O Sol Brilha na Imensidão / The Sun Shines Bright

Nota: ★★★☆

(Disponível noYouTube em 6/2023.)

O gigante John Ford fez dois filmes com o personagem William Pittman Priest: O Juiz Priest/Judge Priest, de 1934, e O Sol Brilha na Imensidão/The Sun Shines Bright, de 1953. Este aqui ele dizia ser o favorito entre seus filmes – e, diabo, isso não é pouca coisa, de jeito nenhum.

Porque John Ford é tido como o maior de todos os realizadores de Hollywood. É até hoje o cineasta com maior número de Oscars de melhor diretor – quatro, em cinco indicações –, e entre os 147 títulos que dirigiu, entre 1917 e 1965, há pelo menos uma dezena de obras-primas.

Seu filme favorito – e, no entanto, The Sun Shines Bright não é dos mais conhecidos e mais reverenciados de sua extraordinária carreira. Ele não está, por exemplo, entre os 25 filmes listados como “top takes” da obra de Ford no livro 501 Movie Directors, editado por Steven Jay Schneider. Não é destacado no verbete sobre Ford no Dicionário de Cineastas de Rubens Ewald Filho, e merece apenas uma citação de passagem, entre vários outros títulos de filmes passados no meio rural na virada do século XIX para o XX no longo verbete do livro The International Dictionary of Films and Filmakers – Directors, editado por Christopher Lyon.

Meio rural, na passagem do século XIX para o XX. Fairfield, uma cidadezinha pequenina em Kentucky, Sul Profundo, quando ainda estava muito próxima a Guerra Civil Americana (1861-1865) entre a União e os Estados rurais, escravagistas do Sul, que se rebelaram contra o fim da escravidão.

O juiz Priest e todos os seus amigos lutaram no Exército Confederado contra a União, contra os ianques. Foram derrotados, mas mantêm um imenso orgulho por ter pertencido aos Confederados; celebram sempre a memória da luta pelo Sul contra o Norte, e, sempre que possível, vestem os velhos uniformes; a bandeira confederada é visível nas paredes.

O que poderia indicar que o juiz Priest seria, então, um escravagista, supremacista, racista.

Nada mais falso. O juiz Priest é um homem honrado, um ser humano maravilhoso, um batalhador incansável pela Justiça e pelos direitos humanos, um inimigo figadal da violência, do olho-por-olho, dente-por-dente – e da hipocrisia, do falso moralismo, do que os verdadeiros cristãos chamam de fariseus.

Em pleno Sul Profundo racista e segregacionista do final do século XIX, ele convive bem com os negros; correndo imenso perigo, defende a vida de um jovem negro ameaçado de linchamento. E, mesmo com o risco de não se reeleger (é fundamental lembrar que nos Estados Unidos os juízes e os promotores dos condados são eleitos), enfrenta o conservadorismo, a caretice de boa parte da sociedade e se coloca a favor das putas!

O juiz Priest é um dos personagens mais admiráveis do cinema americano. Essa é que é a verdade dos fatos. Ele é daquela estatura moral de um Atticus Finch, o advogado de O Sol é Para Todos/To Kill a Mockinbird (1962), de um Philip Schuyler Green, o repórter de A Luz é para Todos/Gentleman’s Agreement (1947), de um Tom Joad, o sem-terra e sem teto de As Vinhas da Ira/The Grapes of Wrath (1940), de um Frank Skeffington, o veterano prefeito de pequena cidade de O Último Hurrah/The Last Hurrah (1958).

Uau! Que maravilhosa linhagem de homens íntegros, honrados, corretos, batalhadores do Bem!

Só que o juiz Priest tem algumas características bem diferentes desses grandes homens aí. Ao contrário deles, é também um bon vivant, um sujeito muitíssimo bem-humorado, alegre – e, como John Ford, adora um bom uísque.

O roteiro entrelaça três contos sobre o juiz Priest

É preciso uma sinopse, uma síntese da trama.

