Muita gente diz que Goldfinger é o melhor dos filmes de James Bond. Eu não saberia dizer: não pertenço à imensa legião de fãs de carteirinha de James Bond; devo ter visto só a metade dos 24 feitos até agora, se é que vi tantos.
Mas revimos Goldfinger agora, numa tarde em que Mary e eu estávamos querendo uma diversão leve, sem seriedade alguma – e achamos delicioso.
Quando fui ao IMDb para pegar os nomes para a ficha técnica, dei com o comentário de um leitor americano que resume com brilhantismo o que é o filme. Ele se assina ccthemovieman-1, e de cara diz que sempre achou Goldfinger o melhor filme de James Bond já produzido:
“Tem uma combinação vencedora de boa ação, drama, romance e comédia. Melhor de tudo, tem grandes personagens de que todos nós que vimos o filme pela primeira vez muitos anos atrás ainda nos lembramos. Auric Goldfinger. Oddjobb – e, é claro, Pussy Galore, um dos maiores nomes de toda a História do cinema.”
É uma avaliação simplesmente perfeita.
Auric Goldfinger (interpretado pelo alemão Gert Fröbe, que falava muito pouco inglês e foi dublado por Michael Collins) é sem dúvida uma delícia de vilão – a começar pelo nome. Aliás, os nomes dos principais personagens já são gostosas piadas. Auric já tem a ver com ouro, e goldfinger, claro, literalmente é dedo de ouro. Pois bem: Auric Goldfinger, com a cara alemoa de maus bofes e o corpanzil balofo de Gert Fröbe, é um bilionário, dono de diversas empresas legais, legítimas, e de outros negócios ilegais, como o contrabando de ouro para a Suíça.
Só lá para a segunda metade do filme o espectador ficará sabendo qual é o grande golpe que Goldfinger pretende dar – o golpe mais ousado que um super hiper big gigantesco bandidão que mexe com ouro pode ousar pensar em executar.
Mas o delicioso é que esse super hiper big gigantesco bandidão adora, nas horas vagas, ganhar uns trocadinhos no jogo, em apostas – seja um jogo de cartas, seja uma partida de golfe.
Um biliardário que tem como hobby ganhar uns trocadinhos jogando cartas – e roubando no jogo! Trapaceando!
É como James Bond – e o espectador – o vêem pela primeira vez, bem no início do filme.
No intróito, James Bond já acaba com um candidato a ditador latino-americano
Primeiro, vemos o intróito, uma das muitas características típicas dos filmes de James Bond. Antes dos créditos iniciais, há sempre uma sequência de ação – uma sequência fantástica, incrível, implausível, jamesbondiana, que, em geral, não tem nada a ver com a trama principal daquele filme. É só um introito, mesmo, uma brincadeira, uma entrada, hors d’oeuvre.
No intróito de Goldfinger, James Bond (interpretado aqui por Sean Connery, o primeiro dos vários atores que fizeram o papel) surge saindo do mar à noite, com toda aquela roupa de borracha usada por mergulhadores. Dirige-se então a uma gigantesca instalação industrial, e explode tudo. Depois, com a cara mais impassível do mundo, retira o traje de mergulho, e vemos que sob a borracha ele se vestia impecavelmente com uma dinner jacket branca. Vai a um bar-boate, onde se apresenta uma bela cantora com jeitão de latina (a atriz se chama Nadja Regin). No balcão, trava este diálogo com um sujeito que está ali:
O desconhecido: – “Parabéns”.
James Bond: – “Obrigado.”
O desconhecido: – “Mr. Ramirez e seus amigos estão fora do jogo.”
James Bond: – “Pelo menos não vão ficar usando bananas com sabor de heroína para financiar revoluções.”
