O Homem Mais Procurado / A Most Wanted Man

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3.0 out of 5.0 stars

Será bem difícil, creio, dissociar este O Homem Mais Procurado/A Most Wanted Man da expressão o último filme de Philip Seymour Hoffman.

O filme é bastante bom, tem diversas qualidades – mas a atuação extraordinária do grande ator, e o fato de ele ter morrido apenas uma semana após a première mundial (no Sundance Film Festival), vão marcar seguramente a obra.

E é impossível a gente não ficar pensando em como era jovem Philip Seymour Hoffman. Cacete: ele nasceu (em Manhattan, mais exatamente ainda no West Village, o bairro que concentra arte e boemia há muitas décadas no coração da maior metrópole americana) em 1967. Tinha ridículos 46 anos de idade. 46 anos é uma idade pequena em qualquer tipo de medida que se faça. Considerando-se a atual expectativa de vida, é um total absurdo.

Com 63 títulos na filmografia, 92 prêmios, inclusive um Oscar e um Globo de Ouro, fora mais 72 indicações, inclusive três ao Oscar e três ao Globo de ouro, poderia ter ainda décadas de vida e de consagração artistica pela frente, se não fossem as drogas, o álcool inclusive.

É também impressionante pensar que o personagem de seu último filme, o espião Gunther Bachmann, chefe de uma unidade de serviço secreto do governo alemão em Hamburgo, é um velho, um veterano, que carrega sobre os ombros o peso de muitos e muitos anos no serviço pesado, estressante, matador.

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Philip Seymour Hoffman transmite com perfeição um extremo cansaço de quem já viveu muitas décadas naquele tipo de missão que a todo momento roça com uma montanha de perigos. Gunther é competente no que faz, sabe o que quer, tem imensa autoconfiança (embora todos se lembrem que ele foi tido como o responsável por uma grande falha, anos atrás, em Beirute), tem garra, perseverança – mas, ao mesmo tempo e um tanto paradoxalmente, sente um profundo desencanto diante de tudo. Não confia nos serviços de segurança oficiais e visíveis aos olhos de todos – os outros braços do próprio governo para o qual trabalha. Não confia nos outros departamentos, não confia nos aliados americanos.

E o ator passa toda essa grande gama de emoções, vivências, experiências, com as expressões faciais, é claro, mas também com todo a postura corporal. Estava grande, corpulento, envelhecido – tinha 46 ridículos anos, e aparentava ter uns 70!

O filme se baseia no 21º romance de John Le Carré, mais uma vez passado na Alemanha

A Most Wanted Man, uma co-produção Inglaterra-EUA-Alemanha lançada em 2014, dirigida pelo holandês Anton Corbijn, se baseia no romance homônimo de John Le Carré publicado em 2008. Foi o 21º romance do autor, já há muitos anos um dos mais admirados e respeitados autores de histórias de espionagem.

Le Carré – cujo nome de batismo é David John Moore Cornwell – trabalhou para os serviços de inteligência britânicos nos anos 1950 e 1960, durante o auge da Guerra Fria, em Berlim e também em Hamburgo. Estava trabalhando em Berlim quando o Muro começou a ser construído, em 1961.

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Muitos de seus livros – como O Espião Que Veio do Frio, imenso sucesso logo após seu lançamento em 1963, filmado por Martin Ritt, com Richard Burton no papel central – se passam na Alemanha. E tinha tudo a ver, já que a Alemanha, dividida em duas metades após a vitória dos aliados sobre o regime nazista em 1945, uma metada capitalista, a outra comunista, foi como que o epicentro da Guerra Fria.

É fascinante que agora, em pleno século XXI, a União Soviética extinta, o comunismo existindo apenas em países periféricos, remotos, pouco importantes, Cuba e Coréia do Norte (já que na China há capitalismo de estado, e comunismo é só no nome), John Le Carré mantenha a Alemanha como base de suas histórias de espionagem.

O comunismo acabou: a grande questão hoje não é mais a possibilidade de uma guerra nuclear Ocidente capitalista x União Soviética comunista, e sim o terrorismo dos radicais muçulmanos.

O Homem Mais Procurado começa com um letreiro para contextualizar um pouco as coisas para o espectador: – “Em 2001, Mohammad Atta concebeu e planejou os ataques de 9/11 na cidade portuária de Hamburgo, Alemanha. Falhas de inteligência e rivalidades interdepartamentais permitiram que ele e seu grupo preparassem os ataques sem serem descobertos. Hoje Hamburgo continua uma cidade em extrema alerta, o foco de serviços de inteligência tanto da Alemanha quanto internacionais, determinados a não repetir os erros de 2001”.

A divisão antiterrorismo de Gunther está interessada em pegar os peixes graúdos

A partir dessa colocação baseada em fatos reais, Le Carré cria sua ficção.

Chega a Hamburgo, vindo da Turquia, um rapaz filho de mãe chechena e pai russo, Issa Karpov (Grigoriy Dobrygin, na foto abaixo). Ele se tem como um muçulmano religiosíssimo, mas os registros da pequena divisão antiterrorismo chefiada por Gunther Bachmann o têm como radical jihadista perigoso. Os homens de Gunther passam a vigiá-lo.

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Issa Karpov conseguirá se esconder na casa de uma família muçulmana, que chama para ajudá-lo uma jovem advogada ligada a uma ONG de esquerda que trabalha para estrangeiros em situação irregular, Annabel Richter (o papel de Rachel McAdams, na foto acima). A Annabel, Issa Karpov diz que gostaria de falar com o banqueiro Tommy Brue (o papel de Willem Dafoe). Seu pai, o russo Karpov, era general da extinta União Soviética, e tinha feito muitos negócios com o pai de Brue.

