(Disponível na Netflix em 4/2024.)
Noite de Verão, microssérie norueguesa de 2024, é agradável, gostosa – e linda. Tudo o que vemos na tela é deslumbrantemente belo: os atores, as atuações, o cenário.
O casal Carina e Johannes (os papéis de Pernilla August e Dennis Storhøi) convida parentes e amigos bem próximos para passar o dia do solstício de verão, o dia mais longo do ano, em sua maravilhosa casa debruçada sobre um belíssimo braço de mar. São ao todo 11 convidados – 13 pessoas juntas, no que deveria ser uma festa alegre, naquela paisagem estonteante.
Rola muita alegria na festa, sem dúvida – mas a intenção de Carina, desde o início, era mesmo anunciar para todos algo surpreendente, inesperado. E até mesmo o número de pessoas, o 13 de má fama, parece conspirar para que as coisas não corram com perfeita harmonia.
Até porque, se fosse uma festa em perfeita harmonia, qual seria o interesse em se contar em uma série como ela rolou?
Para que o respeitável público se interesse, é preciso haver drama – ou então comédia.
E então, ao longo do encontro festivo no lugar de beleza paradisíaca, vamos vendo que praticamente cada uma daquelas lindas pessoas tinha um segredo – e tudo vai sendo revelado.
Noite de Verão tem diversas qualidades, a começar da atuação mais que perfeita de todos os atores e a construção de personagens interessantes, atraentes. Mas, na minha opinião, a melhor de todas as qualidades da série é que – bem ao contrário de tantos e tantos dramas ou comédias sobre famílias um tanto disfuncionais, nesta série Midtsommernatt os segredos não são coisas absolutamente incomuns, pavorosas, horríveis, aterrorizantes.
Nada de exageros. Nada, nadica, coisa alguma. É tudo coisa natural, normal, comum, problemas cotidianos que acontecem em tantas e tantas famílias, tantos e tantos grupos de amigos.
O criador, roteirista e diretor Per-Olav Sørensen fez uma bem-vinda, bem-aventurada opção preferencial pelo que é usual, comum. Sua série fala de gente como a gente.
Bem… Gente com mais qualidade de vida do que 98% da humanidade, por viver naquela Noruega segunda colocada no IDH, o Índice de Desenvolvimento Humano, numa lista de 193 países. Mas, tirando esse detalhinho, gente como a gente, classe média seja da Suíça, do Butão, do Burundi.
A série, porém, tem um defeitinho. É pequena mais – é tão pequena quanto a esquisitice, a gravidade, a virulência dos segredos que os personagens guardavam, e que são reveladas naquele dia festivo regado a muito vinho.
São apenas cinco episódios de 30 minutos cada, o que dá 2h30 – menos que tantos e tantos filmes.
Me deixou com um gostinho de quero mais…
Os anfitriões têm algo importante a comunicar na festa
A série abre com montagem acelerada e tomadas curtas do grupo de pessoas fazendo brincadeiras no gramado de uma bela casa, diante da vista estupenda para um braço de mar – veremos depois que Carina e Johannes, os anfitriões, moram em um bairro distante do centro de Oslo. As brincadeiras são movimentadas, em geral de disputa entre dois grupos, como o cabo-de-guerra. Homens e mulheres já velhos, outros mais jovens, brincando feito crianças – minha netinha se divertiria com aqueles folguedos muito mais do que eu…
Depois do final do cabo de guerra, um belo senhor de cabelos louros e barba bem grisalha, quase inteiramente branca, chega perto da sua mulher, ainda respirando sofregamente por causa do esforço físico, e diz: – “Conte para eles. Acabe logo com isso. Arranque o curativo. Conte para eles!”
Vemos o rosto Carina-Pernilla August em close-up – o primeiro de muitos que virão ao longo da série, já que o realizador Per-Olav Sørensen não é bobo e soube aproveitar bem a presença dessa atriz fabulosa diante da câmara do diretor de fotografia Ulf Brantås. E então corta e surge na tela o letreiro “2 semanas antes”.