Daí a pouquinho vai visitar a bela cantora cucaracha na casa dela. Enquanto a está beijando, vê nos olhos dela o reflexo de um sujeito que chega para matá-lo, vira-se para deixar a mulher receber o golpe do atacante, briga um tanto com ele, joga-o numa banheira cheia e lança sobre a banheira um objeto elétrico ligado, o que instantaneamente eletrocuta o atacante.
Deixa o local comentando alto: – “Chocante!”
E sai daquela república de bananas latino-americana para uns dias de descanso em Miami.
Entram os créditos iniciais – uma beleza de trabalho gráfico, ao som de “Goldfinger”, uma canção absolutamente horrorosa cantada com Shirley Bassey com aquele vozeirão trombeteante dela. Se o espectador conseguir não prestar atenção aos versos “Mister Goldfinger / Pretty girl, beware of this heart of gold / This heart is cold / He loves only gold”, poderá apreciar a esplêndida beleza gráfica dos créditos iniciais.
O bandidaço de coração duro que só ama o ouro adora trapacear nas cartas
E então, após os créditos iniciais, James Bond está no Fontainebleau Miami Beach, ao qual vai se referir como o mais luxuoso hotel de Miami, pago por M, seu chefe no serviço secreto britânico, quando recebe a visita de seu colega Felix Leiter (Cec Linder), da CIA. Leiter transmite a ele um recado de M: é para ele ficar de olho em Goldfinger, um bilionário que está sendo investigado tanto pela CIA quanto pelo M16.
Goldfinger, por uma grande coincidência, está hospedado ali mesmo no Fontainebleau. Aliás, justo naquele momento em que Felix Leiter fala dele para James Bond, Goldfinger está ali na área das piscinas, jogando cartas com um pobre coitado que perde sem parar.
James Bond dá uma olhadinha na mesa em que Goldfinger joga com o pobre coitado e, na tomada seguinte, está entrando num quarto do hotel bem lá em cima, de onde uma bond girl linda e gostosa, como toda bond girl, espia por um telescópio as cartas do pobre coitado lá embaixo, e conta quais são para o alemãozão através de um radinho que leva o som até um fone de ouvido na orelha direita dele.
Um bilionário que pretende em breve cometer o mais audacioso assalto de toda a história do universo mas tem prazer mesmo é em roubar no jogo de cartas!
Que delícia de personagem.
Não sei se essa característica de Mr. Goldfinger, que, segundo a canção, tem o coração frio e só ama o ouro, está no romance que Ian Fleming lançou em 1959, ou se foi uma criação da dupla de roteiristas Richard Maibaum & Paul Dehn. Mas, seja de quem for, é uma beleza de sacada.
Uma bond girl antológica, numa sequência antológica
A bond girl que cantava para Goldfinger as cartas que o adversário do bandidão tinha nas mãos se chama Jill Masterson, e é interpretada por Shirley Eaton, uma inglesinha linda nascida em 1937, que chegou a 40 títulos na sua filmografia. No ano seguinte ao do lançamento de Goldfinger, faria um dos principais papéis em E Não Sobrou Nenhum/Ten Little Indians, produção inglesa baseada no livro de Agatha Christie. Não era uma novata quando foi convidada para o papel de Jill Masterson, de forma alguma: tinha uma carreira sólida, iniciada em 1950.
Shirley Eaton, a atriz, e Jill Masterson, a personagem, têm lugar especial na galeria das bond girls. Ela é a moça que tem toda a pele pintada de dourado, e morre – na cama do Fontainebleau em que pouco antes era abraçada por James Bond – do que ele mesmo depois define com a expertise de um legista como “sufocação de pele”.
Toda a sequência é antológica, dentro do, digamos, cânone dos filmes de James Bond.
Pouco depois de surgir inopinadamente na suíte de Goldfinger, e se apresentar à gatinha que, da varanda da suíte, dava o jogo para o bandidão, James Bond está recebendo Jill Masterson em seus aposentos. Estão deitados na cama, se amassando suavemente, coisa e tal, um balde de gelo ao lado.
