(Disponíveis no YouTube e Netmovies, respectivamente, em 10/2024.)
Hoje pouco conhecida, Fannie Hurst era dos autores mais lidos e mais bem pagos dos Estados Unidos quando, em 1931, lançou seu sétimo romance, Back Street. O próprio título já anunciava sua ousadia. Literalmente, back street é beco, viela, rua pouco importante. Em sentido amplo, significa algo clandestino, ilícito. Tratava de relação extraconjugal, infidelidade – temas que feriam o Código Hays, o conjunto de normas de autocensura seguido pelos estúdios de Hollywood.
Apesar disso, ou talvez até por isso, Hollywood filmou Back Street três vezes. A primeira foi logo em 1932, o ano seguinte ao do lançamento do livro, quando ainda não vigorava plenamente a exigência do Hays Office de que as regras de autocensura fossem seguidas com todo o rigor. O aperto – o AI-5 deles, digamos assim – viria logo após, em 1933. A segunda vez foi em 1941, em plena Segunda Guerra Mundial, e a terceira, em 1961, após o final da década mais careta do século XX e no início daquela que, diziam, veio para mudar tudo.
Não sei como é o segundo Back Street, não vi – mas não pode haver duas versões cinematográficas de uma mesma história tão absolutamente diferentes quanto Back Street de 1932 e Back Street de 1961.
É muito impressionante, muito fascinante.
Três grandes estrelas viveram a protagonista da história
Vou falar aqui dessas duas versões, a primeira e a terceira, que Mary e eu vimos de enfiada, uma após a outra, num sabadão. Mas incluo a versão de 1941 na tabela abaixo; creio que fica legal a colocação lado a lado dos principais envolvidos.
Antes do quadro, uma palavrinha sobre as atrizes que fazem a protagonista da história, Ray/Rae Smith, a mulher não casada, a outra, a adúltera.
Irene Dunne (1898-1990), a primeira das três, foi uma das grandes estrelas de Hollywood nos anos 1930 e 1940. Fez 51 filmes e/ou séries entre 1930 e 1962, e teve cinco indicações ao Oscar de melhor atriz. O livro The 50 Most Unforgettable Actresses of the Studio Era – Leading Ladies a definiu assim: “Uma cantora treinada classicamente com grande versatilidade, suas inflexões líricas e charmes sutis criavam faíscas em todos os seus papéis”.
Margaret Sullavan (1909-1960), a Ray Smith de 1941, pode não ter sido escolhida como uma das 50 mais inesquecíveis atrizes da era dos estúdios, mas deixou marca forte. Sua filmografia tem apenas 22 títulos, entre 1933 e 1954, mas ela teve uma indicação ao Oscar de melhor atriz, uma ao Emmy, e recebeu os prêmios do National Board of Review, do New York Film Critics Circle e do Walk of Fame. Entre seus quatro maridos estavam Robert Wise e Henry Fonda. Dela diz o livro Actors & Actresses: “A independência pessoal de Margaret Sullavan caracterizou sua vida nas telas e fora delas. Sua relutância em se ligar a um contrato de estrela de cinema resultou em um número relativamente limitado de filmes.”
Susan Hayward (1917-1975), a Rae Smith forte, poderosa, do filme de 1961, foi uma das grandes estrelas de Hollywood nas décadas de 40, 50 e 60. Fez 64 filmes e/ou séries entre 1937 e 1972, e teve cinco indicações ao Oscar – levou o prêmio por Quero Viver!/I Want to Live (1958), de Robert Wise, em que interpreta uma prostituta condenada à morte por assassinato que sempre se declarou inocente. O livro Leading Ladies sintetiza: “Essa beleza de cabelos cor de fogo do Brooklyn, em parte uma durona deusa do sexo, em parte trabalhadora tenaz, incendiou o cinema dos anos 1950 com seus corajosos retratos de mulheres muito além dos limites”.
Diacho: adoro essa capacidade de sintetizar uma carreira em poucas palavras.