No IMDb, Bernard Keane sintetizou assim: “John Ford entrelaça três histórias do ‘Juiz Priest’ para formar uma exploração bem-humorada sobre honra e política em cidade pequena no Sul na época da virada do século. O juiz William Priest se envolve na revelação da real identidade de Lucy Lake, nas lembranças da Guerra Civil, impedindo um linchamento de um jovem e concorrendo à eleição com o ianque Horace K. Maydew.”

É uma boa sinopse. Mas transcrevo também a feita – com o maior capricho, com a maior atenção – no Guide des Films de Jean Tulard, assinada por Olivier Gamble:

“O juiz Priest postula um novo mandato no cargo de juiz. Ele divide seu tempo entre seus deveres de juiz, a preparação para a eleição e as reuniões de veteranos combatentes do Sul. Atuando como juiz e como homem, ele vai resolver situações que vão valer a ele a inimizade de uns, o respeito e a admiração de outros mas também o risco de perder a eleição. Ele irá até o fim com seus atos, desprezando as zombarias.”

Perfeito.

O juiz Priest é uma criação de um conterrâneo e contemporâneo seu, Irvin Shrewsbury Cobb (1876–1944), humorista, jornalista, articulista e escritor nascido numa pequena cidade do Kentucky. Diferentemente do juiz que inventou – que permaneceu lá no interiorzão do Sul Profundo –, Irvin S. Cobb mudou-se aos 28 anos para as terras dos ianques, especificamente para a maior metrópole do país, Nova York, e de lá não saiu mais. Consta que, na época em que trabalhou para o New York World, o jornal de Joseph Pulitzer, foi o repórter mais bem pago dos Estados Unidos.

Prolífico, escreveu mais de 300 contos e publicou mais de 60 livros; vários de seus trabalhos viraram filmes na época ainda do cinema mudo. O livro Old Judge Priest, reunindo vários contos com o personagem, foi publicado em 1915. O crítico Joel Chandler Harris escreveu:

“Cobb criou um Sul povoado por cidadãos honrados, charmosos excêntricos e pretos leais, subservientes, mas, nos seus melhores momentos, as histórias do Juiz Priest são dramáticas e atraentes, usando uma riqueza de detalhes reunidos com precisão para evocar um clima poderoso.”

O ator tem o tipo físico perfeito para o papel

O ator escolhido para fazer o protagonista no primeiro dos dois filmes, O Juiz Priest, foi Will Rogers, uma lenda não apenas do cinema mas da cultura americana. Jornalista, humorista, tido como um dos inventores da stand-up comedy, Will Rogers (1879-1935) teve programa de rádio transmitido para o país inteiro no final dos anos 20 e início dos anos 30. Recentemente, em 2021, a editora carioca Gryphus lançou um livro com textos de Will Rogers, boa parte deles sobre política, Políticos, Pernósticos & Lunáticos, que o sempre antenado Fred Navarro nos deu de presente. No cinema, trabalhou em 54 filmes, e foi também roteirista.

Estava com 55 anos, e tinha uma carinha ótima, sempre sorridente, bem-humorado, quando interpretou o papel título em O Juiz Priest.

Charles Winninger, o escolhido para interpretar o juiz Priest neste segundo dos dois filmes de John Ford com o personagem, era mais velho com Will Rogers no ano de lançamento, 1953: estava com 69 anos. Tinha, como seu antecessor, um ótimo tipo físico para o papel. Baixinho, atarracado, um tanto gorduchinho, tinha também o rosto simpático, sorridente, bem-humorado.

Winninger é pouco conhecido hoje, assim como todos os demais atores do filme – que, no entanto, como indica Pauline Kael em sua crítica, eram figuras respeitadas em sua época.

A trama de O Sol Brilha na Imensidão é um trabalho do roteirista Laurence Stallings, um dos dois autores do roteiro de outro filme de John Ford, Legião Invencível/She Wore a Yellow Ribbon (1949). Foi Stallings que juntou eventos que estão em três diferentes contos de Irvin S. Cobb com o juiz Priest, “The Sun Shines Bright”, “The Mob from Massac” e “The Lord Provides”.

As audiências de hoje podem se assustar bastante com o início do filme. Sem dúvida alguma, as obras têm que ser entendidas em seu contexto, o contexto da época e do lugar em que foram criadas. Não dá para julgar uma obra antiga com a métrica de hoje em dia.

