(Disponível no HBO Max e no Now em 1/2023.)
De pai para filho, de avô para neto. Por trás da gostosa, divertida fantasia que prossegue a aventura dos caça-fantasmas dos dois filmes de imenso sucesso de 1984 e 1989, há em Ghostbusters: Mais Além uma bela elegia das relações entre as gerações, das heranças que vão passando de pai para filho, de avô para neto.
E não só na tela, na história dos dois garotos – Trevor, de 15 anos, e Phoebe, de 12 – que se mudam para o casarão de uma fazenda do interiorzão de Oklahoma pertencente ao avô que nunca haviam conhecido, e vão descobrindo que ele era um dos caça-fantasmas que haviam feito história em Nova York nos anos 80. Mas também por trás da tela: quem criou a história e dirigiu o filme foi o filho do diretor de Os Caça-Fantasmas/Ghostbusters e Os Caça-Fantasmas 2/Ghostbusters II.
“De pai pra fio, de pai pra fio”, como dizia Luiz Gonzaga, o velho Lua, ao cantar em dueto com o filho Gonzaguinha “A Vida do Viajante”: “Tá com saudade do Vovô Januário? Não se esqueça que tudo começou com ele. De pai pra fio, de pai pra fio.”
Ou “Quem puxa aos seus não degenera não, degenera não”, como dizia Walter Franco.
Em vez de degenerar, muitas vezes os filhos se revelam melhores que seus pais. A garotinha Phoebe (maravilhosamente interpretada por Mckenna Grace), que a rigor é a personagem principal de Ghostbusters: Mais Além, é sem dúvida uma pessoa muito mais inteligente, muito mais preparada para a vida do que sua mãe Callie (Carrie Coon). Talvez até mesmo mais brilhante que o avô que não conheceu, o caça-fantasmas Egon Spangler (interpretado, nos dois filmes originais, por Harold Ramis).
Jason Reitman, o diretor do filme e co-autor da história e do roteiro, ao lado de Gil Kenan, também é assim – pelo menos na minha opinião. É um diretor melhor do que seu pai, Ivan Reitman (1946-2022).
Minha opinião vale tanto quanto uma moeda furada de 2 guaranis paraguaios, mas o Reitman pai me parece mais sem ginga de corpo, mais duro, mais tosco, enquanto o filho é fino, elegante, sutil. Posso estar completamente errado, mas me pareceu até mesmo que, ao fazer este filme que, afinal, é uma homenagem ao seu pai, Jason procurou se afastar de seu próprio estilo e imitar o do pai. Eu nem saberia justificar essa opinião, explicitar exemplos que demonstrassem isso, então é besteira. Vamos em frente.
É melhor o espectador ter visto o primeiro filme…
Ahn… Para ir em frente, é necessário voltar atrás, ainda que rapidamente. Não dá para falar deste filme de 2021 sem falar dos originais.
Na história criada por Dan Aykroyd e Harold Ramis para o Caça-Fantasmas original, de 1984, três cientistas, professores lotados no Laboratório de Estudos Paranormais do Departamento de Psicologia da (fictícia) Universidade de Weaver Hall, de Nova York, dedicam-se ao estudo de fantasmas. Quando são demitidos da universidade, por essa coisa tão absolutamente comum na área de pesquisa que é o corte de verba, resolvem abrir uma empresa dedicada a… caçar fantasmas, é lógico.
Dois deles são cientistas sérios, abnegados – exatamente os interpretados pelos dois autores da história e do roteiro. O personagem de Dan Aykroyd é Ray Stantz; o de Harold Ramis, Egon Spangler, como já foi dito. O terceiro do grupo, Peter Venkman – o papel do sempre impagável Bill Murray – é um sujeito safado; a rigor, a rigor, um charlatão, porque não acredita muito naquela coisa toda de fenômenos paranormais, ectoplasmas, fantasmas. Passa a acreditar, é claro, quando o trio se vê diante de fantasmas bem reais.
A empresa dos Caça-Fantasmas se dá bem, porque o que não falta em Nova York é fantasma de todo tipo. E os Caça-Fantasmas (que ganham a adesão de mais um, Winston Zeddemore, o papel de Ernie Hudson) vão ficando famosos e cada vez mais requisitados.
