Magia ao Luar / Magic in the Moonlight

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4.0 out of 5.0 stars

Se somos só nós, neste universo tão absurdamente grande – 400 bilhões de estrelas só na nossa galáxia –, parece um tremendo desperdício de espaço.

Essa idéia – a base de Contato (1997), belo filme de Robert Zemeckis baseado em novela do astrônomo Carl Sagan – tem muito a ver, acho eu, com o que Woody Allen diz em Magia ao Luar/Magic in the Moonlight, seu filme de 2014, uma absoluta delícia, uma obra-prima.
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Ao fim dos 97 minutos de puro encantamento e belo cinema, o que Woody Allen – o cineasta mais preocupado com as grandes questões metafísicas da História do cinema depois de seu mestre Ingmar Bergman –,  parece querer dizer é bem parecido. É algo assim:

Se for só isso que a gente vê, cheira, apalpa, ouve, se for só o que a racionalidade mais fria e objetiva aponta, se não há mais nada além deste mundo material aqui, então é tudo muito pobre – e chato.

Seria muito melhor se tivesse algo mais, algo maior, algo que não podemos sentir com nossos parcos cinco sentidos. Seria bem mais divertido.

Que seja esta a moral de uma história em que o protagonista é um mágico, e um mágico absolutamente descrente de qualquer coisa que não seja material e lógico, aí é para a gente agradecer à genialidade desse artista incansável.

Um mágico chinês que na verdade é inglês faz desaparecer do palco um elefante

A mágica começa ainda nos créditos iniciais – que, de resto, seguem a tradição já antiga: letras brancas em fundo preto, as letras na mesma tipologia usada desde o início dos anos 70: vamos ouvindo uma velhíssima e bela gravação de “You do something to me”, de Cole Porter, com a orquestra de Leo Reisman – aquela cuja letra diz: você tem o poder de me hipnotizar, deixe-me viver sob seu encanto, faça aquele vodu que você faz tão bem, que, no original, é 200 vezes mais belo, “You have the power to hypnotize me, Let me live ‘neath your spell, Do do that vodoo that you do so well”.

Quando acabam “You do something to me” e os créditos iniciais, um letreiro avisa que estamos em Berlim, 1928. Num imenso, belíssimo teatro, um mágico executa seu ato, ao som de, um após o outro, Stravinski (um trecho da Sagração da Primavera), Ravel (o Bolero) e Beethoven (trechinho do segundo movimento da Nona).

O mágico é um chinês, Wei Ling Soo, famosérrimo, apreciadérrimo naquela Europa entre guerras. Wei Ling Soo faz desaparecer do palco nada menos que um elefante. Corta uma mulher ao meio. Depois – o auge! – entra em sarcófago que lembra as tumbas dos faraós egípcios, o sarcófogado é fechado, e o mágico reaparece de repente sentado em uma cadeira do outro lado do palco.

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Nesse momento Mary fez um bom comentário: sarcófago egípcio, mágico chinês na Alemanha pós-Primeira Guerra – isso é que é mixórdia!

É, mas tem mais.

Enquanto o público que lota o belo teatro aplaude entusiasticamente, Wei Ling Soo se retira para os bastidores falando o inglês mais castiço possível e xingando todo mundo – os músicos que erraram um andamento, uma das auxiliares que cometeu um pequeno deslize.

No camarim, começa a tirar a maquiagem – e o chinês é absolutamente de araque, como a gente dizia antigamente; é falso que nem moeda furada de dois guaranis paraguaios! É inglesérrimo, chama-se Stanley Crawford e vem na pele e na fina estampa de Colin Firth, pela primeira vez trabalhando sob a batuta de Woody Allen.

Não que Colin Firth seja o primeiro grande ator das Ilhas Britânicas a trabalhar com o cineasta, de forma alguma. Só para lembrar alguns outros, bem rapidamente: Kenneth Branagh trabalhou em Celebridades, Michael Caine em Hannah e Suas Irmãs, Jim Broadbent em Tiros na Broadway, Anthony Hopkins em Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos, Jonathan Rhys Meyer, Penelope Wilton e Emily Mortimer em Match Point, Rebecca Hall em Vicky Cristina Barcelona. A lista poderia ir em frente longamente.