(Sim, estão apenas se beijando e se amassando suavemente. Não estão nus e não estão trepando. O filme é de 1964. Quem não entender o contexto não entende absolutamente nada.)
Bond vai se servir de mais um copo – e aí se levanta da cama, e caminha pela vasta suíte em direção à geladeira. Jill reclama com uma frase tipo “mas precisa mesmo disso?” – ao que Bond, James Bond, responde, com aquela voz bela, grave, sean-conneriana, dele:
– “Minha cara jovem, há algumas coisas que simplesmente não devem ser feitas, como beber Dom Pérignon ’53 acima da temperatura de 38 graus Fahrenheit. Isso é tão ruim quanto ouvir os Beatles sem tampões no ouvido.”
Tão ruim quanto ouvir os Beatles sem tampões no ouvido!
Cacete! James Bond era um caretão, um velho, um quadradão, um idiota que achava que os Beatles eram barulhentos!
Em 1964, o ano em que foram lançados os álbuns A Hard Day’s Night e Beatles for Sale, mais o filme A Hard Day’s Night, o ano em que eles emplacaram 19 discos entre os mais vendidos segundo a Billboard, James Bond achava que os Beatles eram lixo!
O castigo vem a cavalo.
Bond está abrindo a geladeira para pegar a garrafa de Dom Pérignon quando leva um golpe na cabeça e cai no chão desmaiado.
Quando acorda, completamente zonzo, vai até a cama – e vê, junto com o espectador, a cena macabra, apavorante, antológica: o corpo nu, perfeito, da jovem, inteiramente cor de ouro.
O filme é cheio de personagens e sequências fantásticas, antológicas
O sujeito que deu a porrada firme em James Bond e depois pintou todo o corpo de Jill Masterson de dourado é, ele também, uma das figuras mais fascinantes dos filmes James Bond. É o faz-tudo de Goldfinger – seu motorista, mordomo, guarda-costas e mais o que for necessário. Chama-se Oddjob – literalmente, trabalho estranho, esquisito –, e é interpretado por Harold Sakata, um ator nascido em 1920 no Havaí (onde também morreria, em 1982) que parece ter sido desenhado por um autor de graphic novels: baixinho, atarracado, parecendo um barril de bebida, e cuja silhueta é realçada por seus ternos bem apertadinhos.
Oddjob, que Goldfinger apresenta como um coreano que não fala uma palavra (e de fato ele não fala uma linha no filme inteiro), tem como principal arma seu chapéu. É um chapéu coco, como se usava na Inglaterra até os Beatles, os Rolling Stones, Mary Quant, Twiggy, Jean Shrimpton, Veruschka e outras novidades dos anos 60 revolucionarem o modo de vestir naquelas ilhotas situados à esquerda da Europa (e, de resto, no mundo inteiro), só que sua aba é de aço, um aço mais cortante que peixeira de baiano.
A sequência em que Goldfinger pede para Oddjob demonstrar seus talentos, e ele lança seu chapéu coco contra uma estátua de pedra e a degola, é outro dos momentos antológicos do filme dirigido por Guy Hamilton.
Goldfinger tem várias sequências memoráveis. A do raio laser que vai vindo em direção àquela poderosa arma que James Bond tem entre as pernas é sensacional.
O herói é amarrado, deitado sobre uma peça de metal maciço, numa das fábricas de Goldfinger, na Suíça. Braços bem amarrados, e pés bem amarrados, um pé bem longe do outro. Goldfinger diz que vai demonstrar para ele o poder de uma máquina de raio laser desenvolvida para ele por um cientista chinês.
E então a máquina começa a cortar o metal maciço sobre o qual James Bond está estendido.
Vai cortando, e se aproximando perigosissimamente do membro que, quando funciona, dá aos machos imenso orgulho e prazer (e o de James Bond aparentemente funciona o tempo todo).
A aproximação do facho de laser dos países baixos de James Bond é de fato torturante.
Dá-se aí um diálogo também antológico.
