3.0 out of 5.0 stars
Anotação em 2009: Na terceira vez que vejo este filme, concluo que ele é um dos melhores thrillers dos anos 80. Como eu tinha escrito quando vi pela segunda vez, em 1999: Um bom filme, muito bom filme. É um daqueles policiais bem feitos, onde tudo funciona, e o espectador acompanha não apenas a história do crime que se apura, mas também, e tão importante quanto, a vida dos policiais, suas misérias, as pequenas alegrias, os dramas.
A ótima trama, que faz essa mistura da vida pessoal dos policiais com os crimes investigados, tem ainda um bom ingrediente, que não é inédito, de forma alguma, mas é muito bem colocado: o tira vai ter um caso com uma suspeita de ser a assassina.
O diretor Harold Becker e o roteirista Richard Price nos apresentam de cara, em ações paralelas, o crime, o primeiro deles, e o tira que vai investigá-lo. É um crime que envolve sexo: um homem está na cama, nu, de bunda para cima, simulando o ato, e há uma rápida tomada, um close-up, da arma sendo disparada. O toca-discos toca Sea of Love, uma canção pop, meio balada, meio suave roquinho, que fez imenso sucesso no finalzinho dos anos 50 com Phil Philips, e depois voltaria às paradas em 1982 com Del Shannon. “Come with me, my love/ To the sea, the sea of love./ I want to tell you oh how much I love you.”
Repito: é um toca-discos, daqueles que podiam ficar repetindo o disco sem parar, e o disco é um compacto simples, 45 rotações por minuto. Estamos na Nova York do final dos anos 80 (o filme é de 1989, e a ação se passa nos dias que eram os atuais), e a era do CD já começou. Mas o que toca é um compacto simples, 45 RPM, e toca sem parar, o cadáver de bruços na cama, o toca-discos repetindo a música mil vezes, come with me to the sea of love. É a repetição infinita que chamará a atenção da vizinha da vítima, uma senhora que, depois de bastante tempo, cria coragem e vai bater na porta do apartamento ao lado para reclamar do som – e, quando bate, a porta se abre.
Quando o experiente detetive Frank Keller, o personagem de Al Pacino, chega ao local do crime (o espectador já ficou conhecendo Frank Keller em seqüências mostradas paralalelamente às do apartamento da vítima), repara imediatamente no disco. Pouco depois, dirá a seu superior, o titular da delegacia, que a assassina (ele está certo de que é uma mulher) tinha conhecido a vítima fazia pouco tempo. O diálogo é estupendo, maravilhoso:
O delegado: – Como você sabe? Pode ser uma namorada firme.
Frank: – É uma estranha. Sabe como eu sei? Discos, de 45. Alguém só tira os discos de 45 no primeiro ou no segundo encontro, na fase de encantar a outra. Para ficarem se conhecendo. Você tira os discos antigos. Mostra para a dama que você os guardou estes anos todos, o que significa que você é uma pessoa maravilhosa, sentimental. Quem faz isso com alguém que já conheça? Depois que você conhece a pessoa, quem liga para isso?
(A frase de Frank é um pouco mais suja do que “quem liga para isso”; é “Who gives a shit?”)
Algum tempo depois, outro homem é assassinado em sua casa, da mesma maneira – um tiro certeiro na nuca, a vítima nua, de bruços. O caso acontece em outro bairro, na área de outra delegacia. O detetive encarregado, Sherman (John Goodman), se une a Frank para investigarem juntos os dois casos. Descobrem que as duas vítimas têm várias coisas em comum: os dois publicaram anúncios – em forma de poesia, com versinhos rimados – em revista procurando marcar encontro com mulheres. Juntos, os dois tiras bolam um plano: publicam um anúncio na mesma revista, e começam a ter encontros com as mulheres que respondem ao pedido, os corações solitários da grande metrópole. É a partir daí (a essa altura, estamos com um terço de filme) que Frank vai conhecer Helen (o personagem de Ellen Barkin), uma das suspeitas. Com o tempo, haverá mais e mais indícios contra Helen, mas a essa altura Frank já estará apaixonado por ela.
Antes mesmo que Helen apareça na trama, com um terço do filme andado, o espectador já sabe muito sobre Frank. Está com 20 anos de serviço na polícia; é muito competente e sério no trabalho, mas bebe demais e tem acessos de raiva, torna-se violento. Foi abandonado pela mulher, que agora vive com um colega dele na delegacia, Gruber (o ótimo Richard Jenkins, um ator que se especializou em papéis de coadjuvante e continua na ativa, firme, e em 2009 teria a primeira indicação ao Oscar).
Quase todos os dias bêbado depois do trabalho, Frank é tão solitário, angustiado, carente, que chega a telefonar para a ex-mulher às 3 horas da manhã. Provoca o colega Gruber o tempo todo, com piadinhas, pequenas ofensas e às vezes violência física. Está pronto para cair babando pela primeira mulher que aparecer. Depois de uma primeira noite de trepada homérica com Helen, está tão dependente dela quanto do álcool. E os indícios de que ela pode ser a assassina estão aí.