“O maior especialista do mundo em desmascarar falsos médiuns”

Ainda no camarim, tirando a maquiagem, Wei Ling Soo, aliás Stanley Crawford, recebe a visita de Howard Burkan (Simon McBurney, outro ator inglês, à esquerda na foto acima), e aí sorri pela primeira vez: gosta de Howard, são amigos desde muito jovens, começaram a treinar truques de mágico juntos.

Vão beber umas; no cabaré da Berlim de 1928, uma loura de voz espetacular canta. Sua figura faz lembrar uma atriz que, dois anos depois, atrairia as atenções do mundo todo no filme O Anjo Azul. A cantora no cabaré alemão à la Marlene Dietrich, que aparece na tela menos de dois minutos, é ninguém menos que Ute Lemper, a extraordinária cantora e compositora alemã, a melhor intérprete hoje de Kurt Weill. Só mesmo Woody Allen para conseguir que Ute Lemper faça uma pontinha dessas.

Howard tem um pedido a fazer a Stanley, e conta a história assim que Ute Lemper termina de cantar. Ele está muito preocupado com o que está acontecendo com os Catledge, uma família de ricaços de Pittsburgh que está passando uma temporada na casa deles no Sul da França. Howard é muito amigo de Caroline Catledge (Erica Leerhsen).

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– “O problema é que há uma jovem hospedada na casa deles que fez com que acreditassem que tem poderes mediúnicos.”

Stanley reage de imediato: – “Meu Deus, outra falsa médium! Eles são uma praga.”

Howard prossegue: – “Eles estão maravilhados com as previsões dela.”

Stanley: – “Ela diz o que eles querem ouvir. E cobra por todas as boas notíciaz que traz.”

Howard: – “Exato. E é claro que é jovem e bonita. Brice Catledge, irmão de Caroline, o herdeiro da fortuna da família, acha que está apaixonado por ela. (…) Fico sem graça de dizer: eu a vi trabalhar de todo ângulo possível, várias vezes, e não vi nada de errado. Observei cada ação. Conheço bem todos os truques de leitura de mente e sessões, mas não descobri nenhuma falha e não vi uma única ação suspeita. Comecei a duvidar da minha sanidade. Pensei que talvez ela seja realmente uma médium.”

Stanley: – “Isso não existe, Howard, é tudo uma fraude! Da mesa da sessão mediúnica ao Vaticano! É incrível você dizer isso.”

Howard: – “Estou muito preocupado com a família. Gostaria que você a visse em ação. Afinal, você é o maior especialista do mundo em desmascarar falsos médiuns.”

Woody Allen tira de sua cartola coelhos de que o espectador não poderia suspeitar

Estamos aí com menos de dez minutos de filme, e Woody Allen já apresentou a base da sua história.

O grande mágico é um dos sujeitos mais metido, mais presunçoso, mais cheio de si que já passou por uma tela de cinema. Stanley Crawford, aliás Wei Ling Soo, tem absoluta certeza de que é o melhor mágico que já houve no mundo, um dos homens mais inteligentes que já pisaram a casca do planeta, se não o mais, um dos mais belos e charmosos – e por aí vai.

E é um homem de certezas inabaláveis. A frase que transcrevi – “é tudo uma fraude! Da mesa da sessão mediúnica ao Vaticano! – mostra bem isso, mas ele fala dezenas de frases como essa.

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Aliás, Woody Allen caprichou especialmente nos diálogos que deu para Colin Firth. É uma absoluta maravilha.

E então o espectador já pode imaginar o que vai acontecer: é claro que o grande mágico vai com Howard para o Sul da França, para desmascarar a jovem que se diz médium, Sophie Baker (o papel de Emma Stone, excelente, perfeita). Mas será surpreendido pelos dons da bela jovem, e terá, pela primeira vez na vida, suas crenças abaladas.

Sim, isso vai acontecer – mas Woody Allen é meio mágico, e então ele vai tirar da cartola coelhos de que o espectador nem poderia suspeitar.

“A gente só vive uma vez – ou duas ou três, dependendo do estoque de ectoplasma”

Woody Allen tem ligação forte com a mágica, o mundo dos mágicos, e com hipnose. Desde criança, era fascinado com os truques dos mágicos, e tentou aprender vários deles. Mágicos e magia estão presentes em outros filmes seus.