Este The Sun Shines Bright não é apenas um filme de 1953, mas um filme de 1953 baseado em histórias escritas em 1915 e passadas ainda no outro século. Não se fala a data exata da ação, mas é algo ali por 1890, 1895.

Assim, por exemplo, quando bem no início da ação o protagonista acorda, vestido trajes que hoje parecem absolutamente ridículos – e incluem uma espécie de gorro de bebê –, ele berra por Jeff, seu empregado, seu serviçal. Como Jeff demora a aparecer, o juiz Priest pega uma corneta e faz um barulho danado com ela, e de vez em quando grita o nome do servo, a quem se refere como “my boy”. – “Onde estará esse menino que não serve pra nada?”, pergunta para si mesmo e para os espectadores.

O menino do juiz Priest é um homem aí de uns bons 50 anos. E o ator Stepin Fetchit interpreta esse Jeff Poindexter da maneira mais caricatural que se possa imaginar – faz umas caretas para parecer muito mais bronco do que na verdade é, e se curva para baixo a maior parte do tempo, feito um macaco.

Os ativistas da negritude de hoje vomitariam de ódio diante do personagem de Jeff Poindexter. Diriam que ele é mostrado como um autêntico escravo, e que está feliz com sua condição, o que é um absurdo total…

Como foi que o crítico falou sobre os personagens das histórias de Irvin S. Cobb? “Pretos leais, subservientes.”

Um manifesto anti-racismo, anti-segregacionismo

Sim, é verdade: Jeff é leal e subserviente a seu patrão. Mas ninguém em juízo perfeito poderia acusar o filme de John Ford de ser racista, supremacista. Muitíssimo ao contrário.

Assim, por exemplo, bem no início do filme, vemos que a jovem e bela Lucy Lee, a principal personagem feminina do filme (o papel de Arleen Whelan), dá aula para crianças negras, que a abraçam em festa quando ela surge.

E, já na primeira sequência passada no tribunal dirigido pelo juiz Priest, ele pede a um rapazinho negro levado até ali pelo pai que toque o seu banjo, para que se possa ver se ele tem algum talento. O rapaz, batizado com o excêntrico nome de U.S. Grant Woodford (Elzie Emanuel), tira um som ali mesmo, no tribunal. Logo Jeff saca de sua gaita, o próprio juiz Priest manda trazer sua corneta e os três se embalam em uma canção típica do Sul, uma Dixieland.

Uma jovem branca abraçada por um monte de crianças no interiorzão bravo do Kentucky antes da virada para o século XX. Um juiz branco tocando música com dois negros. Em um filme de 1953, inspirado em histórias escritas por volta de 1915. Meu, isso é um manifesto anti-racismo, anti-segregacionismo, anti-The Jim Crow laws!

(Eram chamadas de Jim Crow laws as leis estaduais e locais que impunham a segregação racial no Sul dos Estados Unidos, promulgadas no final do século XIX e início do século XX, e que vigoraram até 1964. Apenas em 1964, no governo de Lyndon B. Johnson, uma legislação federal acabou com esse apartheid em plena Terra do Sonho e da Democracia!)

Mais tarde, o mesmo garoto negro U.S. Grant será injustamente acusado, numa cidade vizinha, de ter abusado de uma garota – e algumas dezenas de homens tentarão linchar o rapaz. Encontrarão pela frente, firme como uma rocha, o juiz Priest.

De quebra, um panfletaço contra a hipocrisia

Mas é preciso admitir que, de fato, se o espectador não levar em consideração o contexto, vai achar que há muita coisa estranha neste The Sun Shines Bright. Estranha para dizer o mínimo.

Em especial na primeira metade, o filme tem um tom cômico, um tanto farsesco, a mil anos-luz de qualquer coisa parecida com o jeito natural com que as pessoas se comportam – com o realismo, em suma.

Também é preciso admitir – e mesmo quem reverencia John Ford como ele merece admite isso – que muitas vezes o humor do mestre dá escorregadas. Os episódios enfiados na narrativa para fazer o espectador rir muitas vezes são desamarrados, mal ajambrados, toscos – e, em vez de graça, provocam é um certo desconforto.

