinião, é isso mesmo: que a vida é uma série de eventos casuais, que podem resultar em algo proveitoso – ou não. Sabe-se lá. Tudo é sorte (ou azar), acaso, loteria.

O que o filme mostra também – propositadamente, ou não – é, como Mary bem notou, que o grande culpado, o verdadeiro criminoso, o pai que teve o filho (na foto abaixo) e não soube o que fazer com isso, esse não paga nada pelo seu erro, seu crime.

O Estado não pode obrigar um pai a amar o filho – mas pode, no mínimo, exigir que ele o sustente

Por uma imensa coincidência, no mesmo dia em que vimos O Garoto da Bicicleta, o jurista Miguel Reale Júnior publicou um fascinante artigo no Estadão a respeito de recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça dando ganho de causa a filhos que entraram na Justiça requerendo compensação financeira dos pais que não lhes deram carinho. Todas as pessoas que se interessam por essa questão pais e filhos deveriam ler o artigo de Reale Júnior.

Tomo a liberdade de transcrever alguns trechos:

“Se o dever não decorre da lei, mas de juízo moral, inexiste pretensão juridicamente assegurada, pois não há direito subjetivo ao afeto, transformando-se o amor em dever jurídico. Se era incabível requerer judicialmente, quando criança, que o pai lhe dedicasse afeto, como depois transformar a ausência desse afeto em indenização monetária? Mistura-se o moralmente reprovável com o juridicamente exigível, quando apenas cabe indenização por descumprimento de dever jurídico. Pode ser censurável não ter afeto pelo filho, mas tal não constitui falta de cuidado legalmente estatuído e a lei jamais poderia impor a efetividade de carinho paterno. (…)

“Cuidar de criança ou adolescente é um dever, mas dentro de quais limites legais? O Código Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelecem que cumpre aos pais prover alimentos: nutrição, saúde, habitação e educação. No Código Penal estatui-se ser crime o abandono material e intelectual consistente em deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do filho ou sua instrução. No campo do direito não se confunde cuidado com cuidar afetivamente.

“Dar afeto ou cuidar afetivamente – ser conselheiro, amigo, garantir equilíbrio emocional e inserção social – não constitui um dever jurídico, a não ser que se queira instituir a hipocrisia por força de lei. (…) Pretender colocar o Estado a ditar o sentimento do afeto é um autoritarismo paternalista inaceitável. Com clareza assinalou a jornalista Eliane Brum não caber a nenhum tribunal analisar ‘sentimentos’ e desferir punições pela ausência ou excesso de ‘sentimentos’.

“A decisão é preocupante exemplo de mercantilização das relações afetivas, com o risco de incompatibilidades naturais gerarem mágoa e, depois, a ação indenizatória como represália. Grave é o Estado assumir o papel de grande tutor, para suprir o desamor, impondo compensação em dinheiro, que algumas vezes pode apenas ter gosto de vingança.”

Há uma tendência de botar o Estado onde ele não deveria estar

Na minha opinião, o jurista está coberto de razão. Não cabe ao Estado tratar da questão afeto ou falta de afeto entre pais e filhos. Entre ninguém, na verdade. Afeto não é questão de Estado.

Na verdade, andam – especialmente aqui neste fim de mundo, nesta América Latina que insiste em ser Latrina, que caminha no século XXI celeremente rumo a 1917, sem ter aprendido nada ao longo do trajeto – botando o Estado onde ele não deveria existir. O Estado não deveria interferir em questões de foro íntimo das pessoas, como, por exemplo, a decisão de interromper uma gravidez ou o prolongamento artificial da vida de doente desenganado. Mas, ao contrário, cada vez botam o Estado na vida íntima das pessoas. Até na palmada de um pai amoroso na bunda do filho estão metendo o Estado.

Mas prover o sustento – isso é obrigação do pai. No mínimo isso. Nem isso o pai de Cyril faz, e o Estado não o cobra por não cumprir sua obrigação mínima. O Estado acaba tomando para si a obrigação que era do pai. Aí é um absurdo, a total falta de lógica, de senso.

Que achado foi o dos irmãos Dardennes, esse menino Thomas Doret

Pode parecer estranho a algumas pessoas trazer essas considerações para dentro de uma anotação sobre um filme – mas o filme suscita essas questões. Se a partir de temas que um filme levanta a gente não pensar na realidade que nos cerca, então para que serve o filme ter levantado esses temas?

Bem, quanto ao filme especificamente, o ponto mais importante, na minha opinião, é o seguinte: que achado foi o dos irmãos Dardennes, esse menino Thomas Doret! Meu Deus do céu e também da terra, que atuação magistral!