Três belas atrizes, três grandes estrelas. A personagem criada por Fannie Hurst teve a honra de ser interpretada por mulheres fascinantes.
1932 | 1941 | 1961 | |
Esquina do Pecado /
Back Street |
Corações Humanos /
Back Street |
Esquina do Pecado /
Back Street |
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Título alternativo | Marido Alheio | ||
Em Portugal e na França | A Esquina do Pecado. Histoire d’un Amour | A Esquina do Pecado.
Back Street |
A História de um Grande Amor, Histoire d’un Amour |
Direção | John M. Stahl | Robert Stevenson | David Miller |
Com
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Irene Dunne (Ray Schmidt),
John Boles (Walter Saxel) Doris Lloyd (Corinne Saxel), George Meeker (Kurt Schendler) |
Margaret Sullivan (Ray Smith),
Charles Boyer (Walter Saxel), Nell O’Day (Elizabety Saxel), Richard Carlson (Curt Stanton) |
Susan Hayward (Rae Smith),
John Gavin (Paul Saxon), Vera Miles (Liz Saxon), Charles Drake (Curt Stanton)
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Roteiro | Gladys Lehman e Lynn Starling. Colaboraram, sem crédito,
Gene Fowler e Ben Hecht |
Bruce Manning e Felix Jackson | Eleanore Griffin e William Ludwig
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Prêmios | Indicado ao Oscar de melhor trilha sonora, drama, para Frank Skinner | Indicado ao Oscar de melhor figurino, para Jean Louis |
Uma mulher que se anula por causa do amor
Uma personagem só – mas tão, tão absolutamente diferente no filme de 1932 e no de 1961.
A Ray Smith de Irene Dunne é uma mulher que, ao longo da vida, vai perdendo o brilho que tinha quando bem jovem.
Vivia em Cincinnati, Ohio, bem no início do século XX. Um letreiro nos avisa logo de cara, no Back Street de 1932: “Nos velhos e bons dias antes da 18ª Emenda”. A 18ª Emenda à Constituição dos Estados Unidos foi aquela que tornou ilegal a fabricação, o transporte e a venda de bebidas alcoólicas – em suma, a que estabeleceu a Lei Seca. Para deixar as coisas bem claras, o filme de John M. Stahl mostra, logo depois desse letreiro, um bar cheio de gente alegre, bebendo grandes copos de chope. Ray Smith-Irene Dunne está lá, sendo paquerada por um sujeito nada simpático. Ela não admite de forma alguma que ele passe dos limites – mas aceita beber e dançar com o cara, mesmo depois que ele sussurra algo ao ouvido dela e por causa disso leva um tapa na cara.
Ray é uma moça bem saidinha, bem avançadinha, para os padrões da primeira década do século passado. Trabalha em uma loja, e vai a bares com rapazes.
Surge na vida dela um camarada bonitão, elegante, rico, Walter Saxel (o papel de John Boles). Veio de cidade grande, Chicago, para ver a moça de quem estava noivo, Corinne. Apaixonam-se perdidamente. Walter chega a ter esperança de que, conhecendo Ray, a mãe dominadora (interpretada por Maude Turner Gordon) desista de fazê-lo se casar com Corinne, moça de família riquíssima. Combinam que Ray aparecerá – como se fosse por acaso – no concerto no parque a que Walter irá com a mãe.
Só que Ray se enrola em casa com um problema de sua irmã, Freda (June Clyde), e quando chega ao parque o concerto havia acabado, Walter e a mãe tinham acabado de sair de lá.
Ray é constantemente paquerada por um velho amigo, Kurt (George Meeker), gente boa, solícito, atencioso; a moça gosta dele, mas continua apaixonada por Walter, e recusa os pedidos de casamento do rapaz.
Passam-se alguns anos, Ray se muda para Nova York. Tem lá um bom emprego em uma loja. Por acaso, se reencontra com Walter – e se torna amante dele, teúda e manteúda. Para ter todo o tempo livre para ele, abandona o trabalho. Ele, casado, dois filhos, com emprego importante no banco do tio da mulher, tem pouco tempo para ela.
