(Disponível na Netflix em 2/2023.)
É tudo desculpa para fazer cena de luta. Uma chatice intolerável, que não termina nunca. Duas horas e 20 minutos cansativos, exaustivos, exasperantes.
Essas duas frases acima – um desabafo, muito mais do que uma avaliação – foram tudo o que consegui escrever sobre o filme logo depois que o vimos, no início de fevereiro.
E decidi que não iria escrever sobre ele para o meu site. Por pura – e monumental – preguiça.
Não é que eu não goste de escrever sobre filme ruim ou que eu achei ruim. De forma alguma. Este site tem várias longas anotações de críticas violentas, virulentas, a filmes que detestei – vários deles bastante incensados pela crítica, premiados.
No caso deste Tudo em Todo Lugar, decidi não escrever simplesmente e basicamente por preguiça mesmo.
Não entrei em sintonia com o filme – e isso às vezes acontece mesmo. Mas com este filme o que aconteceu foi algo que absolutamente não é comum. Não apenas não consegui me sintonizar com o filme como me ausentei dele. Sim, vimos até o fim, Mary e eu – mas foi como se eu tivesse voado para longe, por absoluta falta de paciência.
Hoje, umas cinco ou seis semanas depois do dia em que vimos o troço, mal me lembro dele, do que foi acontecendo na tela diante do meu nariz.
Ontem, domingo do Oscar, um pouquinho antes de começarmos a ver a chegada das pessoas ao tapete que este ano não foi mais vermelho, coloquei no Facebook um post que terminava assim: “Botei no freezer a Absolut que ganhei da minha cunhada Eneida. Pra comemorar os 10 anos de Marina e ver a festa do Oscar alegrinho e torcendo para que aquele besteirol do Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo não leve os principais prêmios”.
Pois o troço levou sete Oscars! Levou quatro dos cinco principais!
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A verdade indiscutível dos fatos, acima de qualquer tipo de opinião pessoal é que – com sete Oscars, um total de 350 prêmios, milhões e milhões e milhões de admiradores fanáticos no mundo inteiro, inclusive entre os amigos do grupo de zap de cada um de nós –, Tudo em Todo Lugar é um fenômeno da História do Cinema.
Então, um dia depois da cerimônia do Oscar 2023, me ocorreu o seguinte:
Diabo: eu tenho um site de filmes. Por que não botar um post sobre o filme no site? Muito do + de 50 Anos de Filmes – muito, ou quase tudo – é absolutamente pessoal, personalíssimo, são minhas opiniões, minhas idiossincrasias, minhas simpatias, minhas manias – e sobre Tudo em Todo Lugar não há uma anotação com as minhas opiniões pessoais, porque, por absoluta preguiça, não escrevi sobre o filme.
Mas o Luiz Zanin Oricchio escreveu no Estadão, e o Inácio Araújo escreveu na Folha! Então pronto. Está resolvido. Aí vai o post sobre o filme. O que eu penso sobre ele são aquelas três linhas lá do alto, o desabafo que fiz logo depois de ver a chatice atroz. E aí vão as opiniões de dois críticos conhecidos, respeitados, de dois dos três maiores jornais do país.
Ah, e vai também o texto da Ruth de Aquino, que O Globo publicou poucos dias depois da cerimônia do Oscar. Uma delícia. Ruth diz que achou Tudo em Todo Lugar “infantilóide, barulhento, chato, pretensioso e piegas”
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‘Tudo em Todo Lugar’ é o típico filme que produz um ruído danado e logo é esquecido
Por Luiz Zanin Oricchio, portal de O Estado de S. Paulo, 13/3/2023, 5h00
Estava no script: Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo foi o vencedor do Oscar 2023. Levou as estatuetas de melhor filme, direção e roteiro original (Daniel Kwan e Daniel Scheinert), atriz (Michelle Yeoh), montagem, ator e atriz coadjuvantes (Ke Huy Quan e Jamie Lee Curtis). Sete estatuetas. Ufa!
Ok, estava previsto. Mas nem por isso podemos nos poupar do espanto. Como é possível que obra tão mal ajambrada possa, afinal, receber tamanha consagração por parte de um coletivo (quase 10 mil votantes) de gente ligada ao cinema? Só não ganhou o famoso “big five” (filme, direção, ator, atriz, roteiro) porque não dispunha de um candidato indicado a melhor ator (o prêmio acabou ficando, merecidamente, com Brendan Fraser por A Baleia).
