(Disponível na Netflix em 7/2024.)
No tenebroso futuro inventado pelo incensadíssimo diretor grego Yorgos Lanthimos e seu co-autor e co-roteirista Efthimis Filippou, é terminantemente proibido o estado civil solteiro, ou separado, ou sozinho. Quem não encontrar uma cara metade, ou perder a que tinha, passa a correr o seriíssimo risco de virar um animal – e ser abatido, porque, naquele terrível mundo novo, praticamente todo mundo caça.
Entre o momento de perder o/a parceiro/a e se transformar em animal, no entanto, há uma espécie assim de purgatório. O/a infeliz que foi abandonado tem o direito a ir para um hotel, onde durante alguns poucos dias contados terá uma chance de conhecer alguém.
Ah, mas tem um detalhe: é preciso encontrar uma nova cara-metade que seja sua alma-gêmea. Que tenha uma característica semelhante à sua. Tipo, por exemplo, mancar. Ou a toda hora perder sangue pelo nariz. Ou ser absolutamente despossuído de qualquer sentimento. No grande hotel à beira-mar em que se passa a maior parte da ação, há exatamente pessoas com essas características.
Tem que dar match.
Se der, beleza. A administração do hotel faz uma bela festa para o novo feliz casal, e até oferece a ele a oportunidade passar uns dias em um iate ancorado ali perto, sempre à disposição.
Agora, se o hóspede não encontrar a alma gêmea, se não der match, aí ferrou. Ele se transforma em bicho.
Alguém, algum Grande Irmão, o czar daquele mundo distópico deve ter determinado que a partir de algum momento tinha que ser assim.
E as pessoas acreditam nisso, que, para viver com outra pessoa, ou seja, para ter o direito de continuar vivendo, é preciso que dê match, que os dois tenham uma característica em comum.
David, o protagonista da história, interpretado por um Colin Farrell instruído a ter uma única expressão durante todos os longos 119 minutos do filme, acredita piamente nesse dogma. Na segunda sequência de O Lagosta (na primeira vemos a Matadora de Asnos, o papel de Jacqueline Abrahams, matando um asno), dá para inferir que ele está acabando de receber da mulher a notícia de que acabou, meu, encontrei um novo amor.
Sua reação, diante da notícia de que ferrou, ele agora vai para o purgatório, e se não encontrar outra alma gêmea, vai virar bicho, é perguntar: – “Ele usa óculos ou lente de contato?”
A característica que o unia à mulher era a miopia.
Bem mais tarde, já ali pela metade do filme, David vai conhecer a Mulher Míope, o papel da sempre lindérrima Rachel Weisz.
Mas isso será depois de ele – já perto do final da sua estadia no hotel-purgatório, e ainda sem encontrar ninguém – fingir que é um Homem Sem Coração, pra ver se dá certo com a Mulher Sem Coração (Angeliki Papoulia).
A oposição é tão impiedosa quanto o regime
É necessário registrar: Matadora de Asnos, Mulher Míope e Mulher Sem Coração são os nomes que aparecem nos créditos finais. Os nomes próprios das personagens não aparecem no filme, não são citados, assim como os da Gerente do Hotel (Olivia Colman) e da Mulher do Nariz que Sangra (Jessica Barden), do Homem que Balbucia (John C. Reilly), do Homem que Manca (Ben Whishaw).
No original, Donkey Shooter, Short Sighted Woman, Hotel Manager, Nosebleed Woman, Lisping Man, Limping Man.
É preciso registrar também que, assim como nos universos distópicos criados em obras-primas da literatura – 1984 de George Orwell, Fahrenheit 451 de Ray Bradbury –, nesta distopia saída da cabeça de Yorgos Lanthimos & Efthimis Filippo também há um grupo de rebeldes que não se rende ao regime ditatorial. Em O Lagosta, os rebeldes não lutam propriamente contra a ditadura em si, mas contra a idéia central, a ideologia do regime. O regime proíbe a solteirice, o estar sozinho. Os rebeldes, liderados por uma mulher dura, tão impiedosa quanto os representantes da ditadura, proíbem o namoro, o estar junto, o formar um par.
A chefe rebelde, como tantos outros personagens, não tem nome próprio – ela aparece nos créditos como Loner Leader, líder dos solitários. É interpretada pela linda Léa Seydoux.
Opostos que se parecem. Nada tão parecido quanto um radical de esquerda quanto um radical de direita. Hitler e Stálin, para dar um exemplo que, creio, não choca ninguém. (Dizer Fulgencio Batista e Fidel Castro, ou PL e PT, por exemplo, que votam juntos quando o interesse é do partido, e não do país, poderia desagradar ao eventual leitor.) Será que foi essa a intenção dos autores?
Bem, eu mesmo… Eu achei o filme uma grande bobagem
Sem lá qual foi a intenção dos autores.
Bem. Devidamente apresentado de que trata o filme, devo dizer que achei tudo uma bobagem, uma canseira, uma estupidez, uma imensa perda de dinheiro de sete diferentes países (Irlanda-Reino Unido-Grécia-França-Países Baixos-EUA-Bélgica), de tempo e do talento desses ótimos atores, Colin Farrell, Rachel Weisz, Olivia Colman, Léa Seydoux, John C. Reilly.
Uma história besta. Um monte de gente boa em um filme que conta uma história besta.