É isso: a Ray de Irene Dunne no filme de John M. Stahl é uma mulher que se anula na vida, que se contenta em ser a outra, a segunda, a amante. E vai perdendo o brilho.
Uma mulher bem sucedida na profissão
A Rae Smith (sim, com a grafia diferente) de Susan Hayward não tem praticamente nada a ver com a Ray de Irene Dunne. Esta última até que tinha emprego, em sua cidade, Cincinnati, e depois em Nova York – mas abandona o trabalho para ficar por conta do amante. A Rae do filme de 1961 aspira a uma profissão, a de modista, e batalha para ter sucesso nela.
Os roteiristas Eleanore Griffin e William Ludwig fizeram alterações no quando e no onde em relação ao filme de 1932. De Cincinnati, Ohio, para Lincoln, Nebraska. E avançou no tempo, dos primeiros anos do século XX, antes da Lei Seca, no alvorecer da indústria automobilística, para os “dias atuais” – “atuais” na época do lançamento, é claro. Não são mencionadas datas, mas fica claro por toda a ambientação que a narrativa começa já em meados dos anos 1950.
No início do filme, Rae está indo se encontrar com um industrial em visita a Lincoln, para apresentar a ele desenhos de tecidos que ela havia preparado. Bem depressa ela e o espectador percebem que o sujeito, Venner (Alex Gerry), quer é se aproveitar da situação para fazer sexo com ela. Rae tenta escapar do avanço de Venner – e é socorrida pelo fuzileiro naval que havia visto de passagem pouco antes de ir se encontrar com o industrial safado.
O fuzileiro – que está acabando de cumprir seu período nas Forças Armadas – é Paul Saxon, vem na fina estampa de John Gavin, aquele galã de imenso sucesso nos anos 1950 e 1960.
Paixão instantânea.
Eventualmente, ela fica sabendo que ele é herdeiro da família proprietária da rede de lojas Saxon. Um milionário.
Como na versão de 1932, há um desencontro que acaba com a possibilidade de Rae e Paul terem um destino completamente diverso.
No filme de 1961, o que poderia garantir que o casal ficasse junto seria viajarem os dois de Lincoln para Chicago. Paul poderia explicar sua situação – é casado, sim, mas terrivelmente infeliz, com uma mulher que é alcoólatra e o trai sempre que pode.
A Ray de Irene Dunne chega atrasada ao parque, não fica conhecendo a mãe dominadora de Walter, ele se casa com Corinne. A Rae de Susan Hayward chega atrasada ao aeroporto, perde o vôo em que estava Paul. O desencontro faz que com que os dois não se vejam mais – por um longo tempo.
Anos mais tarde, trabalhando em Nova York como modista junto a um costureiro famosérrimo e dono de uma grife de respeito, Dalian (Reginald Gardiner), Rae reencontra Paul por acaso, na rua. Ela continua apaixonada – mas se recusa a ter um caso com ele, ser a outra. Quer ficar longe de Paul – e Dalian, uma figura fascinante, oferece a ela a oportunidade de abrir uma loja em Roma.
O mundo é pequeno pra caramba, como diz a deliciosa canção de André Abujamra, e então não é que Rae e Paul se reencontram em Roma? Em uma sequência que demonstra o talento dos roteiristas Eleanore Griffin e William Ludwig, estão no mesmo restaurante chiquetérrimo de Roma Rae, seu velho amigo e eterno pretendente Curt (Charles Drake) e um casal de amigos e, em outra mesa, distante, Paul, a mulher dele, Liz (o papel de Vera Miles, linda e boa atriz como sempre) e um grupo de amigos. Para variar, Liz está bêbada. Levanta-se para ir ao banheiro – e leva um tombo. Naquele momento, havia mulheres bem perto dela, que correm para socorrê-la – são Rae e a amiga.