Johannes estava preparando a madeira do que seria, ao final do dia do solstício, uma grande fogueira, bem junto do mar que ali é calmo como uma lagoa. Carina chega, aproxima-se dele, comenta que naquele ano ficou bem grande o monte de madeira que seria queimado. E aí ela diz:- “Creio que deveríamos falar com eles.”
Johannes: – “Tudo bem. Quando?’
Carina: – “Na Noite de Verão, talvez. Estaremos todos juntos.”
Johannes: – “Tem certeza?”
Carina: – “Acho que vai ficar tudo bem. Se estamos felizes, eles também ficarão.”
Johannes: – “Hanne vai se casar em breve. Não poderíamos esperar até depois do casamento?”
Carina: – “Acho que devemos fazer isso na festa, quando todos estiverem de bom humor.”
E depois de um tempinho: – “Podemos fazer a Noite de Verão sueca este ano? As tradições norueguesas são tão… chatas…
Johannes: – “Então quer aquelas canções chatas, arenque, um bastão, todas aquelas coisas?”
Carina: – “Sim! É muito divertido! Häkan vem. Ele vai nos ajudar.”
Casamentos de pessoas de diferentes etnias
Depois dessa sequência com a conversa do casal duas semanas antes, voltamos para o dia da festa, antes da chegada dos convidados. Johannes, Carina e a filha caçula, Helena, jovem aí de uns 20 e poucos anos (o papel de Sofia Tjelta) estão concentrados nos preparativos.
Esse esquema de se voltar para algumas semanas no passado, para mostrar algo relacionado a um segredo de cada uma das pessoas reunidas no dia festivo, será usado várias, várias vezes ao longo da série. A narrativa será sempre assim: contam-se em ordem cronológica os acontecimentos do dia da festa – com, aqui e ali, flashbacks que nos mostram o que será revelado para o grupo de parentes e amigos na propriedade do casal Carina e Johannes.
Com cinco minutos do primeiro episódio, já sabemos que o casal havia combinado, duas semanas antes, fazer a revelação de alguma coisa para toda a família e para os amigos chegados no dia do solstício de verão.
A primeira a chegar é uma moça bem morena, mulata, cabelos em dreadlocks, Petronella (o papel de Maria Agwumaro). Ela nos é apresentada como filha de Johannes – e fiquei achando que era filha adotiva. Só bem mais tarde se explicita que Petronella é filha biológica de Johannes, de um casamento breve anterior à união dele com Carina, que já durava 30 anos.
Em seguida chegam Hanne (Amalia Holm), a primogênita do casal, com seu noivo, Darius (Peiman Azizpour). Os pais dele estão atrasados, avisa ele, porque foram pegar seu irmão.
Veremos que o irmão de Darius, Robert (Eirik Hallert), é filho de um casamento anterior da mãe, Jannike (Linn Skåber). Darius é filho do marido atual dela, Tabur (Kadir Talabani, ator norueguês curdo, nascido no Iraque).
Um norueguês que foi casado com uma negra, uma norueguesa casada com um curdo do Iraque. E, de resto, um norueguês, Johannes, casado com uma sueca, Carina. É muito interessante – e bom! – o cuidado que o criador da série teve de mostrar a convivência tranquila entre noruegueses e imigrantes ou descendentes de imigrantes. Bom é tudo junto e misturado – e quanto mais miscigenado, melhor!
A filha fica brava por que a mãe convidou seu ex
Robert, o irmão do noivo, e Helena, a irmã da noiva, se conheciam fazia tempos – ficamos sabendo ali pelos 8 minutos do primeiro episódio, quando ele chega com a mãe e o padrasto. A informação é importante – e confesso que não prestei atenção a ela.
Começo de filme e/ou série em que vão aparecendo diversos personagens ao mesmo tempo é sempre algo um tanto confuso. Como a gente chegar a uma festa em que só conhecemos uma ou duas pessoas…
Os pais dos noivos estão conversando quando finalmente chega o irmão mais novo de Carina, Häkam (Christopher Wollter). A dona da casa estava preocupada porque o irmão é que estava encarregado de levar o arenque, o prato principal da festança de dia inteiro, e não atendia às seguidas ligações dela. Não respondia porque, ao contrário do que se imaginava, Häkan não viajou da Suécia, onde vive, até Oslo de carro.