James Bond: – “Você espera que eu fale?”
Goldfinger: – “Não, Mr. Bond. Eu espero que você morra.”
O nome da moça é Pussy Galore. No Nordeste, seria Perseguida aos Montes
E, depois da exposição do pau de James Bond à cortante lâmina do raio laser, ainda temos Pussy Galore.
Pussy Galore demora bastante a aparecer. Só surge na segunda metade do filme, no jatinho particular de Goldfinger que está viajando da Suíça para os Estados Unidos, mais exatamente para Kentucky, onde se localiza Fort Knox, a sede do United States Bullion Depository, ou Depósito de Ouro do Departamento de Tesouro dos Estados Unidos da América.
Pussy é a inocentérrima palavra para gatinha, como na canção “What’s new, pussycat?”, sucesso absoluto em meados dos anos 60 na voz de Tom Jones e no filme What’s New, Pussycat?, no Brasil Que Que Há, Gatinha? (1965), uma comédia escrachada de Clive Donner que conseguiu reunir Peter Sellers, Woody Allen, Peter O’Toole, Romy Schneider e Capucine.
Mas a mesma palavrinha tão gostosa de se dizer significa xoxota.
E galore significa uma grande abundância, uma grande quantidade, um montão, um bololô.
No Nordeste brasileiro, Pussy Galore poderia se chamar Perseguida aos Montes.
O primeiro diálogo dos dois, a bordo do avião de Goldfinger, é assim:
Ele: – “Quem é você?”
Ela: – “Meu nome é Pussy Galore.”
Ele: – “Eu devo estar sonhando!”
Bem adiante, num momento em que Pussy Galore revela mais um de seus talentos, James Bond dirá para ela:
– “Você é uma mulher de muitas partes, Pussy!”
A Entertainment Weekly elegeu Pussy Galore como a segunda maior bond girl
Pussy Galore é interpretada por Honor Blackman (nas duas fotos acima), uma senhora atriz inglesa nascida em 22 de agosto de 1925 que, quando revi Goldfinger agora no final de maio de 2017, estava com gloriosos 91 anos de idade.
A Wikipedia diz que Honor Blackman é “uma das melhores e mais memoráveis bond girls de toda a franquia e das obras de Fleming” – e acrescenta a deliciosa informação de que ela foi considerada a segunda maior bond girl de todos os tempos pela revista Entertainment Weekly, atrás apenas da pioneira Honey Ryder de Ursula Andress. Ursula Andress, todo mundo se lembra, surgia de biquíni numa praia paradisíaca no primeiro filme de todos os filmes da série, Dr. No, no Brasil O Satânico Dr. No, de 1962.
A grande enciclopédia virtual acrescenta ainda a informação de Honor Blackman, que estava na época do lançamento do filme com 39 anos, foi a mais velha das dezenas de bond girls de todos os 24 filmes. Era até mesmo mais velha do que o ator que fazia James Bond – Sean Connery, nascido em 1930 em Edinburgh, na Escócia, estava portanto com 34 anos.
Era quase um caso de corrupção de menores.
Pussy Galore é o papel mais conhecido da carreira de Honor Blackman – mas a carreira dela foi muito maior e mais importante que o personagem que a tornou famosa no mundo inteiro. Ao longo de 68 anos, desde sua estréia em 1947 até uma participação em uma série da TV britânica em 2015, a atriz juntou mais de 110 títulos em seu currículo. Em 2001, fez um papel pequeno em O Diário de Bridget Jones.
Uma curiosidade é que ela foi uma das principais atrizes da série de TV britânica The Avengers, Os Vingadores, que durou de 1961 a 1969, e mais tarde daria origem a diversos filmes, inclusive o delicioso Os Vingadores/The Avengers de 1998 com Ralph Fiennes, Uma Thurman e o mesmo grande Sean Connery, e uma nova franquia iniciada com The Avengers de 2012 com Robert Downey Jr. e Scarlett Johansson.