Então tá. Contentar-se em simplesmente ser a outra é uma coisa. Ser amante de um sujeito que ela ama de paixão, e só continua casado e infeliz porque a mulher bêbada não lhe dá o divórcio é outra completamente diferente. E então finalmente Rae e Paul se tornam amantes, primeiro em Roma, depois em Paris, onde ele estava então vivendo.
Uma mulher que se deu maravilhosamente bem em sua profissão, que ficou rica com seu trabalho, e está em pé de igualdade com o amante.
Sem dúvida alguma, a Rae de 1961 tem pouquíssima coisa a ver com a Ray de 1932.
Foi chocante ver uma Ray Smith tão sem luz própria
Uma rápida historinha pessoal. Meu primeiro caderninho de cinema mostra que o garoto Sérgio Vaz viu Esquina do Pecado – a versão com Susan Hayward, John Gavin e Vera Miles – no Cine Metrópole de Belo Horizonte, no dia 17/6/1962. Era, claro, a época do lançamento do filme no Brasil. E viu de novo dois anos depois, no Cine Acaiaca, em 29/4/1964 – o filme foi, portanto, relançado em Belo Horizonte, dois anos depois da estréia… Ia muito ao cinema o garoto, e via bons filmes. Naquele mês de abril de 1964 e em maio, ele viu, entre outros, Amor na Tarde e Sabrina de Billy Wilder, Sempre aos Domingos/Cybèle de Serge Bourguignon, A Princesa e o Plebeu de William Wyler e O Eclipse de Michelangelo Antonioni.
Tantas décadas depois, é claro que não me lembrava de muita, muita coisa do filme – mas lembrava das coisas básicas, em especial do fato de que a protagonista da história interpretada por Susan Hayward era uma profissional de imenso sucesso.
Assim, ao ver agora pela primeira o Back Street original de 1932, fiquei chocado com aquela Ray Smith tão absolutamente diferente, uma pessoa sem luz própria, que vive à espera dos poucos momentos em que o amante pode ir vê-la.
Uma escritora que foi também ativista pelas boas causas
É obrigatório registrar algumas informações sobre a autora do livro que Hollywood filmou três vezes.
Fannie Hurst, nascida em Hamilton, Ohio, em1889, e falecida em 1968, em Nova York, foi “uma popular romancista, dramaturga e roteirista de cinema norte-americano”, ensina a douta Encyclopaedia Britannica. “Uma escritora prolífica de romances sentimentais, ela era conhecida por seus retratos simpáticos mas rasos de mulheres de diferentes níveis sociais; vários de seus livros foram levados ao cinema, alguns com roteiro dela. O estilo exuberante de sua ficção está também em sua autobiografia, Anatomy of Me (1958). Ela trabalhou para diversas comissões do governo durante o New Deal e em 1952 foi delegada dos EUA junto à Assembléia das Nações Unidas para a Saúde Mundial em Genebra. Foi presidente do Sindicato dos Escritores em 1937 e vice-presidente de 1944 a 1937.”
Esse pequeno verbete da Britannica foi escrito enquanto Fannie Hurst ainda estava viva – a edição que tenho, que custou uma imensa fortuna, paga em prestações ao longo de anos, é de 1976. Como é fantástica a mudança do mundo com a passagem do tempo. A Wikipedia complementa – gratuitamente – o que diz minha velha e milionária Britannica, e conta que os trabalhos de Fannie Hurst “foram extremamente populares durante a era pós Primeira Guerra Mundial. Sua obra combinava temas sentimentais, românticos, com temas sociais de sua época, como os direitos das mulheres e relações raciais. Foi uma das autoras mais lidas do século XX, e durante um período, nos anos 1920, foi uma das escritoras mais bem pagas dos Estados Unidos. Apoiou ativamente várias causas sociais, incluindo o feminismo, a igualdade dos afro-americanos e os programas do New Deal” – a política do governo Franklin D. Roosevelt de investimento público de recuperação econômica e de enfrentamento da Grande Depressão, iniciado em 1933.