Os Dardennes não costumam trabalhar com atores de renome. Aparentemente, a presença de Cécile De France no filme foi uma exceção dentro da filmografia deles. E Cécile De France (ela é belga, apesar do nome, e de ter se estabelecido como uma das melhores atrizes de sua geração no cinema francês) está muitíssimo bem, como sempre – assim como estão bem todos os atores que aparecem na tela, por menor que sejam seus papéis. Mas não é dela que trata o filme. Samantha, seu personagem, é importante, sim, é fundamental – ela é o contraponto a tudo que há de ruim no mundo, do pai imbecil, criminoso (interpretado por Jérémie Renier), ao melífluo Wes (na foto acima), o jovem que atrai Cyril para a delinquência. Mas os Dardennes não parecem interessados em traçar o perfil de Samantha – não sabemos quem ela é, o que pensa, o que havia feito antes na vida, por que resolveu dedicar seus fins de semana àquele garoto fechado em si mesmo, fechado em copas, tatu-bola.

O filme parece só querer mostrar que existem no mundo algumas poucas pessoas de bem.

Tudo fica centrado em Cyril-Thomas Doret.

Em uma entrevista à revista da 2001 Vídeo (para a qual me chamou a atenção a Cláudia Maria de Oliveira), Jean-Pierre Dardenne contou como ele e o irmão Luc chegaram a Thomas Doret: “Fizemos testes com diversos atores para achar aquele que seria o protagonista. Thomas foi o quinto garoto do primeiro dia de testes. Todos os garotos interpretavam a primeira cena do filme (de uma maneira mais simplificada, claro. Quando vimos a atuação de Thomas falando ao telefone, soubemos imediatamente que ele seria o protagonista. Ele demonstrou uma força e uma sensibilidade que nos impressionaram.”

Deram muita sorte, os Dardennes. Esse garoto tem uma interpretação impressionante. Dificilmente quem viu O Garoto da Bicicleta se esquecerá dele.

Cyril me fez lembrar do Antoine Doinel de Os Incompreendidos/Les Quatre-Cents Coups, o primeiro longa-metragem de François Truffaut, de 1959. Antoine Doinel – muito evidentemente o alter-ego do próprio realizador – era um jovem que parecia fadado à delinqüência. Como seu alter-ego, acabou escapando dela; cresceu, teve dissabores afetivos, mas salvou-se do pior.

Sei lá como Truffaut chegou a Jean-Pierre Léaud. Isso está fartamente documentado, com toda a certeza – mas não é o caso de ir aos alfarrábios ali ao lado. Léaud, nascido em 1944, penúltimo ano da Guerra, encarnou Antoine Doinel pela primeira vez quando estava com 15 anos de idade. Antoine Doinel foi seu melhor papel na vida, ao longo de vários filmes, mas ele teve muitos outros – o IMDb registra 88 títulos em sua filmografia.

Não dá para saber se Thomas Doret fará mais filmes na vida. Fernando Ramos da Silva, o garoto que Hector Babenco escolheu para fazer Pixote, acabaria tendo uma vida trágica como a de seu personagem. Walter Salles, com toda sua consciência social, procurou dar a Vinícius de Oliveira, o garoto escolhido para o papel principal de Central do Brasil, garantias de oportunidade de estudo, e o fato é que Vinícius voltou a fazer filmes – já tem nove títulos no currículo.

O Josué de Vinícius de Oliveira e o Pixote de Fernando Ramos da Silva produtos de famílias problemáticas, mas, sobretudo, resultam de uma imensa miséria. Antoine Doinel e Cyril, europeus, de países ricos, de ampla rede de proteção social aos mais pobres, são mais claramente o resultado apenas de tragédias familiares.

E, se formos comparar os trajetos de Antoine Doinel e de Cyril, é fácil ver que, do final dos anos 1950 para estes anos 2010, os apelos à delinquência, a facilidade de se atrair crianças perdidas para a delinquência aumentaram em progressão geométrica. O mundo ficou muito mais cruel, muito mais violento.

Mas, de novo, se formos nos concentrar apenas no filme, o fato é o seguinte: esse garoto Thomas Doret teve uma interpretação impressionante, marcante, indelével, inesquecível. Pode não fazer mais nada diante de uma câmara, mas já pertence à História do cinema.

Anotação em junho de 2012

O Garoto da Bicicleta/Le Gamin au Vélo

De Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne, Bélgica-França-Itália, 2011

Com Thomas Doret (Cyril Catoul), Cécile De France (Samantha), Jérémie Renier (Guy Catoul), Egon Di Mateo (Wes), Fabrizio Rongione (o livreiro)

Argumento e roteiro Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne

Fotografia Alain Marcoen

Produção Les Films du Fleuve, Archipel 35, Lucky Red, France 2 Cinéma, Radio Télévision Belge Francophone, Belgacom TV. DVD Imovision