A coisa toma dimensões gigantescas, inimagináveis, a partir do prédio em que mora a linda violinista Dana Barrett (o papel de Sigourney Weaver, aquela deusa). Concentra-se ali uma conspiração para trazer para a Terra o fantasma-deus Gozer. Algo por aí…
Pois bem. O que a imaginação tresloucada de Jason Reitman bolou para esta continuação, em 2021, da história iniciada em 1984, é assim:
(Juro que vou tentar fazer uma sinopse não muito longa…)
Desempregada, sem grana, Callie, mãe solteira dos dois garotos já citados, Trevor e Phoebe, é despejada da casa em que mora numa cidade grande. O despejo acontece pouco depois que a mulher fica sabendo que seu paí havia morrido e ela havia herdado a fazenda em que ele morava, no município de Summerville, uma pequenina cidade de Oklahoma. Callie não se dava com o pai, havia vários anos não o via – tanto que seus filhos não o conheciam. Sem ter outra opção, no entanto, Callie se muda para a fazenda com os dois filhos.
A casa da fazenda parece estar caindo aos pedaços. Phoebe – um geninho, um brilho, que aos 12 anos entende mais de Ciências que muito doutor da área – logo descobre que no porão há um grande laboratório. E que a fazenda está cheia de objetos estranhos – os artefatos usados pelos Caça-Fantasmas para identificar a presença dos tais seres, que os espectadores conheciam muito bem dos filmes originais.
Não há apenas um laboratório, artefatos para localizar e prender fantasmas ali na casa da fazenda do velhinho que todos em Summerville chamavam de louco, doidão. O próprio espírito do morto está por ali, e faz contato com Phoebe: joga xadrez com ela, e dá as pistas para que ela saiba como usar e consertar os artefatos.
O deus-fantasma Gozer anda por ali
Cada um dos três recém-chegados – mãe e filhos – fará contato e amizade com gente do lugar. O garotão Trevor logo se interessa por uma moça bem bonita que trabalha na lanchonete bacana de Summerville, Lucky (Celeste O’Connor). A garotinha gênio Phoebe fica amiga, além do avô invisível, de um garoto que se deu o apelido de Podcast (Logan Kim), inteligente, esperto e esquisitão que nem ela mesma. E Callie, a mãe, logo arrasta as asinhas para Grooberson (o papel de um Paul Rudd que achei irreconhecível), o professor de Ciências da escola local, ele também um cientista, um sismólogo.
Grooberson vinha estudando havia algum tempo os frequentes tremores de terra que assolam a região de Summerville. E é ele que vai contar para os dois garotos sobre os Caça-Fantasmas, que haviam sido famosíssimos em Nova York nos anos 80 e depois desapareceram do noticiário.
Àquela altura, Phoebe já havia achado o uniforme de Caça-Fantasma do avô, em que estava gravado seu nome – Egon Spangler. E Trevor já havia descoberto em um dos silos da fazenda o velho carro dos Caça-Fantasmas, com aquele logo marcante deles.
Bem. Vai que a partir daí, a partir do meio do filme, mais ou menos, Phoebe, Trevor e Podcast vão descobrindo – ao mesmo tempo em que o espectador, é claro – uma complicadérrima trama em que, para resumir bem resumidamente, uma montanha sobre uma grande mina abandonada nos arredores de Summerville funcionava – assim como o prédio de Manhattan em que vivia a violinista Dana Barrett – como o local escolhido pelo deus-fantasma Gozer para voltar à Terra e dominá-la.
Estou certo de que não será spoiler dizer que os Caça-Fantasmas originais, interpretados pelos mesmos atores, vão reaparecer em grande estilo – e põe grande estilo nisso.
Atenção: não desligue nos créditos finais!
Ah, meu, é sensacional isso – em 2021, trazer de volta para as telas os Caça-Fantasmas dos dois filmes dos anos 1980, Peter Venkman-Bill Murray, Ray Stantz-Dan Aykroyd e Winston Zeddemore-Ernie Hudson.
Bill Murray, aquela figura, estava com 71 anos em 2021, quando o filme foi lançado. Dan Aykroyd, 69. Ernie Hudson, 76.
E a criatividade da dupla Jason Reitman-Gil Kenan ainda providenciou um jeito de revermos também a secretária dos Caça-Fantasmas, Janine, o papel de Annie Potts, e também, bem rapidamente, aquele espanto de mulher que é Sigourney Weaver.
É uma absoluta delícia!
Antes dos créditos finais, vemos a dedicatória: “Para Harold”. Harold Ramis, o co-autor da história original juntamente com Dan Aykroyd, é o único dos quatro Caça-Fantasmas dos dois filmes dos anos 1980 que estava morto quando o filho do diretor Ivan Reitman dirigiu e lançou essa gostosa continuação da saga: morreu em 2014, aos 69 anos.