Então esse mix de ficção científica, comédia e melodrama familiar seria algo próximo de uma obra-prima de acordo com esses senhores e senhoras profissionais da arte cinematográfica? Bem, o tempo dirá. Porém, é possível apostar que seja um daqueles filmes que produzem um ruído danado e em seguida são esquecidos.
Imergindo o público na vertigem do metaverso, em estética Tik Tok, em ritmo de videoclipe, Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo parece um daqueles filmes-sintomas que surgem em momentos de crise como o nosso e tornam-se um sucesso involuntário. De maneira confusa, expressam um mal-estar difuso, sem conseguir compreendê-lo. Parece fruto imaturo da confusão de ideias, da rarefação mental. Obra caótica, infantilóide e de desfecho sentimental, talvez sirva como termômetro de uma época caracterizada pelo desejo de escapismo e a mais profunda desagregação cognitiva que se conhece. Que esta ocorra numa época de rápido desenvolvimento tecnológico, é um paradoxo digno de todo interesse.
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Este acima é o inicio do longo texto do Luiz Zanin Oricchio que analisa toda a premiação da Academia. A partir daí ele aborda os demais filmes que estavam na competição. A íntegra do texto está aqui: https://www.estadao.com.br/cultura/cinema/critica-tudo-em-todo-lugar-e-o-tipico-filme-que-produz-um-ruido-danado-e-logo-e-esquecido/
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Oscar embarca em canoa furada ao premiar ‘Tudo em Todo o Lugar’
Por Inácio Araujo, portal da Folha de S. Paulo, 13/3/2023, 7h00
O melhor de Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo é o princípio: lá está uma família sino-americana, cercada de problemas tanto familiares como econômicos. A lavanderia que possuem está em estado falimentar, os adultos precisam se entender com o pai da mulher, velho e paralítico, com o namoro da filha com outra garota e com um pedido de divórcio do marido. Pior, precisa se entender com a Receita Federal e suas mil e uma exigências.
Temos aí desenhado o quadro geral de um filme que toma por tema a degradação da classe média estadunidense: a decadência econômica, a falta de perspectiva para o futuro, a detestável pressão do Estado sobre as pessoas.
É um quadro plausível e não desinteressante, embora a histeria que atinge tanto personagens quanto a câmera já nos façam esperar pelo pior desde então.
O pior virá logo em seguida, na confrontação entre a burocrata da Receita e a família. O que começa por uma prestação de contas adversa à lavanderia, seja por incompreensão dos códigos da burocracia, seja por simplesmente não ter dinheiro para pagar.
É justamente ai, na culminância dos problemas econômico-afetivos da família que tudo começa desandar francamente. A sequência na Receita evolui para um humor grotesco, um pouco à maneira de Terry Gillian. A histeria se acentua, excessiva, transformando a situação dolorosa em caricatura e daí remetendo aos mil e um universos paralelos que se acotovelarão ao longo do filme. Entra em ação o multiverso, a grande novidade novidadeira com que nos acenam os Danieis autores do filme.
Temos visto universos múltiplos realmente inquietantes: basta olhar para os filmes de David Lynch, em especial o novo Twin Peaks; ou para os filmes de David Cronenberg, em especial eXistenZ, mas não só, ou para os terríveis sonhos de Hora do Pesadelo, de Wes Craven, com sua perversa capacidade de se tornarem reais.
Os de Tudo em Todo o Lugar servem a estabelecer o princípio de que a cada plano corresponda ao menos um efeito especial, que a cada meia dúzia de planos (e eles são rápidos) corresponda uma variante da ação principal. Num deles, a heroína pode ser lutadora de kung fu, em outra a filha pode aparecer como a agente do caos universal etc. Mas esse multiverso serve, basicamente, ao acúmulo (aborrecidíssimo, por sinal) de desviar a atenção do tema central, que retorna de tempos: o melodrama familiar.
Ele envolve transformações malabarísticas nos personagens, isso é certo, mas por que a jovem filha aparece como agente do caos? Porque o caos, na cabeça de sua mãe, é ela ser rebelde e, sobretudo, ter uma orientação sexual que não a satisfaz. O divórcio passa por diversas variações, conforme o universo visitado, mas ao final, ninguém duvide, tudo acabará com a família unida (e isso não é um “spoiler”: esta é a regra do melô contemporâneo.