A Wikipedia destaca que, embora seus livros tenham perdido popularidade com o passar do tempo, e vários deles estejam fora de catálogo nos últimos anos, na sua época foram best-sellers, traduzidos em várias línguas.
Fiz uma rápida pesquisa: não achei livros de Fannie Hurst em português à venda na Livraria Cultura e na Martins Fontes. No Estante Virtual, o maravilhoso site de sebos, há algumas edições que hoje, pelo visto, estão de fato fora de catálogo.
Dos livros de Fannie Hurst saíram diversos filmes
Pois bem. Back Street deu origem a três filmes. O conto “Humoresque”, de 1919, deu origem a dois filmes, um mudo, de 1920, e outro de 1946, Humoresque, no Brasil Acordes do Coração, de Jean Negulesco, com Joan Crawford e John Garfield.
Outro conto, “Sister Act”, publicado em 1937 na revista Cosmopolitan, inspirou Quatro Filhas/Four Daughters, de Michael Curtiz, de 1938, que teve cinco indicações ao Oscar. E também Corações Enamorados/Young at Heart, de Gordon Douglas, de 1954, o único filme que reuniu Frank Sinatra e Doris Day.
Mas talvez o romance da autora mais conhecido por suas adaptações cinematográficas seja o que ela lançou logo após Back Street, Imitation of Life, de 1933. A história sobre a relação entre duas mulheres, uma branca, outra negra, foi transformada em filme imediatamente após a publicação do livro, em 1934 – e o diretor foi exatamente John M. Dahl, que havia dirigido a primeira versão de Back Street, a de 1932. As duas personagens centrais foram interpretadas por Claudette Colbert e Louise Beavers.
Da mesma maneira que Back Street teve a refilmagem luxuosa, em cores, com elenco de grandes astros em 1961, Imitação da Vida foi refeito em 1959, sob a direção de Douglas Sirk, o grande cineasta dos melodramas. O elenco tinha Lana Turner no papel que havia sido de Claudette Colbert, Juanita Moore no que havia sido de Louise Beavers. Nos papéis das filhas das duas mulheres estavam Sandra Dee e Susan Kohner. E, como o sujeito por quem Lora Meredith-Lana Turner se apaixona, John Gavin – o mesmo galã que dois anos depois faria o papel de Paul Saxon no Back Street com Susan Hayward.
Essas duas refilmagens, o Imitação da Vida 1959 e o Esquina do Pecado 1961, foram produzidos pelo mesmo sujeito, Ross Hunter. Não por coincidência, Ross Hunter foi também o produtor de outro dos grandes melodramas daquela época, anos 50 e 60, Tudo o que o Céu Permite/All That Heaven Allows (1955). E não por coincidência o filme foi dirigido por Douglas Sirk.
Melodramas. Também conhecidos como “filmes para mulheres”, ou “weepies” – filmes lacrimosos, filmes para fazer chorar.
Os de narizinho empinado que dizem gostar de “filmes de arte” e detestar “filme americano” desprezam esses filmes – mas é um gênero fascinante.
Diz o livro … ismos – Para Entender o Cinema, de Ronald Bergan, no capítulo “Melodrama”: “Como esses filmes emocionais surgiram na vigência do Código Hays, que de 1930 a 1968 ditou um rígido padrão moral aos filmes produzidos pelos estúdios, era proibido abordar de forma direta temas como desejo e transgressões sexuais, crianças nascidas fora do casamento, estupros e adultérios. Os melhores melodramas, contudo, sempre conseguiram deixar implícita uma condenação à hipocrisia da classe média.”