O filme rendeu uma quantidade imensa de grana. Uma galore de dinheiro
Algumas informações básicas sobre Goldfinger – e algumas curiosidades gostosas:
* Foi o terceiro filme da série, depois do já citado O Satânico Dr. No (1962) e Moscou contra 007/From Russia With Love (1963).
* Os dois primeiros foram dirigidos por Terence Young, que faria também o quarto da série, 007 Contra a Chantagem Atômica/Thunderball. Guy Hamilton, que dirigiu Goldfinger, faria outros três, consecutivamente – os filmes de números 8, 9 e 10 da série, respectivamente Live and Let Die, The Man with the Golden Gun e The Spy Who Loved Me.
* Terceiro da série, Goldfinger foi o terceiro com Sean Connery como 007. O terceiro dos sete que o ator fez no papel do agente.
* Segundo o IMDb, Goldfinger foi, até a sua época, o filme que reuniu a maior bilheteria na época de seu lançamento, e entrou como tal no Guiness Book – the fastest grossing picture in film history.
* No total, o filme rendeu US$ 22,9 milhões de dólares, segundo o livro Box Office Hits, de Susan Sackett. O site Box Office Mojo fala em US$ 51 milhões de dólares. O IMDb também usa a cifra US$ 51 milhões, e diz que o orçamento estimado do filme foi de US$ 3 milhões. Uma das duas cifras, US$ 22,9 milhões e US$ 51 milhões, deve se referir ao número bruto, da época, e outro deve fazer a atualização monetária pela inflação. Não importa tanto. O fato é que rendeu uma dinheirama que não acaba mais. Lucro às pencas. Uma imensidade, uma galore de lucro.
* A ação do filme começa em algum lugar ao Sul do Rio Grande, algum país onde se fala espanhol (ou mexicano, como muitos personagens de filmes americanos costumam dizer), e os ditadores fazem o que bem entendem. Depois James Bond vai para Miami, depois Londres, depois para Zurique e os Alpes suíços, e da Suíça para o bravo Kentucky. Mas o escocês Sean Connery não foi obrigado a pisar, em momento nenhum, em solo ianque. Todas as cenas em que James Bond aparece nos Estados Unidos foram filmadas confortavelmente nos estúdios Pinewood, perto de Londres.
* Não que Sean Connery fosse contra pisar em solo americano. No mesmo ano de Goldfinger, 1964, foi lançado Marnie, o único filme do inglês Alfred Hitchcock em que o escocês Connery trabalhou, e foi inteiramente rodado nos Estados Unidos.
* Foi o primeiro dos filmes da série em que há a voz de um cantor/uma cantora durante os créditos iniciais. Para o filme anterior, havia sido composta uma música, com o mesmo título da fita, “From Russia With Love”, mas a gravação com Matt Monro – uma espécie assim de Agnaldo Royal da Inglaterra nos anos 60 – só aparecia no final do filme, se não estou enganado.
* A canção “Goldfinger”, aquela dos versos absurdamente ruins, música de John Barry, o compositor oficial da série, letra de Leslie Bricusse e Anthony Newley, é cantada, como já foi dito, por Shirley Bassey, a cantora galesa nascida em 1937 que foi feita Dame do British Empire em 2000. Shirley Bassey teve o privilégio de cantar três canções tema de filmes de John Bond: é o vozeirão dela que ouvimos também em 007 – Os Diamantes São Eternos (1971) e 007 Contra o Foguete da Morte (1979).
* Quem produziu a gravação de Shirley Bassey cantando “Goldfinger” foi ninguém menos que George Martin, o quinto Beatle, o cara que produziu todos os discos da banda, desde o compacto simples “Love me do”, de 1962, até o fim, em 1970. Interessante isso num filme em que o herói diz que só se pode ouvir os Beatles com protetores de ouvido.