Pode-se lamentar que uma abordagem que poderia ser realista de um drama da decadente classe média desvie para uma fantasia tola em torno de universos não só paralelos como perfeitamente fictícios, e perfeitamente descartáveis, de modo a chegar a um filme descartável, que ao acenar para certas modernidades (do multiverso à diversidade sexual e à e simpatia com imigrantes) desvia-se de um núcleo significativo.
É verdade que estamos em um ano de Oscar muito fraco, mas em anos fortes como nos fracos, nas piores como nas melhores escolhas, a premiação exprime um sentimento da comunidade hollywoodiana sobre os problemas do mundo. Ele vende alguma coisa (filmes), ao mesmo tempo em que chama a atenção para certos problemas.
O problema de Tudo em Todo Lugar… é que ele faz o gesto de suscitar questões que existem para no momento seguinte jogar o espectador no faz de conta do multiverso, temperado por umas filosofices sobre a extensão do universo, e explicitar por efeitos especiais certas inquietações contemporâneas (as transformações tecnológicas e a capacidade humana de controla-las), ao mesmo tempo em que cada um desses aspectos (e existem outros) serve essencialmente para borrar aos outros.
No fim resta o grupo de guerreiros, como em qualquer fantasia bélica. Triunfante como em qualquer fantasia. O que era problema real, enunciado no início filme, mesmo com todos os problemas, é devidamente esterilizado.
O mundo segue como é, apenas com um filme esperto a mais, ganhando um Oscar a mais. Para que problema, afinal, aponta a premiação de 2023 para os supostos melhores filmes de 2022: Hollywood está um tanto perdida no mundo inquietante que se anuncia e embarca em qualquer canoa. Esta, a deste ano, desculpe quem viu virtudes maiores neste filme, me parece bem furada.
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Campeão do Oscar é o pior filme que vi na vida até o fim
Por Ruth de Aquino, O Globo, 16/3/2023
Não saí no meio de Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo por obrigação profissional. Precisava assistir. Afinal, o filme foi o que ganhou mais estatuetas do Oscar nesta última edição. Um filme ungido por especialistas e que achei infantilóide, ridículo, barulhento, chato, escatológico, pretensioso e, no fim, piegas. Há algo errado comigo, que amo cinema de paixão, o maior entretenimento?
Vi filmes muito bons, o sueco Triângulo da Tristeza do Östlund, Os Fabelmans do Spielberg e outros. Um deles – ainda não chegou ao Brasil – foi ignorado pela Academia, Império da Luz, de Sam Mendes, com Olivia Colman esplendorosa. Conversei com um crítico que respeito, Marcelo Janot, e não me senti tão sozinha. “Esse filme Tudo em Todo Lugar é horroroso, é muito bizarro ter sido tão premiado, quando só merecia o prêmio de montagem”.
Segundo Janot, o Oscar está ficando entediante e previsível porque segue as escolhas de sindicatos do cinema. Até os bolões perderam a graça. Tudo em Todo Lugar seria uma zebra mas adquiriu uma aura cult na turma antenada. Por não ter grandes estrelas nem um orçamento de blockbuster e por focar em multiversos delirantes. Por apelar a jovens, já que o Oscar tem pavor de envelhecer. Mas não dá para comparar a boa atuação de Michelle Yeoh com a antológica Cate Blanchett em Tár.
Melhor filme, direção, atriz, roteiro original, montagem, ator e atriz coadjuvantes. Que lavada. Qual mensagem se passa a jovens cineastas? Claro que tem quem goste do filme. Fala de imigrantes chineses numa briga interminável com a Receita nos Estados Unidos, e de uma mulher que seria heroína em outros universos, mas não no cotidiano estressante de dona de lavanderia pública. O casal mora no andar de cima, a filha é gay, o avô Gong Gong é desmemoriado e claudicante. Essa é a parte boa, real e não fantasmagórica. Alguns minutos em mais de duas horas.