“Uma mulher feliz com as migalhas dadas pelo amante”
“A Universal provou que ainda havia lágrimas a se derramar por uma boa novela”, diz sobre o Back Street de 1932 o livro This Was Hollywood – The 1930’s. “Esperando, sempre esperando… nas sombras da viela… Sentindo falta do homem que ela ama… nada pedindo, nada recebendo – e ainda assim contente por sacrificar tudo por ele. POR QUÊ?’, perguntavam os cartazes. (De fato é um mistério para as audiências modernas, que ficam pensando como o rígido John Boles veio a ser visto como um irresistível conquistador em tantos filmes daquele tipo.) Irene Dunne foi emprestada pela RKO para estrelar como a paciente amante, feliz com as migalhas ocasionais da companhia que o rico banqueiro interpretado por Boles lhe dava quando seu trabalho e seu casamento permitiam. O filme confirmou Dunne como uma importante nova estrela e deu à Universal seu maior sucesso desde All Quiet on the Western Front. (Sem Novidade no Front, de 1930.) Gladys Lehman e Lynn Starling fizeram a adaptação para as telas do romance de Fannie Hurst e John M. Stahl dirigiu.”
Esse livro sobre os filmes dos anos 1930 mostra ainda que Back Street ficou em nono lugar na lista dos dez filmes escolhidos como os melhores do ano de 1932 por 368 críticos ouvidos pela publicação Film Daily. No alto da lista dos Top 10 estava Grand Hotel, talvez o primeiro filme de Hollywood a reunir um grande número de astros e estrelas.
Ahá… O livro The Universal Story desce a lenha impiedosamente no filme de 1932. Que fantástico!
“A ótima atriz Irene Dunne (emprestada pela RKO) travou uma batalha difícil em Back Street. Não apenas os diálogos (de Lynn Starling) eram ridiculamente empolados, a direção de John M. Stahl não ajudava, e a atuação do principal ator ao lado de Miss Dunne, John Boles, era um embaraço. Baseado no popular romance de Fannie Hurst (roteiro e continuidade por Gladys Lehman), essa história de um bem-sucedido banqueiro (Boles) e seu duradouro amor por uma amante da ‘sala dos fundos’ era entediante do começo ao fim, induzindo ao tédio em vez de às lágrimas.”
O mesmo livro, sobre Back Street 1961:
“Primeiro foram Irene Dunne e John Boles em 1932, depois Margaret Sullavan e Charles Boyer nove anos depois. Para a terceira e mais chic versão (assim, em francês e itálico) de Back Street, o produtor Ross Hunter continuou sua longa linha de bem montados monumentos ao escapismo, colocando Susan Hayard e o belo John Gavin como os amantes condenados pelo destino, e Vera Miles como a esposa mal-humorada e alcoólatra que se esforça para infernizar o caso do marido. O fato de que o roteiro de Eleanore Griffin e William Ludwig (baseado no romance de Fannie Hurst) tinha o ranger de artrite dos antigos melodramas não mereceu importância alguma para os clientes pagantes – especialmente as mulheres da audiência –, a maior parte dos quais respondeu favoravelmente aos vestidos suntuosos de Jean Louis, à brilhante fotografia em Eastmancolor e à direção de arte de Alexander Golitzen. Havia uma eficiente música melosa de Frank Skinner, com direção no mesmo nível de David Miller.”
Baixou Johnannes Brahms em duas produções hollywoodianas
Diacho! Este texto já está imenso até mesmo para os meus padrões, mas ainda é necessário fazer um registro. Exatamente sobre a trilha sonora da versão de 1961, assinada por Frank Skinner, o mesmo compositor que já havia feito a trilha da versão de 1941, Corações Humanos.
Sem que haja crédito algum no filme, a trilha usa o terceiro movimento da Sinfonia nº 3 de Brahms. E não é uma vez, en passant, não. O espectador ouve a melodia maravilhosa diversas, diversas vezes, ao longo da narrativa, para acentuar a tristeza daquela história de dois amantes que têm imensa dificuldade para ficar juntos.
E há aí uma coisa fantástica, quase inacreditável. Essa mesma melodia é o tema principal do filme que no Brasil teve o título de Mais Uma Vez, Adeus, em inglês é Goodbye Again e em francês Aimez-vous Brahms? É também um melodrama, passado em Paris, baseado no livro de Françoise Sagan em que a protagonista, uma mulher de meia-idade, interpretada por Ingrid Bergman, é seguidamente traída pelo marido mulherengo, interpretado por Yves Montand – e acaba tendo um caso com um garoto bem mais jovem que ela, feito por Anthony Perkins.