Viajou de barco, um belo iate, com a namorada nova – nova em todos os sentidos. Haviam se conhecido apenas um ano antes, conforme ficaremos sabendo mais tarde – e Sara (Fanny Klefelt) é uma garota de uns 25, 27 anos, quase com idade para ser filha dele. Algo que Johannes, um tipo mais conservador, acha esquisitíssimo. Bem mais adiante, acho que no quarto dos cinco episódios, Johannes perde a cabeça e acusa o cunhado de algo tipo “caçar garotinhas”.
Em uma belíssima sacada do criador da trama, veremos depois, em um flashback, que não foi Häkam que caçou a garotinha. O irmão de Carina é um tipo alegre, festeiro, sempre pronto para cantar acompanhando-se ao violão – mas foi a gatinha Sara que, na festa do solstício de verão do ano anterior, havia dado em cima do coroa bonitão.
Achei esse detalhe absolutamente delicioso.
Os últimos a chegar para a festa são um rapaz aí de uns 30 e poucos anos, Lysander (Kim Falck), e a mãe dele, uma grande amiga de Carina, Elin (Liv Bernhoft).
A chegada de Lysander deixa Hanne absolutamente surpresa, nervosa, revoltada. Ela vai reclamar com a mãe, diz que acha um absurdo a mãe não ter sequer a consultado e convidado o seu ex.
Helena diz para a mãe que o problema é que a irmã ainda não havia superado o fato de ela e Lysander terem terminado a relação.
Haverá mais coisas a serem reveladas envolvendo as duas irmãs e Darius e Lysander.
Em uma outra boa sacada do autor, há um momento em que tudo parece estar bem na festa, e Carina começa a falar para todos a respeito do que ninguém ali estava sabendo, a não ser ela mesma e Johannes – mas, naquele momento exato, Jannike, a mãe de Darius, engasga com algo que havia colocado na boca. Todos param para atendê-la – e Carina não vê mais clima para continuar. Resolve esperar uma nova oportunidade.
Só por ter Pernilla August esta microssérie já valeria a pena
Nascido em Oslo em 1963, Per-Olav Sørensen tem 18 títulos na filmografia como diretor e 12 como roteirista. Dois anos antes deste Noite de Verão, em 2022, foi o diretor e um dos três autores do argumento e do roteiro de uma série gostosa, alegre, esperançosa, Nevasca de Natal/Julestorm – e é interessante notar que as duas séries, uma passada no inverno bravo, outra no meio do verão, mostram um grande número de pessoas, ligadas por algum evento, alguma ocasião específica.
Não dá para ter idéia alguma sobre se são famosos ou não os atores escolhidos para interpretar os convidados para a festa do solstício de verão na belíssima propriedade do casal Carina e Johannes. O que fica muito claro é que são todos muito bons, sejam os mais velhos, sejam os que estão aí entre os 20 e pouco e os 30 e tantos – e que um dos talentos do diretor e autor Per-Olav Sørensen é saber como dirigir atores. É muito impressionante como todo o elenco está excelente.
Um nome, no entanto, é muito conhecido e reverenciado por cinéfilos do mundo inteiro. Pernilla August é uma daquelas atrizes que são patrimônio artístico mundial.
Woody Allen costuma nos lembrar, em entrevistas e em seus filmes, que os livros de auto-ajuda que nos perdoem, mas esforço só não basta. É preciso também ter sorte. Pernilla August é uma prova ambulante dessa verdade.
Mia Pernilla Hertzman-Ericson nasceu em 1958, em Estocolmo – o ano em que a Suécia foi derrotada em casa na final da Copa do Mundo por 5 a 2 pela Seleção brasileira, o ano em que Ingmar Bergman lançou O Rosto/Ansiktet. Era criança ainda quando começou a atuar em peças na escola e logo em seguida no teatro. Estreou no cinema aos 17 anos, em 1975. Em 1979, entrou para a Academia Nacional Sueca de Artes Dramáticas – e ainda não tinha completado os estudos ali quando veio o golpe de sorte.