O resto é muito trash. A execução do filme, com seus multiversos, monstros e pobres referências cinematográficas, ofende a inteligência, nivela as platéias por baixo, tenta transformar em inovadora e modernosa uma linguagem batida, das lutas marciais. Já explorada com sofisticação por outros diretores. “O cinema de hoje, pós-pandemia”, diz Janot, “está dominado pela estética de super-herói, pelo que chamamos de filme de boneco para quem vai às salas consumir pipoca e refrigerante. Nada de platéia madura ou adulta. O que eu noto, como crítico, é uma infantilização do cinema que reflete a infantilização da sociedade”.
Hoje, basta ser superficial para encontrar acolhimento na bolha. Há uma glorificação da ignorância. Do radicalismo, do preconceito e da patrulha. Janot publicou uma imagem do filme, o plug anal, que é um portal para se transportar para outro universo. Traduzindo: o lutador marcial encaixa o rabo num troféu pontudo e ganha superpoderes. “Uma cena escalafobética. Mas teve gente no Instagram que me chamou de homofóbico só por mostrar o objeto. O cara me descascou: ‘Sua geração não entende esses filmes inclusivos’. Porque agora é assim, é o etarismo”. Você é velho e velha se tem mais de 50 anos, você é descartável, ultrapassado, não conta.
Outra tendência clara do Oscar é se penitenciar por décadas de prêmios que privilegiaram a elite branca e americana. Está certo ampliar os votantes. Está certo premiar a inclusão, as minorias. Enfim mesmo! Palmas. Mas não se encontrou um equilíbrio. Hoje, na hora de fazer um filme que aspire a um prêmio, o diretor ou o roteirista precisa preencher requisitos. Como se fosse um formulário para ir ticando. Tem mulher empoderada? Tem negro? Tem índio? Tem asiático? Tem trans? Tem homossexual? Tem pobre se vingando de rico?
Sim, o cinema é feito de mensagens, de símbolos, e também é político. Mas a sétima arte não pode se restringir ao ativismo.
Anotação e compilação em 13 e 18/3/2023
Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo/Everything Everywhere All At Once
De Dan Kwan e Daniel Scheiner, EUA, 2022.
Com Michelle Yeoh (Evelyn Wang)
e Stephanie Hsu (Joy Wang/Jobu Tupaki), Jonathan Ke Quan (Waymond Wang), James Hong (Gong Gong), Jamie Lee Curtis (Deirdre Beaubeirdra), Tallie Medel (Becky Sregor), Jenny Slate (Debbie the Dog Mom), Harry Shum Jr. (Chad)
Argumento e roteiro Dan Kwan e Daniel Scheiner
Fotografia Larkin Seiple
Música Son Lux
Montagem Paul Rogers
Casting Sarah Finn
Desenho de produção Jason Kisvarday
Figurinos Shirley Kurata
Produção Daniel Kwan, Mike Larocca, Anthony Russo, Joe Russo, Daniel Scheinert, Jonathan Wang, A24, AGBO, Hotdog Hands,
IAC Films, Ley Line Entertainment.
Cor, 240 min (2h20)
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Não vi e nem tenho vontade nenhuma de ver. A parte da sinopse que fala de multiverso já me bota sonolento. E olha que tinha Tár entre os concorrentes. Francamente.
O que que há de errado com essa premiação Oscar?? Sei q vc também tem uma filha 1 ano mais velha q a minha, uma mulher de 36 anos, sensata, com inteligência emocional e elegante. Pois minha isadora não se conformou e perguntou se o júri comeu cocô. Só pode. Uma baboseira que nem entretém. Amo baboseira q te diverte pelo memos. Comecei a ver e mudei pq não aguentei. Aí ganha Oscar! Peraí a errada sou eu, eu q não entendi, que não soube apreciar. Nada disso: é uma bosta total mesmo. Abraços, Sérgio
Sérgio, desculpe mais uma manifestação: de todos os críticos de cinema, minha identificação, minha alma gêmea era o Marcelo Janot e a Ruth (sacada de dizer trash p esse filme é otima). Isso foi antes de você. Minha emoção de ter encontrado minha alma gêmea, quando li suas críticas, fez fue, fue,fue,fue quando vc disse q não gostava do Tarantino. E olha q eu concordo com todos os péssimos adjetivos que vc lhe atribuiu. Mas a gente as vezes ama sem uma razão sensata. Agora eu sei que estamos no mesmo clube, mas gêmeos não somos kkkkkk.