Este The ‘Burbs, no Brasil Meus Vizinhos São um Terror, definitivamente não é um filme para todas as platéias. Boa parte das pessoas com toda certeza achará o filme bobo demais.
E não só as platéias mais, digamos, cultivadas, aquelas que torcem o narizinho arrebitado diante da expressão “filme americano”. Para dar um exemplo de dentro da minha própria casa, Mary, que gosta de quase todos os gêneros e adora uma boa comédia, achou bobo demais. Excessivamente bobo – e nem tão engraçado assim.
Já eu tenho um lado meio doido, meio avestruz: gosto de uma produção B, ou até Z; me divirto com um certo tipo de filme muito vagabundo, ou muito bobo, ou muito despretensioso.
Ri sem parar praticamente o filme inteiro.
Gosto de Joe Dante, o cara que, com pouquíssimo dinheiro, parcos recursos e bastante criatividade, fez Piranha, o original, de 1978, que vi com Regina no Cine Iperoig, na praça central de Ubatuba quando o centro de Ubatuba era menor que o de Paraty. Steven Spielberg também viu Piranha, sacou que o cara que fez aquilo tinha talento – e deu a Joe Dante a oportunidade de fazer um dos episódios de No Limite da Realidade/Twilight Zone: The Movie (1983). E logo em seguida veio o primeiro Gremlins (1984), produção executiva de Spielberg, argumento e roteiro de Chris Columbus, direção de Joe Dante.
Joe Dante poderia ser definido como um Tim Burton menos polido, mais cru
The ‘Burbs não tem a grife Steven Spielberg, nem a assinatura de Chris Columbus, que virou um expert aem cinema infanto-juvenil nos anos 80 e 90, mas tem muito do talento de Joe Dante – um talento “sujo”, não intelectualizado, anárquico, bagunceiro, às vezes abertamente ginasiano.
Me ocorreu que Joe Dante talvez pudesse ser definido como uma espécie de Tim Burton menos polido, menos trabalhado, menos caprichado, mais cru, mais bruto.
Dizia sobre ele nos anos 90 a Baseline, um banco de dados americano sobre filmes e gente de cinema: “Um dos mais amáveis autores da Hollywood Moderna, Joe Dante faz filmes de gênero e projetos para a TV espertos que são obviamente subprodutos de uma juventude passada vendo muitos filmes antigos na TV. (…) Embora muitas vezes considerado erroneamente como um protégé de Steven Spielberg, para quem dirigiu vários projetos de grande orçamento (Gremlims, 1984; Viagem Insólita, 1987; Gremlims 2: A Nova Geração, 1990), Dante na verdade tem zuas raízes nos filmes apelativos de baixo orçamento dos anos 70.”
(No original, exploitation films: um gênero de filmes apelativos, de tom mórbido e sensacionalista. Como diz a Wikipédia, “são filmes que em geral não trazem grandes astros do meio, mas contém atrativos sensacionalistas tais como efeitos especiais exagerados, sexo, violência, romance, consumo de droga, nudismo, esquisitices, sanguinolência, bizarrices, destruição, rebelião e coisas afins”.)
O filme é uma sátira arrasadora, virulenta do modo de vida dos subúrbios
The ‘Burbs, como o título original indica, trata dos subúrbios. Subúrbios no sentido americano do termo: aqueles bairros planejados, voltados para a classe média, em geral com ruas cheias de curvas, com casas que ficam parecendo todas iguais – o tema da série Weeds (2005-2012) e de vários filmes dirigidos ou produzidos pelo próprio Spielberg, como Poltergeist (1982), E.T. (também 1982), De Volta para o Futuro (1985, 1889, 1990).
Em 1962, a compositora e ativista social Malvina Reynolds compôs uma canção gozando os habitantes dos subúrbios – gente que faz tudo sempre igualzinho, de geração passando para a geração seguinte. Um amigo dela, Pete Seeger, gravou – e a canção virou um imenso sucesso que atravessou fronteiras e barreiras de língua. Nara Leão cantou a música em um dos grandes shows de que participou, agora já não me lembro mais se Opinião ou Liberdade, Liberdade. A música marcou tanto que seria usada na introdução de cada um dos episódios da série Weeds.
A gozação que Malvina Reynolds faz dos subúrbios e do povo que mora neles fica parecendo até suave, comparada com o filme que Joe Dante lançou em 1989. Meus Vizinhos são um Terror é uma sátira arrasadora, violenta, virulenta do modo de vida da classe média dos subúrbios americanos. Pega pesado, bem pesado.
Um gigantesco zoom, do planeta Terra para uma ruazinha sem saída
O filme abre com uma pequenina pérola.
É uma produção da Universal, e então temos o logotipo que a Universal usava na época, que sempre mantém a base inalterável, a Terra girando no meio da tela e o nome Universal vindo ter sobre ela.
Aí fica a Terra, sai o nome Universal, e se faz um zoom, um zoom, um zoom – em direção aos Estados Unidos, em direção a um ponto um tanto central dos Estados Unidos, e vai chegando e vai chegando e vai chegando até mostrar a planta de um subúrbio, com as ruas cheias de curvas e algumas delas sem saída, os tais cul-de-sac. E o zoom prossegue até a câmara chegar a uma dessas ruas sem saída, a Mayfield Place.