Em Neblina e Sombras/Shadows and Fog (1991), o protagonista, Max Kleinman (o papel do diretor, é claro), vive uma longa noite de angústia e pavor, um pesadelo kafquiano – do qual afinal acaba salvo pelo mágico do circo que está em visita à cidade.

Em O Escorpião de Jade/The Curse of the Jade Scorpion (2001), dois personagens que se odeiam furiosamente – interpretados pelo próprio Woody Allen e pela sempre ótima Helen Hunt, mais bela que nunca – são levados pelos colegas da empresa em que trabalham a uma casa de espetáculos em que um mágico chamado Volton vai apresentar um número de hiponose. A dupla que se odeia será incentivada pelos colegas a se apresentar para participar do número. A hipnose funciona bem até demais, e a partir daí vem uma trama deliciosa, inventiva, criativa, que envolverá roubo de jóias, detetives particulares, polícia, uma herdeira milionária belíssima, lelé, doidivana (um papel perfeito para a estonteante Charlize Theron, que já havia trabalhado com Allen três anos antes em Celebridades), fuga audaciosa de uma delegacia, e por aí vai.

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Em Scoop – O Grande Furo/Scoop (2006), o próprio Woody Allen interpreta um sujeito que, como ele mesmo, é do Brooklyn, New York, Sid Waterman, que trabalha como mágico com o nome artístico de Splendini. Um belo dia, apresentando seu show em Londres, convida alguém da platéia para aquele velho truque de colocar uma pessoa dentro de um baú, ou uma grande caixa, e fazê-la desaparecer. Quem vai fazer parte do espetáculo é uma garota também do Brooklyn, Sondra Pransky (interpretada por Scarlett Johansson, no segundo dos três filmes que fez com o cineasta), uma estudante de jornalismo que está visitando a capital inglesa. Enquanto está lá dentro da grande caixa vermelha, do tamanho de um armário, surge ao lado dela o espírito de um jornalista morto, que, na barca da morte, tinha ouvido uma revelação sensacional sobre um criminoso que estava agindo em Londres. O jornalista precisava passar o furo para algum coleguinha ainda vivo, e então passa para a jovem americana.

Quando Sondra sobe ao palco, o mágico Splendini pergunta a Sondra se alguma vez ela já havia sido desmaterializada. Ela, é claro, responde que não, e o mágico diz, antes de empurrá-la para dentro da grande caixa vermelha: “Não tenha medo. Só vou alterar e separar suas moléculas. Não vai doer”.

Neste delicioso Magia ao Luar, há uma frase tão hilariante quanto essa de Scoop, e no mesmo diapasão. A jovem e bela Sophie, a que demonstra poderes mediúnicos que encantam o até então absolutamente cético mágico Stanley Crawford, diz que está indo nadar, e Stanley diz que vai junto com ela para a piscina. Sophie diz que não vai para a piscina, e sim para o mar, junto dos rochedos. Stanley diz: – “Ah, melhor ainda! Correr perigo! A gente só vive uma vez – ou duas ou três, dependendo do estoque de ectoplasma”.

“Você nasce, não comete e crime algum e é condenado à morte.”

A quantidade de falas hilariantes, inteligentes, que Woody Allen escreveu para Magia ao Luar é uma coisa impressionante. Aos 79 anos, o sujeito parece estar no auge da capacidade criativa. Dá vontade de anotar e transcrever uma dúzia. Aí vão algumas poucas. São frases ditas por Stanley, o sujeito que se acha perfeito e adora a si próprio com paixão profunda:

– “A vida é sórdida, brutal e curta, já dizia o homem. Quem era mesmo? Hobbes. Eu me daria bem com ele.”

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– “Você nasce, não comete e crime algum e é condenado à morte.”

– “Quando o coração comanda a cabeça, advém o desastre.”

– “Vejo o seu comportamento como um grande homem observa as maliciosas travessuras de um… digamos, pigmeu.”

E, tentando fazer um elogio sedutor a Sophie:

– “Eu vim dizer que, por alguma razão inexplicável que desafia o senso comum e a compreensão humana, eu tenho, ultimamente, experimentado algumas pequenas, bem pequenas, mas discerníveis emoções diante do seu sorriso.”

E, numa discussão com Sophie:

– “Eu não posso perdoar você. Só Deus pode perdoar você.”

Sophie: – “Mas você diz que Deus não existe.”

– “Precisamente o meu ponto.”