Ivan Reitman foi um dos produtores deste Ghostbusters: Mais Além. Morreria no ano seguinte ao do lançamento, 2022, aos 75 anos.
Ghostbusters: Mais Além. Por que raios esse título mezzo inglês, mezzo Última Flor do Lácio? Por que não Os Caça-Fantasmas: Mais Além?
Créditos finais. Uma dica para quem eventualmente chegou até aqui e ainda não viu o filme: não desligue enquanto os créditos finais – loooongos pra cacete – estão rolando. Depois dos créditos finais há mais dois minutos deliciosos, e é ali que vemos a deusa Sigourney Weaver. Linda, esplendorosa, aos 72 anos de idade. Nem parece que enfrentou (e venceu) o Alien – O 8º Passageiro.
Ghosbusters é um fenômeno cultural
Ghotbusters: Mais Além é o tipo da sequência que não tem sentido para quem não viu o começo. Mary reparou isso, assim que terminou o filme, e ela tem toda razão. Quem não viu o primeiro Ghostbusters, o de 1984, não vai curtir nem um décimo do que quem já viu o original. E aqui me permito lembrar um pouco sobre o original e o que veio depois dele.
Os Caça-Fantasmas original foi o filme de maior bilheteria no ano de seu lançamento, 1984. Custou cerca de US$ 30 milhões, e, segundo o IMDb, faturou, bruto, US$ 296 milhões. Quase dez vezes o que custou! A continuação, de 1989, Os Caça-Fantasmas 2, com a mesma equipe do primeiro, também foi um grande suce3sso. Custou US$ 25 milhões, e rendeu US$ 215 milhões.
Em 1997 foi lançada uma série de TV, uma animação, Os Novos Caça-Fantasmas, no original Extreme Ghostbusters, em que o dr. Egon Spangler aceita o desafio de ajudar um grupo de jovens estudantes a reformar a antiga empresa Caça-Fantasmas. Foram 40 episódios.
Em 2009 saiu um videogame chamado Ghostbusters, com as vozes dos incansáveis atores Bill Murray, Dan Ayroyd, Harold Ramis, Ernie Hudson e Annie Potts.
E em 2016 ainda houve não exatamente uma refilmagem, mas uma tentativa de reviver o sucesso oitentista, numa história em que os caça-fantasmas são mulheres. Ghostbusters 2016, lançado no Brasil como Caça-Fantasmas, sem o artigo definido, foi dirigido por Paul Feig e tem duas atrizes simpaticíssimas, competentes, ótimas comediantes, Melissa McCarthy e Kristen Wiig.
E agora veio este Ghostbusters: After Life.
De pai para filho.
É preciso admitir: um filme que faz um tremendo sucesso de público, provoca uma sequência logo em seguida, uma série de animação para a TV, uma espécie de refilmagem 32 anos depois, e ainda uma nova história, com a participação do grupo original de atores, 35 anos mais velhos, de fato é mais que um filme. É um fenômeno cultural.
E vem aí uma continuação!
Eu não conhecia as duas atrizes principais, Mckenna Grace e Carrie Coon. Esta última, a que faz a mãe, não me deixou entusiasmado. De Ohio, nascida em 1981, esteve em Garota Exemplar (2014), em The Post: A Guerra Secreta. Uau: já teve 47 indicações a prêmios, inclusive ao Emmy, em 2017, pela série Fargo. Legal.
Já a garota Mckenna Grace é absolutamente impressionante.
A criatura nasceu em 2006, apenas sete anos antes da minha neta. É inacreditável: entre 2013, o ano em que completou sete, e o momento em que faço esta anotação, janeiro de 2023, ela emplacou 66 títulos na sua filmografia – uns 16 a mais que Ingrid Bergman fez a vida inteira! OK, é verdade que estão ai entre esses 66 títulos vários vídeos musicais e seis obras ainda em fase de pós-produção, que ainda não haviam estreado até então.
Entre as obras de que a garotinha já participou estão a série O Conto da Aia (esteve em seis episódios em 2021 e 2022) e o filme Eu, Tonya (2017), baseada na história real da patinadora de gelo Tonya Harding – a atleta é interpretada por Mckenna entre os 8 e os 12 anos, e por Margot Robbie quando adulta.
É impressionante como há fotos dessa garota que a gente pode ver no YouTube que mostram uma loura absolutamente linda – e a atriz que vemos no papel de Phoebe, essa garotinha gênio, é uma pré-adolescente de cabelos negros e imensos óculos que no máximo é bonitinha. Quem tem esse dom de camaleão tão cedo demonstra que está pronta para ser uma grande atriz.
