
(Disponível no YouTube em 5/2025.)
Brief Moment, no Brasil As Mulheres Ganham Sempre, produção da Columbia de 1933, conta a história de amor entre uma jovem e bela cantora de nightclub com o herdeiro de uma família multimilionária que se opõe durissimamente ao romance. Mas a história de amor é apenas o pretexto: a rigor, o filme é uma defesa de tese, um discurso político-social.
Lançado no auge da Grande Depressão que deixou centenas de milhares de famílias norte-americanas na miséria, o filme – com o chamariz da beleza fulgurante da estrela Carole Lombard, aos 25 aninhos – afirma que os trabalhadores são bons, dignos, respeitáveis, e os riquíssimos são dissolutos, devassos, desregrados, degenerados, sem caráter, sem dignidade.
Há dezenas e dezenas de filmes italianos, sobretudo, e também franceses com essa moral da história. Mas ver isso em um filme de Hollywood do início dos anos 30 me deixou bastante surpreso, espantado.

Os emproadíssimos pais detestam a bela namorada do filho
O filme mostra, já no início, que é um grande amor o da cantora Abby Fane (o papel de Carole Lombard) e o ricaço Rodney Deane (interpretado por Gene Raymond). Os dois são apaixonadíssimos um pelo outro, e querem se casar, viver juntos o quanto antes. Na primeira sequência do filme, Rod chega à mesa do restaurante/nightclub em que Abby está sentada, ao lado do dono do lugar, Steve Walsh (Arthur Hohl), e diz que a família está toda reunida, e é o momento certo para que a moça seja apresentada a ela.
Abby ainda teria que cantar mais uma vez naquela noite, e diz que está com medo de não ser bem recebida pela família dele, mas Rod insiste, diz que seus parentes vão adorá-la, será bem rápido, ela voltará a tempo da nova apresentação – e os dois vão até a casa dos Deanes.
A sequência em que Rod apresenta Abby à sua família na gigantesca sala de estar dos Deanes não é longa – mas fica claro que aquela gente toda detesta profundamente a idéia de o rapaz se casar com uma cantora da noite. Estavam lá os emproadíssimos pai e mãe, William (Reginald Mason) e senhora (Teresa Maxwell-Conover), a irmã, Kay (Florence Britton), seu marido, o conde francês Armand Dubois (Jameson Thomas), o irmão mais velho, um sujeito especialmente antipático, Franklin (Donald Cook), e ainda o maior amigo de Rod, Harold Sigrift (Monroe Owsley).
Todos reunidos em casa – e todos vestidos como se estivessem indo para um baile no Palácio de Buckingham.

Kay, a irmã, até tenta ser gentil com a moça, diz que a ouviu cantar, que gostou muito. Franklin, o irmão, chama Rod de lado e diz que ele está louco em pensar em se casar com “uma cantora de blues”. Rod diz que está louco, sim, por ela.
Logo que o casal se despede e sai, a sra. Deane (seu prenome sequer é citado – ela é apenas e tão somente a mulher do sr. Deane) dá o seu veredito: “Sem educação, sem elegância, nada. Nunca vi ninguém tão desconfortável”.
Na sequência seguinte, Abby Fane está cantando no palco do nightclub, acompanhada por um pianista. E não poderia haver música mais distante do blues do que aquela “Say What You Mean, and Mean What You’re Saying to Me” (por Gerald Marks-Joe Young), uma suave canção no estilo dos clássicos standards da Grande Música Americana dos Gershwin, Cole Porter, Irving Berlin – branquinha, branquinha.
Quem canta é de fato Carole Lombard. A estrela não precisou ser dublada por uma cantora profissional.
Na sequência seguinte, enquanto Abby vai para o camarim, Rod e Steve, o dono do nightclub, têm uma conversa dura. Steve confessa para o outro que está apaixonado por Abby – e os dois só não estão casados porque ela não quis. E exige que o felizardo que a moça ama a trata bem, não a decepcione nunca.
A moça quer o marido ricaço trabalhe
Abby sabe perfeitamente que os pais de Rod não gostaram nada dela, e que são contra o casamento – mas os dois se casam. Passam uma lua-de-mel de seis meses viajando pela Europa. Há diversas sequências rápidas em Paris, em uma estação de esqui nos Alpes, em Madri – e nelas o diretor David Burton, o diretor de fotografia Ted Tetzlaff e o montador Gene Milford usam e abusam da superposição de tomadas.
De volta a Nova York, o casal fica sabendo que o amigo Sigrift havia arranjado um belo apartamento para os dois, já totalmente mobiliado e com três serviçais a postos.
Mensalmente, Rod recebe do pai um cheque de US$ 40 mil para suas despesas. (O IMDb calculou que, em dinheiro de 2022, isso equivaleria a uns US$ 85 mil…)
Ela já não trabalhava mais como cantora.
Todas as noites, saíam para jantar e beber com Sigrift e amigas dele.
Não demora muito e a paciência de Abby se esgota. Diz ao marido que ele precisa parar de farrear, parar de beber – e trabalhar, ganhar dinheiro honesto pelo seu trabalho.
Não tem sentido avançar ainda mais no relato da história, mas dá para dizer que, a partir daí, as coisas entre Abby e Rod vão piorar muito.