E ainda há no filme, para provocar estranheza quando visto hoje em dia, toda a questão da prostituição.

Fala-se de prostituição não com a absoluta clareza a que estamos todos acostumados hoje em dia – mas da maneira mais discreta possível, de uma forma até mesmo envergonhada por ter que tratar desse assunto. Da maneira com que se tratava o tema na virada do século XIX para o XX, ou em histórias escritas por volta de 1915.

O tema já aparece na primeira sequência passada no tribunal, quando estamos com apenas 12 minutos do filme. O juiz Priest se dirige ao promotor Horace K. Maydew (Milburn Stone): – “Senhor promotor, está pronto para o caso da senhora Mally Cramp? Se estiver, podemos prosseguir.”

A câmara focaliza uma mulher sentada sozinha num dos bancos de madeira da sala do tribunal, sem ninguém por perto. A mulher está vestida de preto, olhando para baixo, para o chão. (Mally Cramp é o papel de Eve March.)

O promotor Maydew responde com um discurso. Logo o espectador verá que ele vai concorrer com o próprio juiz Priest na eleição para o mandato seguinte, a ser realizada daí a poucos dias:

– “Com sua permissão… Seria muito repulsivo, para não dizer pouco ético da minha parte, representar o nobre povo do Condado de Fairfield neste caso. E Vossa Eminência está ciente, é claro, de que tenho me dedicado de corpo e alma a erradicar o vício e o crime neste condado. Uma vez que, após as eleições, provavelmente seja eu que estarei sentado nessa cadeira, eu não vou me prejudicar agindo como promotor no mesmo caso.”

O juiz Priest bate o martelo e pergunta ao funcionário qual é o caso seguinte da pauta.

Bem mais tarde haverá novas referências a Mallie Cramp, à casa de Mally Cramp. Será mostrado que ir à casa de Mally Cramp é uma terrível mancha para a reputação da pessoa. A palavra “prostituta” não é pronunciada uma única vez, nem qualquer de seus sinônimos. Mas é disso que se trata.

E o juiz Priest será o primeiro a “cidadão honesto” a enfrentar a hipocrisia, o falso moralismo de boa parte da comunidade e postar-se ao lado de Mally Cramp e das mulheres da casa dela.

É uma maravilha. O filme do mestre John Ford é um corajoso libelo anti-racismo, anti-segregacionismo – e, de quebra, um panfletaço contra a hipocrisia, o moralismo estúpido, idiota, dos fariseus que ficam falando em defesa da família, da moral, dos bons costumes.

Pauline Kael caiu de pau no filme

Leonard Maltin deu ao filme 3 estrelas em 4: “Este era o filme favorito do diretor Ford, uma picaresca refilmagem de Judge Priest com Winninger envolvido em uma disputa política em uma pequena cidade do Sul. Bela variedade de atores que Ford costumava usar em papéis típicos.”

Pauline Kael torceu o narizinho arrebitado para o filme. “John Ford volta às histórias de Irvin S. Cobb que ele havia filmado em Judge Priest, estrelando Will Rogers, em 1934. Em algum momento, Ford disse que essa refilmagem era seu filme favorito, mas ele não parece um acerto para o espectador – não como a primeira versão. Como o juiz imparcial e bem-humorado do Kentucky que defende um homem negro acusado de estupro, por volta de 1905, Charles Winninger não consegue se sair bem como Will Rogers, e os atores nunca parecem se dar bem no filme de época. Tudo está um tanto rígido e barulhento. Com um amplo elenco, incluindo Stepin Fetchit, Arleen Whelan, Clarence Muse, Russell Simpson, Milburn Stone, Slim Pickens, Mae Marsh, James Kirkwood, Dorothy Jordan, Jane Darwell, Grant Withers e Patrick Wayne. Roteiro de Laurence Stallings; música de Victor Young; fotografia de Archie Stout. Republic.”

