Soul Kitchen

3.0 out of 5.0 stars

Anotação em 2010: Soul Kitchen é um filme alegre, bem humorado, gostoso. Fala de coisas duras – vida de imigrantes em país rico, criminalidade, a tentação do crime, as mil dificuldades de se tocar um pequeno negócio sem muito dinheiro, os agentes do Estado que estão sempre pegando no pé e na carteira dos pequenos empresários, corrupção, problema de saúde quando não se tem plano médico particular. Mas fala de tudo isso com um tom abertamente alegre, bem humorado, gostoso.

Muitos dos personagens de Soul Kitchen – a ação se passa em Hamburgo, na severa, sisuda Alemanha de hoje – parecem o que conhecemos como o protótipo do malandro carioca: sempre se safam das maiores dificuldades, com bom humor, com ginga de corpo, com jeitinho. E com grande paixão por comida, música, dança e sexo.

Parecem mais personagens de uma comédia gostosa de Mario Monicelli ou de Hugo Carvana que de um filme de Fatih Akin.

Essa é a grande característica deste filme do alemão Fatih Akin: ser inteiramente diferente do que ele havia feito antes. O jovem cineasta nascido em Hamburgo em 1973, filho de imigrantes turcos, foi extremamente esperto: além de um ótimo filme, Soul Kitchen é uma grande jogada de marketing. Todos os críticos de cinema do mundo inteiro disseram, estão dizendo ou vão dizer algo do tipo: Surpresa – Fatih Akim faz comédia, quase um musical!

Garoto esperto. Sabe se vender. Como Hitchcock, como Fellini, os dois cineastas mais marqueteiros de si próprios que já passaram pela História.

         Filmes pesados, densos – e aí, de repente, uma comédia

O primeiro filme de grande repercussão internacional de Akin foi Contra a Parede/Gegen die Wand, de 2004, sobre as imensas dificuldades de imigrantes vivendo na Alemanha. É um filme fortíssimo, violentíssimo, depressivo demais. No ano seguinte, fez um belo documentário sobre a música turca, Cruzando a Ponte: o Som de Istambul. Do Outro Lado/ Auf der Anderen Seite, de 2007, é uma obra-prima, uma imensa prova de talento e maturidade artística. Akin conseguiu a proeza rara de criar um roteiro inventivo, criativo, uma narrativa não linear e sim circular, quase em espiral, que ao mesmo tempo não é pedante, chato, pretensioso – é simples e brilhante. Do Outro Lado focaliza seis personagens principais, três duplas de pais e filhos, na Alemanha e na Turquia, que vivem várias histórias entrelaçadas; trata de diferenças culturais, de choque de civilizações, mas, sobretudo, das relações pais e filhos.

E então, de repente, o jovem cineasta de filmes sérios, densos, pesados, quis e virou tudo: fez uma comédia!

Não deixou de ser inventivo, criativo. De forma alguma. Não deixou de lado os temas barra-pesadas. Só mudou inteiramente o tom.

Fez um belo filme – e os críticos, no mundo inteiro, continuaram babando por ele.

Em 15 anos, 14 filmes como diretor, sendo dois deles curta-metragens e três segmentos em filmes de vários autores, colecionou 27 prêmios e outras 20 indicações.

E merece.

         Um descendente de gregos empreendedor e seu restaurante

Zinos Kazantsakis – um filho de imigrantes gregos, como o nome deixa óbvio – é um jovem aí de uns 35 anos, bonitão, com uma grande cabeleira, trabalhador, empreendedor. Conseguiu comprar um grande galpão num bairro industrial de Hamburgo e transformá-lo em um restaurante, o Soul Kitchen que dá nome ao filme. É um restaurante simples, honesto, que serve o que a freguesia quer: comida simples, honesta, a preços acessíveis. O próprio Zinos trabalha na cozinha. Não é propriamente um gourmet, um connoisseur, é até um tanto estabanado; não, na verdade é bastante estabanado, atrapalhado. Mas dá conta do recado direitinho, com a ajuda preciosa de Lucia (Anna Bederke), que, apesar dos olhos claros e do alemão à vontade, tem seu nome pronunciado à la espanhola, Lutchía.

Zinos é interpretado por Adam Bousdoukos – que, como o nome indica, é descendente de gregos. Desafiando a lógica perversa de centenas de anos de guerras e desentendimentos entre turcos e gregos, Bousdoukos é grande amigo de Fatih Akin, e dividiu com o amigo a autoria do roteiro do filme. Parece que, na vida real, Adam Bousdoukos já foi dono de restaurante, enquanto Akin já teve problema sério com hérnia de disco – mal que atacará o protagonista Zinos bem no início do filme e o perseguirá por toda a narrativa.

Vamos em frente.