A peça de teatro teria se inspirado em história real
A moral da história é positiva, é boa, é correta – claro, naturalmente, obviamente. Não dá para discordar.
Mas não consegui deixar de sentir que há, ao longo de toda a história, um gosto amargo, ruim, de maniqueísmo, de generalização – todo rico é mau, todo trabalhador é bom.
E as características negativas dos ricos são extremamente exageradas. A sra. Deane é antipática demais, esnobe demais. O marido, o empresário, é estúpido demais, insensível demais. Franklin, o irmão, e Sigrift, o amigo, são, os dois, os exemplares bem acabados da absoluta falta de caráter.
O roteiro foi escrito por Brian Marlow e Edith Fitzgerald, sobre a peça teatral de S.N. Behrman do mesmo título original, Brief Moment, que estreou na Broadway em novembro de 1931, menos de dois anos antes do lançamento do filme, em setembro de 1933. A peça não parece ter tido grande sucesso: foram 129 apresentações, apenas.
Samuel Nathaniel Behrman (1893–1973) foi dramaturgo, roteirista, biógrafo e colaborador da revista The New Yorker por vários anos. Era daquele tipo prolífico: escreveu 26 peças teatrais e 41 roteiros, sozinho ou com outros profissionais. Entre os filmes que roteirizou estão, para dar apenas dois exemplos, A Ponte de Waterloo (1940) e Quo Vadis (1951).

A Wikipedia registra que o filme teve boa recepção entre os críticos, na época do seu lançamento – e cita como base da afirmação o livro Carole Lombard: The Hoosier Tornado. Um crítico escreveu que era uma obra Capraesque, e, no New York Times, um outro, Mordaunt Hall, afirmou que “a platéia não consegue deixar de ter uma reação favorável” ao filme.
Apesar disso, e de ter a presença luminosa de Carole Lombard, já no auge da fama, este Brief Moment parece ter sido esquecido na poeira no tempo. Não se fala dele nos guias de Leonard Maltin, da dupla Mick Martion & Marsha Porter, nem no imenso Film Guide da revista Time Out, nem no 5001 Nights at the Movies de Pauline Kael.
Até o livro oficial sobre os filmes da Columbia, The Columbia Story, menospreza o filme – mas dá uma informação interessantíssima: diz que a peça de S. N. Behrman foi inspirada na história real do casamento da cantora Libby Holman com o magnata do tabaco Smith Reynolds!
Libby Holman (1904-1971) foi atriz de teatro, cantora, socialite e ativista; teve uma vida absolutamente rica, cheia. Nasceu em família rica, que depois perdeu tudo o que tinha. Teve grande sucesso na Broadway e diversos amantes dos dois sexos, inclusive uma herdeira da DuPont, Louisa d’Andelot Carpenter – que por sua vez teve um caso com a atriz Tallulah Bankhead.
O casamento de Libby Holman com Zachary Smith Reynolds, herdeiro da R.J. Reynolds Tobacco Company, sete anos mais novo que ela, foi tempestuoso. Ele a conheceu depois de vê-la na peça The Little Show, em abril de 1930, e passou a segui-la por onde ela fosse. Casaram-se em novembro de 1931, e em julho de 1932, após uma festa de arromba para um amigo de infância dele, Reynolds foi encontrado morto com um tiro na cabeça. Não se ficou sabendo exatamente o que aconteceu; inicialmente, a polícia concluiu que havia sido suicídio, mas o legista apontou assassinato.
Depois de ler o texto sobre Libby Holman na Wikipedia, bem longo, detalhado, duvido bastante dessa informação do livro The Columbia Story, de que a peça teatral que estreou em novembro de 1931 tenha sido inspirada na história de Libby Holman e Zachary Smith Reynolds, que se casaram exatamente naquele mesmo mês…
Mas o que acho mesmo, sem ter dúvida alguma, é que Hollywood precisava fazer um filme sobre essa mulher Libby Holman. Que vida, meu!
Bem… Carole Lombard, essa estrela de olhos de um azul profundamente fulgurante, a mais bem paga de Hollywood quando morreu em um acidente aéreo, em janeiro de 1942, aos 33 anos de idade, também merece um filme, uma série. Dela dizia o figurinista Travis Banton: “Você pode lançar um pedaço de pano em Carole Lombard, e fosse onde fosse que ele caísse, ela pareceria perfeita.”
Divônica, diria minha neta.
Anotação em maio de 2025
As Mulheres Ganham Sempre/Brief Moment
De David Burton, EUA, 1933
Com Carole Lombard (Abby Fane),
Gene Raymond (Rodney Deane)
Donald Cook (Franklin Deane, o irmão mais velho de Rod), Monroe Owsley (Harold Sigrift, o grande amigo de Rod), Arthur Hohl (Steve Walsh, o dono do nightclub), Reginald Mason (Mr. William Deane, o pai de Rod), Teresa Maxwell-Conover (Mrs. William Deane, a mãe de Rod), Florence Britton (Kay Deane, a irmã de Rod), Jameson Thomas (conde Armand Dubois, o marido de Kay), Irene Ware (Joan), Herbert Evans (Alfred), Edward LeSaint (Higgins, o chefe do escritório)
Roteiro Brian Marlow e Edith Fitzgerald
Baseado na peça teatral de S.N. Behrman
Fotografia Ted Tetzlaff
Montagem Gene Milford
Direção de arte Stephen Goosson
Figurinos Robert Kalloch
Produção Felix Young, Columbia Pictures.
P&B, 69 min (1h09)
**1/2