Cor, 87 min

***1/2

Título em inglês: The Kid with a Bike

7 Comentários para “O Garoto da Bicicleta / Le Gamin au Vélo”

  1. Coincidentemente, Sérgio, estava lendo agora há pouco uma entrevista com os diretores desse filme na revistinha da locadora 2001. Pelo o que eu li, eles acharam esse garoto no quinto teste para o filme, e depois não entrevistaram mais ninguém. O filme é de cortar o coração, e eu concordo com td o que vc disse nessa resenha, a pessoa deve estar MUITO PRE-PA-RA-DA pata ter filhos. Para os que não estão, existe camisinha pra isso. Um parenteses, apenas: gostei mto do modo que é filmada a história, geralmente o clímax de um filme como esses seria o final onde o menino reencontraria o pai, mas não, isso acontece relativamente no começo do filme, assim como td mundo pensa no final que o menino morre. Gostei dessas brincadeiras anti-cliches no cinema. Chega de todo filme ser igual. Chega dessa merda.

  2. Gostei mais deste do que do Feliz que Minha Mãe Esteja Viva, é menos depressivo. O final deixou um pouco a desejar mas não comprometeu o todo.
    Eu também não aguentaria um fim de semana com o Cyril. Além de ser uma criança difícil era abusado. Na cena em que liga para o pai, do celular da Samantha, ele entra no quarto (dela) e fecha a porta (nesse momento o namorado dela também estava na casa).

    O filme não explica, mas acho que a Samantha resolveu ficar com ele porque estava naquela fase de começar a querer ter filhos, mas o namorado não queria. Ficar com o menino era uma forma de “exercer a maternidade”. Quando o namorado falou “ou ele ou eu” ela não hesitou um segundo para dizer que preferia ficar com o menino.

    Achei impressionante a paciência infinita que ela tinha, e todo o jeito de lidar com ele. Eu fiz trabalho voluntário com crianças pobres (o politicamente correto é falar em risco social), a maioria vem de famílias desestruturadas, como a de Cyril: pai ausente em 99% dos casos – e quando tinham pai geralmente era alcoólatra ou batia na mulher e nos filhos. Elas tinham quase o mesmo perfil psicológico dele (abandonadas, baixa auto-estima, mau comportamento). Não eram fáceis de lidar. E quanto mais terrível é uma criança mais vontade a gente tem de “puni-la” para que ela entre na linha. Mas a Samantha fazia justamente o contrário: ela o abraçava quando ele a batia, o acolhia emocionalmente. E é assim mesmo que a gente aprendeu que tem que ser feito, embora a vontade seja a de fazer o oposto; segundo os entendidos quanto mais terrível é uma criança mais ela tem que receber atenção. Então isso me impressionou na personagem.

    Cécile de France está muito bem, e o Thomas Doret arrasou mesmo. Me lembrou um pouco o menino que fez A Voz do Coração.

    Só não acredito que a vida é uma questão de sorte/azar, nem de acaso.

  3. Voltei só pra deixar uma frase que um amigo escreveu quando comentamos o final do filme. Ele concorda comigo de que deixou a desejar, e eu concordo com o que ele escreveu: “Parece que o diretor não sabia como finalizar e pensou assim: ‘Ah, é filme francês, ninguém precisa entender nada! Vai até fazer mais sucesso.'”

  4. Existe na vida real uma história de uma mulher cuja paciência foi ainda maior. Não sei se já ouviu falar do Roberto Contador de Histórias. Uma vez aqui em BH ele foi à minha escola e contou a própria história. Disse que um dia sua mãe adotiva foi à Febem e perguntou por sobre ele para alguém que trabalhava lá (não sei por quê, nem em que circuntâncias). Recebeu a informação de que ele era já considerado aos 11 anos, eu acho, (num me lembro bem a idade não) um caso irrecuperável. Ela o levou pra casa e aguentou muita, mas muita coisa. Muito mais do que a cabeleireira aguentou. Ele disse que teve uma vez que inundou o apartamento em que ela morava. Não conversava com ela por mais que ela tentasse. Bom, disse também, se justificando, que já tinha aguentado muita coisa (sodomização, uso de drogas) e por isso não era dos meninos mais fáceis. Pelo que eu pude perceber ele desenvolveu um carinho muito especial por essa mãe adotiva, era muito grato por tudo.

    Bom, era só um comentário para mostrar que história assim existem.

  5. Uma maravilha este filme dos irmãos Dardenne. De facto o jovem Cyril-Thomas Doret é extraordinário, mas o filme, no seu total é belíssimo. O que o Sérgio diz sobre paternidade está muito bem.

  6. Eu assisti ao final deste filme na véspera de Natal no canal Arte 1 e fiquei encantada, mas procurei reprises e não achei. Foram poucos minutos que me encantaram e que me fizeram vir aqui, porque tinha certeza que neste site maravilhoso iria encontrar uma resenha crítica sobre a obra. Fernanda eu conheço a história de Roberto e pensei a mesma coisa quando vi a briga entre o menino e a Samantha. Estou a procura do filme para assistir inteiro.
    Beijos e Feliz Natal a todos

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