* Não dá para saber o que os outros três, John, George e Ringo, acharam da gozação que James Bond faz dos Beatles pouco antes de ser nocauteado por Oddjob no Fontainebleau, mas Paul McCartney parece que não ligou a mínima – e na verdade achou engraçado, divertido. Em 1973, terceiro ano após a dissolução da banda, compôs a canção tema de Live and Let Die, no Brasil Com 007 Viva e Deixe Viver. Mais ainda: parece adorar a música. Em muitos dos seus shows, acho que dá para dizer que na maioria deles, canta “Live and Let Die”, em meio a uma parafernália brava de luzes que transforma a canção em um dos destaques da apresentação. Eu, pessoalmente, fã de carteirinha de Paul McCartney desde sempre, acho “Live and Let Die” um porre, uma chatice atroz, um fenomenal horror.
Para mim, Bond é um bobão que não entende de música. E, parece, nem de vinho
Ahn… Beber Dom Pérignon ’53 acima da temperatura de 38 graus Fahrenheit é algo que não deve jamais ser feito?
Há controvérsia.
38 Fahrenheit equivale a 3.3 centígrados, lembra o IMDb, e 3.3 centígrados está pouquinho acima da temperatura em que os líquidos congelam. E então o IMDb diz: a maioria dos experts de vinho recomendam entre 7 e 9 Celsius, que é entre 43 e 48 Fahrenheit. Portanto, mais alto que os 38 graus Fahrenheit citados por Bond, James Bond, como o teto.
O que, para mim, apenas comprova que a ignorância de James Bond em relação à temperatura correta de um Dom Pérignon é tão grande quanto sua ignorância em relação à música popular que se fazia em seu país.
Maltin se derrete, o Cinebooks’ se derrete, o Guide des Films elogia muito…
Leonard Maltin deu 3.5 estrelas em 4 para Goldfinger: “Divertida, empolgante aventura de James Bond, terceira da série. Cheio de gadgets engenhosos e vilões nefastos, com um clímax de deixar os cabelos em pé dentro de Fort Knox. Fröbe (Goldfinger) e Sakata (Oddjob) são vilões da tradição clássica.”
O CineBooks’ Motion Picture Guide deu 4 estrelas em 5: “De longe a melhor extravaganza de James Bond, este terceiro filme da série é provavelmente o que vai ter maior durabilidade. (…) Contém mais momentos capazes de agradar às multidões do que qualquer outro filme de Bond. A garota dourada, o chapéu voador de Oddjob, o raio laser mortal que quase corta Connery ao meio, o fantástico Astin-Martin com suas dúzias de gadgets e, é claro, a magnífica interpretação de Shirley Bassey da canção tema (que se transformou num grande sucesso) imediatamente viraram uma parte integral da mística de James Bond.”
O Guide des Films de Jean Tulard também gostou da brincadeira, embora tenha cometido um equívoco ao trocar “tinta dourada” por “de ouro”: “Terceiro James Bond cinematográfico com um Sean Connery em grande forma e uma sequência choque: a morte de uma jovem inteiramente recoberta de ouro.”
Este é um site que tem de absolutamente tudo, e faltava James Bond
Termino esta anotação com um toque absolutamente pessoal.
Como disse lá no começo do texto, não sou fã de carteirinha dos filmes de James Bond. De forma alguma.
Vi os três primeiros praticamente na época do lançamento, garotinho de tudo, em Belo Horizonte. Até comprei e li o romance Moscou Contra 007, o que deu origem ao segundo filme da série, From Russia With Love. Foi o único livro de Ian Fleming que li, e na época gostei, e adorei o filme, e fiquei absolutamente fascinado, é claro, com a beleza acachapante da bond girl da vez, a italiana Daniela Bianchi, que faz Tatiana Romanova, a moça recrutada pela KGB para seduzir o agente 007. O adolescente Sérgio Vaz, assim como os homônimos dele nas encadernações seguintes, era fascinado por tudo que dizia respeito à Rússia, da Natasha de Tolstói à Grushenka de Dostoiévski à Lara de Pasternak à Katya de Le Carré – então por que não também a Tatiana de Fleming?