Ahnnn… Duas observações. Tanto Maltin quanto Pauline Kael falam que é uma refilmagem de Judge Priest. Não é uma refilmagem. É, como diz o IMDb, uma sequência, uma continuação. Novas aventuras do juiz Priest. Não uma refilmagem, de forma alguma.

A segunda: não sei de onde a prima donna da crítica americana tirou que a ação se passa perto de 1905; minha sensação é de que é um pouco antes da virada de século. Mas claro que ela pode estar absolutamente certa, e eu absolutamente errado.

Acho interessante Dame Kael registrar que o filme é uma produção da Republic e que no elenco está Patrick Wayne.

A Republic Pictures Corporation era, numa bela definição da Wikipedia, um estúdio mini-major. Majors, os grandes, os maiores, eram, claro, a Metro, a Warner, a Paramount, a Fox, a Universal; a Columbia cresceu muito nos anos 30 e também foi major. Já outros estúdios, como a RKO Radio Pictures e a Republic eram importantes mas menores. Mini-majors.

Criada em 1935 por Herbert J. Yates, a Republic foi o estúdio responsável por muitos dos filmes protagonizados por John Wayne – e também por Gene Autry e Roy Rogers. E por produzir alguns filmes de baixo orçamento de John Ford – como este aqui – e por um dos grandes de Orson Welles, o Macbeth de 1948.

Amigo de John Wayne, que dirigiu em diversos filmes, inclusive algumas obras-primas – a versão americana da dupla Akira Kurosawa-Toshiro Mifune –, John Ford deu uma chance para Patrick, que faz um pequenino papel como um cadete. Patrick Wayne (1939-1999) trabalhou em diversos filmes do pai; este aqui foi o terceiro dos 76 em que atuou. Os primeiros haviam sido Rio Bravo/Rio Grande (1950) e Depois do Vendaval (1952), os dois dirigidos por John Ford, os dois estrelados por John Wayne.

“Poesia feita de fé e de amor à vida”

Este The Sun Shines BrightResplandece el Sol em espanhol – foi visto diversas vezes por um garoto mexicano que, mais tarde, mundialmente admirado como um dos grandes realizadores do cinema mundial, atribuiria ao filme a inspiração para que ele se dedicasse à arte. Alejandro G. Iñárritu, 131 prêmios, inclusive quatro Oscars, por O Regressso (2015) e Birdman (2014), afirmou em entrevista que usou o filme de Ford, especialmente sua moral e as caracterizações dos personagens, como um modelo do tipo de filme que gostaria de fazer.

A informação está na página de Trivia do IMDb sobre The Sun Shines Bright. Alguns outros itens da página, é claro que com pitacos meus:

* O ator Stepin Fetchit (1902-1985) já havia interpretado Jeff Poindexter, o “inútil menino do juiz”, em O Juiz Priest, de 1934. Reprisou o mesmo papel 19 anos depois, em um caso que, se não for o único, é um dos poucos da história do cinema… Entre um papel de Jeff Poidexter e o outro, Stepin Fetchit trabalhou, entre dezenas de títulos, em Nas Àguas do Rio/Steamboat Round the Bend (1935), também de John Ford, e E o Sangue Semeou a Terra/Bend of the River (1952), de Anthony Mann.

* A declaração de John Ford de que este aqui era o favorito entre todos os seus filmes foi dada em uma entrevista em 1968. Fazia então três anos que ele havia dirigido o último de seus 147 títulos, 7 Mulheres/7 Women.

* O cronograma original da produção era de que o filme seria rodado em 30 dias. John Ford, conhecido por ser rápido, direto, sem frescura alguma, sem muita repetição da mesma tomada, sem complicados movimentos de câmara, resolveu a parada em 28 dias.

Um detalhinho, antes de encerrar com o verbete do Guide des Films: o IMDb diz que o título brasileiro do filme é O Sol Brilha na Imensidade. O Dicionário de Cineastas, de Rubens Ewald Filho, traz o muito mais confiável O Sol Brilha na Imensidão.