Em 2012, uma escorregada. Em 2013, um filme brilhante e em 2014 este deslumbre

Sob a direção de Woody Allen não há ator que trabalhe mal. Bem ao contrário: em geral, os atores têm, nos filmes do realizador genial, algumas de suas melhores interpretações.

O grande Colin Firth e a jovem Emma Stone estão maravilhosos. A sensação que se tem é o que o inglês já havia trabalhado com Woody Allen várias vezes, tão à vontade ele está. E essa garotinha do Arizona, nascida em 1988 (meu Deus do céu e da terra, como estou ficando velho!), que já havia me surpreendido como a moça mais inteligente de todo o seu grupo em Histórias Cruzadas/The Help (2011), também dá um show. É impressionante como a fisionomia dela toda muda depois que há uma inesperada revelação, quando o filme já se encaminha para o fim.

Woody Allen deve ter se encantado por ela também, tanto que a convidou para seu filme seguinte, o de 2015, O Homem Irracional. E ela está também em Birdman, o mais recente filme de Alejandro González Iñárritu que tem sido unanimemente incensado. Já foi longe, e tem tudo para ir muito mais, a garota.

Em 2012, na minha opinião, Woody Allen deu uma escorregadinha: Para Roma, Com Amor é um filme fraco em comparação com os demais de sua longa e abençoada carreira. Mas, depois dessa escorregadinha, o homem fez um filme brilhante em 2013, Blue Jasmine, e outro deslumbrante em 2014, este aqui.

O cara é gênio.

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Anotação em maio de 2015

Magia ao Luar/Magic in the Moonlight

De Woody Allen, EUA, 2014

Com Colin Firth (Stanley), Emma Stone (Sophie Baker)

e Eileen Atkins (Tia Vanessa), Simon McBurney (Howard Burkan), Marcia Gay Harden (Mrs. Baker), Hamish Linklater (Brice), Jacki Weaver (Grace), Erica Leerhsen (Caroline), Catherine McCormack (Olivia), Jeremy Shamos (George), Ute Lemper (a cantora no cabaré)

Argumento e roteiro Woody Allen

Fotografia Darius Khondji

Montagem Alisa Lepselter

Casting Juliet Taylor e Patricia DiCerto

No DVD. Produção Gravier Productions, Dippermouth Productions,

Perdido Productions, Ske-Dat-De-Dat Productions. DVD Imagem Filmes

Cor, 97 min

****

11 Comentários para “Magia ao Luar / Magic in the Moonlight”

  1. n é uma obra prima mas é um filme agradável. Tb sou fã de Woody Allen e tb n gostei mt de “Para Roma com Amor” mas n posso ter um comentário tão favorável sobre este filme. Realmente o argumento é divertido e bem escrito e as interpretações mt competentes mas a história deixa um pouco a desejar. O Sérgio escreve mt bem e é sempre um prazer vir aqui ler e, por norma, concordo consigo. E não é q discorde completamente sobre esta análise mas realmente eu n daria uma nota tão alta.

  2. Engraçado, mas eu também achei magia ao Luar muito superior à Blue Jasmine mas o senso geral nos prova o contrário, absolutamente todo mundo trata este filme como um filme mediano do Allen. Aliás,eu achei um dos melhores dele desde o fim dos anos 80, talvez seja exagero meu ou vai ver que estas questões relacionadas ao cetismo exagerado a respeito do sobrenatural sejam muito próximas a minha forma de pensar.

  3. É interessante observar como Woody Allen, um cineasta tão prolífico, parece alternar filmes absolutamente caustícos e com finais desesperançosos, como o caso de Blue Jasmine, com filmes com viés mais otimistas, como é o caso deste Magia ao Luar. Afinal, aqui trata-se, de um sujeito absolutamente cético, pragmático que acaba por se encantar por uma médium que, na verdade, se revela uma vigarista. Allen nos acena, aqui, com uma possibilidade de visão de mundo intermediária entre a frieza da lógica racional e cética e a brisa temperada com um pouco de fantasia e ilusão. Afinal, como a própria personagem de Colin Firth, parafraseando Nietzsche, afirma no filme: “são as ilusões que dão sentido à vida”.

  4. Magia ao Luar, o título é um anúncio do que será o filme. Mágica, ilusionismo, misticismo e romance. É um prazer assisti-lo. É a magia de um cineasta que tem o domínio dos pormenores de sua arte.

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