Fiquei me perguntando quem copiou quem ao usar exatamente a mesma peça de música erudita – Back Street ou Aimez-vous Brahms?
Vejo agora que, diacho, Aimez-vous Brahms? é exatamente de 1961! O mesmo ano deste terceiro Esquina do Pecado!
Baixou Johnannes Brahms em duas produções hollywoodianas ao mesmo tempo…
Anotação em outubro de 2024
Esquina do Pecado/Back Street
De John M. Stahl, EUA 1932
Com Irene Dunne (Ray Schmidt),
John Boles (Walter Saxel)
June Clyde (Freda Schmidt, a irmã de Ray), George Meeker (Kurt Schendler), ZaSu Pitts (Mrs. Dole), Shirley Grey (Francine), Doris Lloyd (Corinne Saxel, a mulher de Walter), William Bakewell (Richard, o filho de Walter), Arlette Duncan (Beth, a filha de Walter), Maude Turner Gordon (Mrs. Saxel Sr., a mãe de Walter), Walter Catlett (Bakeless), James Donlan (Prothero), Paul Weigel (Mr. Schmidt), Jane Darwell (Mrs. Schmidt), Robert McWade (Felix, o tio milionário)
Roteiro Gladys Lehman e Lynn Starling. Colaboraram, sem crédito,
Gene Fowler e Ben Hecht
Baseado no romance de Fannie Hurst
Fotografia Karl Freund
Montagem Milton Carruth
Casting David C. Werner
Direção de arte Charles D. Hall
Figurinos Vera Wes
Produção Carl Laemmle Jr., Universal Pictures.
P&B, 89 min (1h29)
**1/2
Lançado originalmente no Brasil como “Marido Alheio”. Título em Portugal: “A Esquina do Pecado”. Na França: “Histoire d’un Amour”. Na Itália: “La Donna Proibita”.
Esquina do Pecado/Back Street
De David Miller, EUA, 1961
Com Susan Hayward (Rae Smith),
John Gavin (Paul Saxon),
Vera Miles (Liz Saxon, a mulher de Paul), Charles Drake (Curt Stanton), Virginia Grey (Janie, a irmã de Rae), Reginald Gardiner (Dalian, o figurinista e empresário), Tammy Marihugh (Caroline Saxon, a filha de Paul e Liz), Robert Eyer (Paul Saxon, Jr., o filho de Paul e Liz), Natalie Schafer (Mrs. Evans), Doreen McLean (Miss Hatfield, a governanta de Paul e Liz), Alex Gerry (Mr. Venner, o empresário safado), Karen Norris (Mrs. Penworth), Hayden Rourke (Charley Claypole), Mary Lawrence (Marge Claypole)
Roteiro Eleanore Griffin, William Ludwig
Baseado no romance de Fannie Hurst
Fotografia Stanley Cortez
Música Frank Skinner
Montagem Milton Carruth
Direção de arte Alexander Golitzen
Figurinos Jean Louis.
Produção Ross Hunter, Ross Hunter, Ross Hunter Productions, Carrollton Inc., distribuição Universal Pictures.
(co-production)
Cor, 107 min
R, ***
Pqp que homem lindo, esse John Gavin! Meu pai tb comprou a britânica à prestação e, mais tarde, comprei a brasileira organizada pelo sobrinho do Antônio Houais, Mauro Villar. Bom te ler pq descubro esse código de Hollywood. Hoje eu estava matutando de onde vem tanta loucura no povo americano (a gente tb é muito doido). Os Quakers implantaram aquele código rígido moral que entranhou no superego,mas como ninguém é de ferro, o ID, o inconsciente tem que se manifestar de qualquer forma,por bem ou por mal. Vc não falou onde,em que canal vcs assistiram Back Street. Abraços