É lá que se passa toda a ação do filme.
O ator principal é Tom Hanks, e sempre é bom ver Tom Hanks, em qualquer fase da vida. Em 1989, ele acabava de sair da fase de garotão, tremendo sucesso em filmes como Splash: Uma Sereia em Minha Vida (1984), A Última Festa de Solteiro (1984) e Um Dia a Casa Cai (1986). Vendo a carinha dele hoje neste The ‘Burbs a gente acha que ele ainda era um garoto, mas já estava, naquele ano de 1989, com 33.
Foi o primeiro filme em que Tom Hanks faz o papel de pai. Ele é Ray Peterson, um sujeito que trabalha demais (o filme não se incomoda em dizer em que) e, absolutamente estressado, tira uma semana de férias. Mas está tão absolutamente acabado que não quer nem mesmo ter o trabalho de sair de casa e ir com a mulher, Carol (Carrie Fisher, gracinha, delícia, apenas 6 anos depois de O Retorno de Jedi), e o filho Dave (Cory Danziger), aí de uns 8 anos, para a pequena casa que a família tem perto de um lago.
Quer ficar em casa, sem fazer nada. Só que…
Alguns meses antes, uma estranha família havia se mudado para a casa justamente ao lado da dos Peterson. Estranha porque eles jamais saíam à rua, nunca eram vistos. E porque não cuidavam do jardim – cuidar do jardim diante da casa é um dos mandamentos fundamentais da vida dos suburbanites.
Assim, os demais vizinhos e também o próprio Ray Peterson começaram a ficar cada vez mais intrigados e curiosos.
Os vizinhos são todos figuraças. Há Walter Seznick (Gale Gordon), um velhinho que usa uma peruca grotesca e mora só com um cachorrinho pentelho que faz cocô nos jardins dos outros. Há Ricky Butler (Corey Feldman), um garotão aí de uns 17 anos, que naquela semana está sozinho em casa, os pais viajando, e acha que a melhor diversão do mundo é exatamente observar o comportamento dos vizinhos, todos meio doidos.
Mark Rumsfield (o papel de Bruce Dern) não é meio doido – é inteiramente doido, louco, pirado. Tenente do Exército agora na reserva, age como se ainda estivesse na ativa; na verdade, age como se estivesse o tempo todo lutando em plena selva do Vietnã. A mulher dele, Bonnie (Wendy Schaal), é um bibelôzinho, o protótipo da loura-burra.
E tem Art Weingartner (Rick Ducommun), que naquela semana também está sozinho, a mulher viajando. Esse Art é um comilão voraz, bobo a não mais poder, cheio de manias – e uma delas é imaginar que tudo pode ser uma grande teoria conspiratória.
Art e Mark, mais que todos os outros, mas também Ray, o nosso herói, começam a imaginar que a tal família de novos vizinhos se devota a algum tipo de magia negra. Ou são fantasmas. Ou são vampiros. Ou zumbis. Alguma coisa muito, mas muito estranha.
É Americana demais: a propensão à paranóia, a bisbilhotice…
A história criada e roteirizada por Dana Olsen contém um coquetel de elementos da mais pura Americana. O subúrbio. A propensão à paranóia. O gosto por bisbilhotar a vida dos outros.
É uma sátira, repito, absolutamente arrasadora.
Tem momentos bastante bobos mesmo. Faz parte. Mas é tremendamente engraçado.
Leonard Maltin deu 2 estrelas em 4: “Novos vizinhos estranhos deixam os moradores alvoraçados, e fazem com que compadres (assim, a palavra em espanhol) ligeiramente insanos tomem medidas extremas para saber o que afinal está acontecendo atrás das portas vedadas. Visão comicamente distorcida da vida nos subúrbios leva tempo demais para jogar com essa premissa fininha, e leva a resultados na maior parte previsíveis.”
O grande Roger Ebert também deus 2 estrelas em 4 ao filme. Ele começa sua avaliação assim:
“The ‘Burbs tenta se posicional em algum lugar entre Os Fantasmas se Divertem/Beatlejuice e Twilight Zone, mas falta a ele a demência do primeiro e a inteligência perversa do segundo, e se transforma então numa história ridícula.”
Acho que Ebert pegou pesado demais. Bem, eu ri sem parar, me diverti à beça.
Anotação em maio de 2017
Meus Vizinhos São um Terror/ The ‘Burbs
De Joe Dante, EUA, 1989
Com Tom Hanks (Ray Peterson), Bruce Dern (tenente Mark Rumsfield), Carrie Fisher (Carol Peterson), Rick Ducommun (Art Weingartner), Corey Feldman (Ricky Butler), Wendy Schaal (Bonnie Rumsfield), Henry Gibson (Dr. Werner Klopek), Brother Theodore (Reuben Klopek), Courtney Gains (Hans Klopek), Gale Gordon (Walter Seznick), Dick Miller (lixeiro), Robert Picardo (lixeiro), Cory Danziger (Dave Peterson), Franklyn Ajaye (detetive), Rance Howard (detetive)
Argumento e roteiro Dana Olsen
Fotografia Robert M. Stevens
Música Jerry Goldsmith
Montagem Marshall Harvey
Produção Universal, Imagine Entertainment.
Cor, 101 min (1h41).
**1/2
Esteve disponível na Claro Vídeo
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