Ingmar Bergman estava se preparando para realizar Fanny e Alexander, que seria lançado em 1982, o ano em que Pernilla concluiu o curso de artes dramáticas. Um dos papéis mais importantes do filme é o da criada Maj, a fogosa babá dos garotos Fanny e Alexander que se torna amante do tio deles, Gustav-Adolph. E o mestre deu o papel para Pernilla, que à época usava o nome de Pernilla Wallgren, o sobrenome da sua mãe.
Cerca de dez anos mais tarde, quando Bergman confiou ao dinamarquês Bille August a direção do filme As Melhores Intenções, com base em seu roteiro abertamente autobiográfico, indicou Pernilla para o papel principal, o de Anna Bergman, sua mãe. Pernilla ganhou o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes, e também um novo marido e um novo sobrenome. Que manteve depois de se separar de Bille August, em 1997, com quem teve duas filhas.
Pernilla colecionou 18 prêmios e outras 18 indicações – entre estas, uma ao Oscar de melhor atriz coadjuvante por Star Wars: Episódio I – A Ameaça Fantasma.
Esse filme da saga Star Wars foi o primeiro da carreira de Pernilla August falado em inglês. Ela interpreta Shmi Skywalker, a mãe de Anakin Skywalker e avó de Luke Skywalker. Consta que ela relutou um pouco em aceitar o convite de George Lucas, por temer que as platéias norte-americanas não compreendessem seu inglês. George Lucas teria dito que tudo daria certo, porque Shmi vinha de um canto da galáxia em que se falava sueco. A piada era boa – até porque os atores que interpretam Anakin e Luke, Hayden Christensen e Mark Hamill, são descendentes de suecos…
Houve momentos, enquanto a gente via os parcos e curtos cinco episódios dirigidos por Per-Olav Sørensen, em que me peguei pensando que só por exibir o rosto de Pernilla August esta microssérie Noite de Verão já seria uma boa pedida…
Anotação em abril de 2024
Noite de Verão/Midtsommernatt
De Per-Olav Sørensen, criador, diretor, Noruega, 2024
Com Pernilla August (Carina),
Dennis Storhøi (Johannes),
Amalia Holm (Hanne, a filha mais velha do casal), Sofia Tjelta (Helena, a filha mais jovem do casal), Maria Agwumaro (Petronella, a filha do primeiro casamento de Johannes), Christopher Wollter (Håkan, o irmão de Carina), Fanny Klefelt (Sara, a jovem namorada de Häkan), Peiman Azizpour (Darius, o noivo de Hanne), Kadir Talabani (Tabur, o pai de Darius), Kim Falck (Lysander, o ex de Hanne), Linn Skåber (Jannike, a mãe de Darius), Eirik Hallert (Robert, o meio-irmão de Darius), Liv Bernhoft (Elin, a mãe de Lysander), Dagny Backer Johnsen (Marianne, a colega de Helena no café), Jonas Jacobsen (Lucas, o caso de Hanne), Yngvild Støen Grotmol (a psicóloga), Axel Bøyum (Iver), Mathias Storhøi (Jørgen), Sajid Malik (médico)
Roteiro Per-Olav Sørensen (criador), Anna Fredrikke Bjerke, Sofie Forsman, Tove Forsman
Fotografia Ulf Brantås
Música Peter Bafden
Montagem Erik Thorvald Aster, Anders Bergland, Veslemøy Blokhus Langvik
Desenho de produção Kristine Wilhelmsen
Figurinos Oddfrid Ropstad
Na Netflix. Produção Janne Hjeltnes. |Magnus Ramsdalen, The Global Ensemble Drama.
Cor, cerca de 150 min (2h30)
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Título nos EUA e Reino Unido: “Midsummer Night”.
Um comentário para “Noite de Verão / Midtsommernatt”