Vejo que um dos projetos em que Mckenna Grace está envolvida neste final de janeiro de 2023 é o (ainda) Untitled Ghostbusters Afterlife Sequel, sequência sem título de Ghostbusters Afterlife. Estava em pré-produção, mas já se sabia que o roteiro era de novo da dupla Gil Kenan-Jason Reitman – e que o filme desta vez seria dirigido por Gil Kenan.
Eis o que o IMDb antecipava como sinopse: “Depois dos eventos em Oklahoma, a equipe de Caça-Fantasmas volta para onde tudo começou, Nova York! A história da família Spengler continua, com um novo grupo de Caça-Fantasmas liderado por Winston Zeddemore (Ernie Hudson) e Ray Stantz (Dan Aykroyd).
Já faz tempo que acredito que um filme caiu no gosto do público quando o número de itens da página de Trivia do IMDb sobre ele é grande. A deste Ghostbusters: Mais Além está com nada menos de 158 itens de curiosidades, coincidências, fatos engraçados, fatos importantes, fatos sem importância alguma. Tipo isto aqui, por exemplo:
O cinema da cidadezinha de Summerville, Oklahoma, está exibindo o filme Cannibal Girls (1973), do diretor Ivan Reitman. (Esse filme, ao que tudo indica, não foi lançado comercialmente no Brasil.) Em Os Caça-Fantasmas 2, de 1989, também aparece um cinema de Nova York em que está passando Cannibal Girls.
Fiquei com preguiça de dar uma olhada nas demais curiosidades sobre Ghostbusters: Mais Além. Mas não tenho dúvida: quando chegar a continuação do filme, vou ver. Ah, se vou…
Anotação em janeiro de 2023
Ghostbusters: Mais Além/Ghostbusters: After Life
De Jason Reitman, EUA-Canadá, 2021
Com Mckenna Grace (Phoebe, a neta de 12 anos),
Finn Wolfhard (Trevor, o neto de 15 anos),
Logan Kim (Podcast, o amigo de Phoebe),
Carrie Coon (Callie, a mãe de Phoebe e Trevor), Paul Rudd (Grooberson, o cientista professor), Celeste O’Connor (Lucky, a amiga de Trevor), Bob Gunton (Egon Spengler), Shawn Seward (Skittles), Billy Bryk (Zahk), Sydney Mae Diaz (Swayze), Hannah Duke (Reseda), Bokeem Woodbine (xerife Domingo)
e, em participações especiais, Bill Murray (Peter Venkman), Dan Aykroyd (Ray Stantz), Ernie Hudson (Winston Zeddemore), Annie Potts (Janine Melnitz, a secretária dos Caça-Fantasmas), Sigourney Weaver (Dana Barrett), J.K. Simmons (Ivo Shandor, a milionário)
Argumento e roteiro Gil Kenan & Jason Reitman
Baseado nos filmes “Ghostbusters”, argumento e roteiro de Dan Aykroyd & Harold Ramis
Fotografia Eric Steelberg
Música Rob Simonsen
Montagem Dana E. Glauberman, Nathan Orloff
Casting John Papsidera, Ali Safdari
Desenho de produção François Audouy
Produção Patrice Avery, Ivan Reitman, Columbia Pictures, BRON Studios, Ghostcorps, Sony Pictures Entertainment (SPE), The Montecito Picture Company.
Cor, 124 min (2h04)
***
Olá, Sérgio
Concordo com sua visão de que as pessoas que viram os Caça-fantasmas clássicos irão aproveitar melhor a experiência, já que existe muita referência ao material original no decorrer do filme. Sobre Paul Rudd, ele está na minha opinião, sendo os personagens que interpreta nos filmes de comédia e tem muitos exemplos, os mais famosos são os da saga Homem-Formiga. Mckenna Grace é um caso à parte, ela brilha no filme, mas como vi a série Young Sheldon pego carona nela para dizer que ela incorpora um Sheldon Cooper com mais trato com as pessoas e olha que ela na série faz uma prodígio também. Já Carrie Coon recomendo que veja, caso tenha paciência, a série The Leftovers que consta na Hbo max, já está finalizada e lá ela mostra seu potencial em uma personagem cheia de camadas.
Para finalizar, gostei do filme e vejo com uma bela homenagem para várias pessoas, seja ao Ivan Reitman, ao Harold Ramis, ao elenco original da franquia ou simplesmente para os fãs que sentem a nostalgia invadir ao ver o filme.