Agora, velhinho, eu achava mesmo que o 50 Anos de Filmes deveria ter algum dos primeiros filmes da série James Bond, os primeiros, os com Sean Connery. Este é um site que não tem todos os filmes importantes, não tem sequer todos os filmes de que mais gosto – basta ver que não tem sequer Jules et Jim, o filme que ilustra todas as suas páginas. A única característica clara que o 50 Anos tem é que ele traz comentários sobre filmes de absolutamente todos os tipos, todos os gêneros, sem preconceito algum.
É uma absoluta mixórdia que tem muito Truffaut, muito Allen, alguns Resnais, um pouquinho de Visconti, Fellini, Bergman, Antonioni, Buñuel, Kurosawa, Ford, mas também tem porcarias feitas para adolescentes, divertissements ligeiros, terror clássico e terror descartável, bons westerns e bons musicais, muita comedinha romântica.
Tem de tudo, em suma.
E então achava que o 50 Anos tinha que ter um ou outro James Bond do começo da série.
Tempos atrás, revi os dois primeiros, Dr. No e From Russia With Love, mas na hora não me animei a escrever sobre eles.
Há poucos dias, em um sebo em Pinheiros, dei com uma caixa chamada 007 – James Bond – Ultimate Collection Volume 1. Cinco filmes, das mais variadas épocas – dois com Sean Connery, um com Roger Moore, um com Pierce Brosnan, um com Timothy Dalton. Pechinchei um tanto, toparam baixar o preço, comprei. Pensei: ah, Mary gosta mesmo de 007, então me divirto vendo um ou outro deles, faço umas 60 linhas sobre um ou outro, e com isso fecho um dos muitos buracos, dos gaps do site, que é não ter um James Bond.
Feito. Só que com um pouquinho mais de 60 linhas.
Anotação em maio de 2017
007 Contra Goldfinger/Goldfinger
De Guy Hamilton, Inglaterra, 1964.
Com Sean Connery (James Bond)
e Honor Blackman (Pussy Galore), Gert Fröbe (Auric Goldfinger), Shirley Eaton (Jill Masterson), Tania Mallet (Tilly Masterson), Harold Sakata (Oddjob), Bernard Lee (‘M’), Martin Benson (Solo), Cec Linder (Felix Leiter, o agente da CIA), Austin Willis (Simmons), Lois Maxwell (Moneypenny), Bill Nagy (Midnight), Michael Mellinger (Kisch), Peter Cranwell (Johnny), Nadja Regin (Bonita)
Roteiro Richard Maibaum & Paul Dehn
Baseado no livro de Ian Fleming
Fotografia Ted Moore
Música John Barry
Montagem Peter R. Hunt
Produção Albert R. Broccoli, Harry Saltzman, Eon Productions. DVD MGM.
Cor, 110 min (1h50)
R, ***
Não sou nada apreciador deste personagem e dos seus filmes. Creio que vi o primeiro e fiquei aborrecido. Tinha já lido romances de espionagem de John le Carré e outros e visto o filme “The Ipcress File” lembro-me bem e achei o 007 uma fantasia sem jeito nenhum. Só voltei a ver um filme destes há pouco tempo – Skyfall – porque li um comentário que me levou a pensar que seria razoável e de facto assim achei.
Impressionante, como o senhor é posicionado para comentar ou criticar um dos clássicos do cinema, tendo todas as condições para assistir e degustar as informações absolutamente à sua disposição (já que é contratado para tal) e sair dando rajadas á torto e direito em áreas que nem deveria tatear,só citando uma: Beatles, citados em frase venenosa de Bond só privilegia a modernidade do personagem, na época…. seria óbvio demais se fosse um fã do grupo de Liverpool,tendo George Martin no staff.. Abraço!