Me lembro ter lido em algum lugar que Pacino estava num momento ruim da carreira, e que o filme foi importante para que ele voltasse à tona. Ele está extraordinário; o bêbado solitário que ele constrói é soberbo, extraordinário.
John Goodman, que logo depois deste filme trabalharia com Steven Spielberg em Além da Eternidade/Always, e nos anos 90 faria um ótimo Fred Flintstone em Os Flintstones, está ótimo como o policial que trabalha junto com Frank-Pacino na tentativa de achar a criminosa que vai ao encontro de solitários anunciantes em revista de aproxima-casais e os mata.
E Ellen Barkin está não menos que brilhante como Helen. Quando teve a sorte de pegar o papel, já estava estabelecendo a fama de atriz perfeita para interpretar mulheres sensuais, em cenas fortes, escancaradas. (Há uma paquena descrição sobre a carreira e os papéis sensuais de Ellen Barkin no comentário sobre o filme Seduzidas para a Morte/Mercy.) Com este filme aqui, a fama se consolidou, e com razão. A sensualidade dela é uma coisa forte pacas, impressionante.
O diretor Harold Becker, nova-iorquino de nascimento como Pacino e Ellen Barkin, transforma a cidade num personagem importante da narrativa. Não é a Nova York de fantasia, limpinha, imaculada, perfeita, de Woody Allen, mas também não é a Nova York imunda, perigosíssima, violentíssima de Martin Scorsese. É uma cidade de multidões de pessoas solitárias, com alguns lugares abarrotados de gente e outros em que se caminha sozinho, sem se enxergar uma alma viva durante quarteirões. O filme é em cores, mas o clima é noir, propositada e decididamente noir. Esse clima é ainda mais realçado pela trilha sonora de Trevor Jones.
Sea of Love, a canção que dá o título original do filme e tem importância fundamental na trama, voltará nos créditos finais, numa nova gravação, com aquela voz rouca, cavernosa, lúgubre de Tom Waits.
Belo filme.
Vítimas de uma Paixão/Sea of Love
De Harold Becker, EUA, 1989.
Com Al Pacino, Ellen Barkin, John Goodman, Richard Jenkins
Argumento e roteiro Richard Price
Música Trevor Jones
Produção Universal
Cor, 113 min.
R, ***1/2
Título em Portugal: Perigosa Sedução
Nem sei quantas vezes vi este filme. Para estudar Pacino e sua atuação: a sequência numa festa, ele sentado numa das mesas, sozinho nesse momento, e vemos o plano para atrair a assassina ir ‘surgindo’ em sua mente à medida em que a câmera se demora no seu rosto.
É isso mesmo, Carla…. Grande Pacino, belo filme.
Um abraço.
Sérgio
Olá amigos! Sou colecionadora de Dvds, e AMO fimes dos anos 80. Sou louca pra ter este filme, Sea of love, mas parece impossível ou baixá-lo em algum lugar! Podem me ajudar de alguma maneira? Vocês têm o filme? Como adquiriram? Um grande abraço, Bruna.
Pela primeira me decepciono com uma análise sua. Revi esse policial ontem, depois de tê-lo visto no cinema na época do lançamento. Acho bastante mediano, superficial, impessoal, como toda a filmografia de Becker. O roteiro é sem rumo, decepcionante, fica em cima do muro entre uma história criminal e um romance. Pacino tem uma das suas piores performances. Caricato, enfadonho, não nos convence que está apaixonado. E Ellen Barkin é uma atriz que nunca me convenceu. Bastante sensual, com certeza, mas também com uma vulgaridade explícita, com a mesma cara de “sexo” todo o tempo. Realmente achei um saco, logo eu que sou louco por filmes policiais.
Caro Antonio,
Cada vez mais me convenço de que muitas vezes nossas opiniões sobre um filme dependem muito do momento em que o vemos… Há filmes fracos que nos seduzem, há obras-primas com as quais o nosso santo não cruza…
E são muito poucas as verdades absolutas…
Um abraço!
Sérgio
Olá Sérgio,
Bem, adorei sua análise e seu último comentário/resposta.
De facto existe um charme misterioso neste género de filmes thriller/neo-noir que não consigo explicar por palavras. Só sentir.
Fico impressionado com o seu realismo ao dizer que há filmes que apesar de alguns chamarem de “fracos”, que nos enchem a alma, e outros aclamados de obras-primas que nos passam completamente ao lado.
Um dos casos que já tive a oportunidade de ler é por exemplo a sua crítica ao Breathless (1960), de Godard. Todo o mundo pode achar uma obra-prima irrepreensível, mas mesmo assim o Sérgio tem a coragem e determinação de dar apenas 1 estrela.
Eu penso exatamente o mesmo: Apesar de não podermos negar a importância desse filme e outros na consagração de um género dentro da história do cinema, sinto que muitos desses grandes clássicos perdem a mística e o valor de entretenimento que penso ser imprescindível na visualização de um filme.
Sea of Love é um desses casos que nos fazem entrar nesta dimensão mística. Até a própria cor do filme, com tom de fumo e rosa é fabuloso e único. Adoro este tipo de filme dos anos 80. Têm uma atmosfera de sedução que jamais vi nas décadas seguintes.
Um abraço!
Afonso