Veremos que, no passado, o general russo e o banqueiro pai do atual haviam lavado imensas fortunas de dinheiro ilegal. Algo que corresponderia hoje a dez milhões de euros. Para provar isso, Issa Karpov traz uma carta assinada pelo pai do atual banqueiro, dirigida ao general russo pai dele.

Gunther quer que a sua unidade secreta vigie os passos de Issa Karpov, porque, caso ele fosse mesmo um terrorista, poderia levá-los até peixes mais graúdos, figuras mais importantes ligadas à al-Kaeda.

Entre os peixes graúdos que Gunther e sua unidade seguem está Faisal Abdullah (Homayoun Ershadi), um religioso muçulmano radicado na Alemanha que se mostra absolutamente moderado e contra os radicais e os terroristas. Gunther, no entanto, suspeita que, sob a pele de cordeiro de Abdullah, haja um perigosíssimo financiador da al-Qaeda.

O problema – é o que o filme mostra – é que sempre há a parte mais burra do Estado, o lado mais brutamontes. Gunther é um espião, um homem formado na coisa da inteligência. Quer obter as informações da forma mais ágil e mais completa possível – o que, em geral, evita os métodos violentos, as ações à la Swat.  Os órgãos do Ministério da Justiça, a Polícia oficial, essa é troglodita. É sempre assim.

Na verdade, essa é a moral de muitas das histórias criadas por John Le Carré. Há, nas agências de inteligência britânicas, os agentes dedicados, inteligentes, bem intencionados – mas sobre a ação deles sempre costuma passar, como uma macadame, o lado brutamontes, o lado troglodita dos aparelhos do Estado. É o que mostra, por exemplo, O Espião Que Sabia Demais/Tinker Tailor Soldier Spy, livro de 1974 transformado em belo filme em 2011.

O filme é bom, a moral é forte, importante, o elenco está todo muito bem

O IMDb traz uma afirmação de que a história de O Homem Mais Procurado não é pura ficção. Segundo afirma o site enciclopédio, a novela se baseou em episódios envolvendo Murat Kurnaz, um muçulmano turco que residia legalmente na Alemanha, foi preso no Paquistão no final de 2001 e, com a aquiescência do governo alemão, levado para uma base militar americana em Kandahar, no Afeganistão, e depois para o campo de prisioneiros de Guantánamo, em Cuba, onde ficou durante cinco anos.

A Most Wanted Man

O campo de Guantánamo é mencionado no filme, numa conversa entre Gunther Bachmann e a americana Martha Sullivan, uma alta funcionária da CIA que, segundo mostra o filme, dá ordens nas autoridades de segurança da Alemanha. Martha é interpretada por uma Robin Wright de cabelos bem curtos, como ela aparece na série House of Cards, só que aqui ela os tem tingido de preto.

Não é um papel grande – mas é muito importante. Robin Wright está muito bem. A rigor, todo o elenco está muito bem.

Dois grandes atores alemães fazem papéis pequenos, ambos como membros da pequena equipe antiterrorism chefiada por Gunther Bachmann. Nina Hoss – a extraordinária atriz do belíssimo Barbara (2012) interpreta Nina Frey, braço direito de Gunther. Daniel Brühl, esse ótimo ator mezzo tedesco, mezzo catalão que parece fazer cinco filmes por ano, interpreta Maximiliam, outro dos craques do time.

Essa moça Rachel McAdams, que tem tido bons papéis em filmes importantes, está ótima como a moça rica que virou advogada dos humilhados e ofendidos para contestar o pai juiz.

Mas o filme é sobretudo Philip Seymour Hoffman. Mais que a intricada história, mais que a moral da história forte, importante, o que mais brilha é esse ator excepcional que a droga levou embora cedo demais.

Anotação em março de 2015

O Homem Mais Procurado/A Most Wanted Man

De Anton Corbijn, Inglaterra-EUA-Alemanha, 2014.

Com Philip Seymour Hoffman (Gunter Bachmann), Rachel McAdams (Annabel Richter), Grigoriy Dobrygin (Issa Karpov), Willem Dafoe (Tommy Brue), Robin Wright (Martha Sullivan), Homayoun Ershadi (Faisal Abdullah), Nina Hoss (Irna Frey), Franz Hartwig (Karl), Daniel Brühl (Maximilian), Rainer Bock (Dieter Mohr)

Roteiro Andrew Bovell

Baseado no romance de John Le Carré

Fotografia Benoît Delhomme

Música Herbert Grönemeyer

Montagem Claire Simpson

Produção Lionsgate, Film4, Demarest Films, FilmNation Entertainment, Senator Film Produktion. DVD Paris Filmes

Cor, 122 min

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4 Comentários para “O Homem Mais Procurado / A Most Wanted Man”

  1. Sergio, sou fã de Philip Seymour Hoffman. Como muitos, claro. É o que você relatou no parágrafo final. Ele deixou um personagem com a sua cara neste filme. É o mérito do filme. Consegue transmitir um peso nas costas que talvez estivesse vivendo fora de estúdio, na vida pessoal. Nunca se saberá. Mas fica para a posteridade mais uma interpretação de primeira dele.

    Achei o filme um tanto sem ação, apesar de uma boa história intrincada.

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