Bem… Costumo dizer que a França é a pátria do cinema – e não apenas porque os irmãos Lumière foram os pioneiros, mas porque é o país mais apaixonado pelos filmes, e o país em que melhor se escreve sobre eles. Então eis o que diz o Guide do mestre Jean Tulard, em verbete assinado pelo crítico Olivier Gamble:

“Desde a primeira visão, um choque. Eis aqui o Judge Priest, envelhecido, o passo menos ágil, e exercendo a mesma profissão. Esse magistrado não hesita em defender uma causa justa e em opor uma firme resistência aos ataques repetidos do sectarismo, mesmo se arriscando a não ser reeleito. O jovem negro acusado de estupro deve ser defendido contra os linchadores, a prostituta deve ser dignamente enterrada, apesar das senhoras bem-pensantes, e os velhos combatentes sulistas devem ser respeitados e não acusados de beberrões. É admirável a cena do enterro da prostituta. No silêncio da cidadezinha, percebemos o cortejo fúnebre e ouvimos o martelar dos cascos dos cavalos, depois o juiz, sozinho, tendo à mão uma Bíblia, e depois enfim a carroça com as prostitutas cheias de dignidade. Um a um, depois em pequenos grupos, os cidadãos respeitáveis, um oficial do Norte, comerciantes, o xerife que havia jogado fora sua estrela, uma mulher e depois várias outras se juntam à procissão, sob a zombaria de algumas pessoas e sob os olhares irritados ou escandalizados dos hipócritas. O comboio é recebido por um coral de negros cantando um spiritual. O juiz lembra uma frase de Cristo, olhando para as prostitutas que haviam acolhido a morta. “Qualquer um que receba em meu nome uma criança me recebe a mim mesmo.” Depois ele lê o encontro de Cristo com a mulher adúltera. Igualmente muito bela, a última sequência mostra…”

Não preciso colocar aqui a bela descrição que o Guide faz da última sequência do filme. Seria um spoiler absurdo. Mas registro que ele dá a cotação máxima de 4 estrelas a este Le Soleil Brille pour Tout le Monde, algo raríssimo. E o verbete conclui:

… “Esta poesia do coração, esta poesia feita de fé e de amor à vida, Ford continua a nos convidar a compartilhar. ‘Há talvez um filme que gosto de rever com frequência. É The Sun Shines Bright. É realmente o meu favorito.’ São palavras do próprio John Ford.”

Anotação em junho de 2023

O Sol Brilha na Imensidão/ The Sun Shines Bright

De John Ford, EUA, 1953

Com Charles Winninger (juiz William Pittman Priest)

e Arleen Whelan (Lucy Lee Lake), John Russell (Ashby Corwin), Stepin Fetchit (Jeff Poindexter, o empregado do juiz), Russell Simpson (Dr. Lewt Lake, o médico da cidade, pai adotivo de Lucy Lee Lake), Ludwig Stossel (Herman Felsburg), Francis Ford (Feeney), Paul Hurst (sargento Jimmy Bagby), Mitchell Lewis (xerife Andy Redcliffe), Grant Withers (Buck Ramsey, o canalha), Milburn Stone (Horace K. Maydew, o promotor e candidato a juiz), Dorothy Jordan (a mãe de Lucy), Elzie Emanuel (U.S. Grant Woodford, o jovem negro), Henry O’Neill (Jody Habersham), Slim Pickens (Mink Sterling), James Kirkwood (o general Fairfield), Ernest Whitman (tio Pleasant Woodford), Trevor Bardette (Rufe Ramseur), Eve March (Mallie Cramp, a dona do bordel), Jane Darwell (Mrs. Amora Ratchitt, a grande dama da cidade), Ken Clarence Muse (tio Zach), Patrick Wayne (cadete)

Roteiro Laurence Stallings

Baseado nos contos de Irvin S. Cobb “The Sun Shines Bright”, “The Mob from Massac” e “The Lord Provides”.

Fotografia Archie Stout

Música Victor Young

Montagem Jack Murray

Direção de arte Frank Hotaling

Figurinos Adele Palmer

Produção John Ford, Merian C. Cooper, Republic

P&B, 90 min (1h30)

***

Título na França: “Le Soleil Brille Pour Tout le Monde”. Em Portugal: “O Sol Nasce Para Todos”.

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