Zinos namora uma garota de família rica, boa formação, jornalista, Nadine (Pheline Roggan), que está se preparando para uma temporada como correspondente em Xangai. São bem apaixonados um pelo outro, Zinos e Nadine, e ela gostaria que ele fosse com ela até o outro lado do mundo. Zinos até que gostaria de ir, mas teria que ter um gerente de confiança nas mãos de quem deixar a administração do Soul Kitchen.

E ele não tem a menor confiança no irmão Illias (Moritz Bleibtreu), sujeito que jamais trabalhou na vida, e está neste momento preso, em regime um pouco mais relaxado: pode sair aos fins de semana. A rigor, pode até sair todos os dias e dormir na cadeia, se conseguir um emprego comprovado. Illias pede ao irmão que o registre como funcionário do restaurante – e Zinos assina o papel. Fazer o quê? Irmão é irmão.

Por acaso, Zinos reencontra na rua um colega de colégio, Thomas Neumann (Wotan Wilke Möhring); não se viam fazia tempos. Thomas andou ganhando muito dinheiro, e se oferece para comprar o Soul Kitchen. Zinos reluta, não pensa em vender. Thomas, que é um sacana, um safado – o espectador ficará sabendo disso antes de Zinos –, denuncia o Soul Kitchen às autoridades sanitárias…

E ainda tem Shayn Weiss (Birol Ünel), um chef de cozinha tão competente quanto louco e temperamental  (na foto acima), que Zinos fica conhecendo e acaba contratando para trabalhar no Soul Kitchen. E mais os amigos de Zinos que tocam num grupinho amador de rock e ensaiam no restaurante, e acabam atraindo uma turba de fregueses. E ainda haverá a bela Anna (Dorka Gryllus), a fisioterapeuta a quem Zinos vai recorrer contra a horrorosa dor nas costas.

         Uma delícia para se ver e rever

A trama resvala às vezes para perto da fronteira do nonsense, do mucho loquissimo, como na hilariante seqüência em que o chef Shayn exagera no tempero afrodisíaco e deixa toda a freguesia num tesão de Sodoma e Gomorra, em que entra até mesmo a sisuda fiscal da Secretaria da Fazenda que tinha ido ver a situação das contas do restaurante.

Uma das muitas qualidades do filme é a montagem. Akin optou, para acompanhar o ritmo ágil de sua trama, por usar tomadas curtas. A montagem é um brilho, na medida certa – apesar da agilidade, não fica nada cansativo.

Soul Kitchen é também uma grande celebração da convivência de várias raças – há gente de todos as origens, entre os freqüentadores do restaurante, as diversas tribos urbanas. A variedade de tipos humanos, de nacionalidades, é tão grande quanto no Brooklyn mostrado por Wayne Wang e Paul Auster em Cortina de Fumaça e Sem Fôlego. Aliás, o filme de Fatih Akin tem o mesmo espírito alegre e livre dos dois filmes sobre a tabacaria do Brooklyn.

Uma delícia de filme, que dá vontade de rever.

Soul Kitchen

De Fatih Akin, Alemanha, 2009

Com Adam Bousdoukos (Zinos Kazantsakis), Moritz Bleibtreu (Illias Kazantsakis), Birol Ünel (Shayn Weiss), Anna Bederke (Lucia Faust), Pheline Roggan (Nadine Krüger), Lucas Gregorowicz (Lutz), Wotan Wilke Möhring (Thomas Neumann), Dorka Gryllus (Anna Mondstein)

Argumento e roteiro Fatih Akin e Adam Bousdoukos

Fotografia Rainer Klausmann

Montagem Andrew D. Bird

Cor, 99 min

Produção Corazón International, Dorje Film, NDR, Pyramide Productions. DVD Imovision. Estreou em São Paulo 19/3/2010

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7 Comentários para “Soul Kitchen”

  1. É um filmao. Muito bom. A cena da comida afrodisíaca é sensacional. Vale muito ver.

  2. Filme muito gostoso de assistir, ainda mais com um colírio desses como protagonista (um pouco baixo e acima do peso pro meu gosto, mas tudo bem).
    Eu só não acho que ele e a namorada eram apaixonados, acho que ele gostava dela, mas o contrário, não. A família da moça não gostava dele, tampouco.
    Ai, Sérgio, a tal Anna não tem nada de bela, olha que me esforcei pra ver beleza nela, mas ela era muito da sem graça. Acho que vc acha todas as mulheres bonitas, isso sim. hehehe
    Mas pelo pouco que foi mostrado da personagem, ela é uma melhor pessoa que a chatonilda que foi pra China.

    Vai ser interessante ler o texto com a visão de alguém que mora na cidade.

    PS: só eu achei o restaurante e o chef maluco com cara de sujinhos? Eu não comeria ali nem que me pagassem. O Zinos tb era bem lambão na hora de cozinhar.

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