Mary – que não achou o abacaxi tão azedo assim – me perguntou várias vezes se eu queria parar de ver. Querer, propriamente, eu até que queria – mas, diabo, tenho um site de filmes, e ainda não tinha visto filme algum desse tão absolutamente incensado Yorgos Lanthimos. Precisava ver pelo menos um.
Minha opinião registrada, vou atrás de informações – e loas da crítica especializada a esta grande obra de arte.
“Uma alegoria que debochando das regras da sociedade”
The Lobster obteve 33 prêmios e 84 indicações nos festivais mundo afora. Entre as indicações, houve uma ao Oscar, justamente na categoria de melhor roteiro original.
Foi admitido na mostra competitiva do Festival de Cannes, o que por si já é uma grande honra; Yorgos Lanthimos venceu o prêmio do júri. O filme teve também uma menção especial na Palma Queer, algo cuja existência eu desconhecia. A explicação para a escolha do filme dada pelo júri da Palma Queer é a seguinte, segundo o IMDb: “Ele não inclui uma narrativa gay, mas com a escassez de filmes abertamente gay no festival, este filme se destacou como uma alegoria, debochando das absurdas regras e regulamentos da sociedade quanto ao acasalamento”.
Epa! Pronto! Olhaí o que o filme quer dizer! O significado da obra-prima! O chato, arrastado, interminável drama nonsense é então uma genial alegoria, uma comédia que debocha das absurdas regras e regulamentos da sociedade quanto ao acasalamento!
Então foi por isso que o filme concorreu ao Globo de Ouro não entre entre os dramas, e sim entre os classificados como comédia ou musical! Aliás, com aquela sua cara única ao longo dos 119 minutos do filme Collin Farrell recebeu uma indicação ao Globo de Ouro na categoria de melhor ator em comédia ou musical.
No site agregador de opiniões Rotten Tomatoes, o filme teve 65% de aprovação dos leitores – mais de 25 mil deram suas notas. Já entre os doutos críticos, aprovação foi de 87%!
Eis o “Consenso da Crítica” do Rotten Tomatoes: “Tão estranho quanto eletrizantemente ambicioso, The Lobster é definitivamente uma experiência acumulada – mas para os espectadores com coragem de superar as sensibilidades excêntricas de Yorgos Lanthimos, deverá ser um saboroso deleite cinematográfico.”
Então tá explicado. Eu não sou o feliz portador da capacidade de superar as sensibilidades excêntricas de Yorgos Lanthimos. Estou, portanto, elevando-o ao panteão dos Grandes Gênios da Arte, ao lado dos excelsos, augustos Hal Hartley, Peter Greenaway, Nuri Bilge Ceylan & uns pouquíssimos mais, dos quais fujo que nem o diabo da cruz, o fanático do raciocínio.
Anotação em julho de 2024
O Lagosta/The Lobster
De Yorgos Lanthimos, Irlanda-Reino Unido-Grécia-França-Países Baixos-EUA-Bélgica, 2015
Com Colin Farrell (David)
e Rachel Weisz (Mulher Míope),
Olivia Colman (Gerente do Hotel), John C. Reilly (Homem que Balbucia), Ben Whishaw (Homem que Manca), Léa Seydoux (Líder dos Solitários), Jessica Barden (Mulher com Nariz que Sangra), Ashley Jensen (Mulher com os Bolinhos), Ariane Labed (Camareira), Angeliki Papoulia (Mulher Sem Coração), Jacqueline Abrahams (Matadora de Asnos), Michael Smiley (Nadador Solitário), Roger Ashton-Griffiths (Doutor), Ewen MacIntosh (Guarda do Hotel)
Argumento e roteiro Yorgos Lanthimos & Efthimis Filippou
Fotografia Thimios Bakatakis
Montagem Yorgos Mavropsaridis
Casting Jina Jay
Desenho de produção Jacqueline Abrahams
Figurinos Sarah Blenkinsop
Produção Film4, The Irish Film Board, Eurimages, Nederlands Filmfonds, Greek Film Centre, e mais diversos outros.
Cor, 119 min (1h59)
*
Ah, bom mm! Ufa! Que susto vc me deu! Achei que vc tinha gostado desta bosta total. Isso mesmo: maior perda de tempo, talento, e do coitado péssimo ator nesse filme Colin. Também combino com vc de que esses diretores me fazem fugir. Só um do Peter Green que me tocou profundamente foram as imagens hiperrealistas. Lindo, mas uma besta também. Tamo junto(TJ)
Poxa, você nunca tinha visto nada dele, e começou justo com esse, o mais chocho…
Sérgio, talvez para alguém em um relacionamento de longa data, a temática do filme possa parecer sem sentido ou até pobre. Mas, como alguém que está solteiro há mais de quatro anos e vive em uma cidade pequena, posso dizer que sair sozinho para lugares como um sushi bar é um desafio. Não é raro sentir olhares que, ao menos na minha percepção, sugerem que há algo de errado comigo, como se aquele ambiente fosse exclusivo para casais.
O filme é arrastado, como todos os de Yorgos Lanthimos, mas, assim como em suas outras obras, há uma mensagem a ser transmitida. Se fará sentido ou não para você, não sei. Para mim, fez.
Olá, Felipe!
Muito obrigado por enviar o comentário. É sempre bom receber uma opinião diferente da nossa – isso é que enriquece este site. Nestes meus comentários, apenas expresso minha opinião – que não é mais importante do que nenhuma outra, é apenas uma opinião a mais…
Um abraço.
Sérgio