Até que a Morte nos Separe / The Great Man’s Lady

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1.5 out of 5.0 stars

The Great Man’s Lady, no Brasil Até que a Morte nos Separe, é mais uma comprovação de duas verdades irretorquíveis. Nem todas as produções caprichadas do período de ouro de Hollywood são bons filmes. E boas intenções não necessariamente resultam em grandes obras.

Dirigido pelo respeitado William A. Wellman (1896-1975), autor do Nasce uma Estrela original, de 1937, sete indicações ao Oscar, e mais 80 títulos, o filme é estrelado por dois bons atores que estavam no auge do prestígio na época do lançamento, 1942 – a maravilhosa Barbara Stanwyck e o boa-pinta Joel McCrea.

zzgreat0É para ser uma elegia às mulheres, à força, ao pragmatismo, à maestria com que as mulheres lidam com os fatos da vida. No entanto, o letreiro inicial do filme, numa linguagem antiga, formal, palanqueira, mete os pés pelas mãos: faz o elogio da mulher enquanto companheira do homem – e não à sua capacidade de ser independente ou, no mínimo, de dividir igualmente os frutos de seu trabalho e seu empenho com o companheiro.

Eis o texto que na época já devia parecer antigo, e hoje beira o patético:

“Conhecer Hannah Hoyt, a senhora do grande homem, não seria tão importante se houvesse apenas uma Hannah Hoyt; mas, afortunadamente, o milagre de uma Hannah Hoyt acontece de novo, e de novo, de geração a geração de mulheres da América. Não apenas atrás dos grandes homens, mas também atrás do rapaz comum você encontrará uma Hannah Hoyt. De sua maneira pequena, ela estará lá ajudando, apontando o caminho, encorajando seu homem a atingir o seu próprio pináculo do sucesso”.

Se uma eventual feminista (das bem moderadas) ler isso e tiver um ataque de apoplexia, não é culpa dela. É culpa dos machistas que escreveram essa bobagem – e olha que não foram só homens. O roteiro é assinado por W.L. River, com base numa história de Adela Rogers St. Johns e Seena Owen, por sua vez baseado em um conto de Viña Delmar.

“Uma mulher que se apaga para melhor assegurar o sucesso daquele que ela ama”

A rigor, a história que o filme apresenta não merece esse texto inicial tão ridículo. A história mostra, na verdade, que a mulher faz o homem – para usar uma frase com a qual os distribuidores brasileiros titularan Mr. Smith Goes to Washington, que o grande Frank Capra dirigiu em 1939.

zzgreat2É mais, mais ainda do que a mulher faz o homem. A mulher da história, a Hannah Hoyt interpretada por Barbara Stanwyck, é que é a responsável por tudo de bom que o tal grande homem do título original realizou. Foi ela que fez tudo, e, enquanto ele recebia toda a glória, ela ficava absolutamente escondida, longe dos holofotes.

Ué: mas se é assim, então é uma bela história!

Pois é. Essa idéia básica realmente é fascinante. Foi por isso que comecei esta anotação dizendo que este é um filme bem intencionado: é uma elegia às mulheres, e isso é uma maravilha. Poderia render um belo filme. Infelizmente, The Great Man’s Lady acaba se revelando um filme fraco. Bobo. Pretende tratar com bom humor algumas situações – mas perde o prumo, tropeça e fica bobo.

Mas já passou da hora de haver uma sinopse.

O IMDb consegue uma proeza de síntese: “Uma pioneira de 100 anos de idade conta sua história em flashbacks”.

O Guide des Films de Jean Tulard conta assim a história de L’inspiratrice, a inspiradora, como o filme foi chamado na França: “Comemoração numa cidade do Oeste do homem que foi seu fundador. Sua companheira Hannah Sempler evoca o passado. É ela que o encoraja, mas soube ficar na sombra.”

O verbete é assinado pelo próprio Tulard, que acrescenta: “Filme interessante sobre a fundação de uma cidade no Oeste e evocação emocionante do sacrifício de uma mulher que se apaga para melhor assegurar o sucesso daquele que ela ama.”

Sim, o espírito do filme, o que se pretende passar é bem isso mesmo que o mestre Jean Tulard captou com precisão.

Só que, na minha opinião, o filme é melhor na intenção do que na realização.

Uma cidade que cresceu demais homenageia o seu fundador

Relato o que acontece no início da narrativa.

Começa o filme com um garoto me entregando um telegrama do Arizona… Ih, não, não, isso é a música do Kid Morengueira.

zzgreat2aComeça o filme com uma tomada de uma cadeira de balanço – vazia – no meio de uma varanda. A tomada é bastante impressionante, e atesta, de cara, que William A. Wellman dominava seu ofício: a câmara vai se afastando, dando um zoom para trás, e então vemos toda a casa – um sólido sobrado –, inteiramente cercada por prédios altos. A câmara continua se afastando, e temos um quadro geral de uma grande cidade americana, cheia de arranha-céus.

O editor de um jornal da cidade – cuja redação se localiza exatamente diante daquele belo sobrado com a cadeira de balanço na varanda – reclama que aquela mulher passa todos as tardes sentada ali, diante dele. Mas justamente hoje – ele diz –, justamente no dia em que Hoyt City vai fazer a grande homenagem a Ethan Hoyt, seu fundador, inaugurando uma imensa escultura dele na praça central, a mulher não está ali. E a mulher sabe muito sobre Ethan Hoyt, só que nunca fala nada.

O editor manda a secretária ligar para dois de seus repórteres, para garantir que a mulher, Hannah Sempler, se sair de casa, será seguida de perto por um jornalista do diário.

O tom desses primeiros minutos de filme, de toda a sequência inicial, é de comédia – mas o resultado é um pastelão mais bobo do que engraçado.

zzgreat4Na praça principal, o prefeito discursa em longo e cansativo elogio ao senador Ethan Hoyt, um grande homem, um herói americano. No meio do povo, há jornalistas locais e também dos grandes jornais nacionais – até o New York Times mandou um repórter. Os repórteres morrem de sono, de tédio, diante dos discursos. Até que um deles pega um táxi e vai para aquele tal sobrado de Hannah Sempler. Aí, como num estouro de boiada, todos os jornalistas presentes apressam-se a ir atrás. Um grupo de uns oito ou dez jornalistas invade a sala do sobrado. A empregada chama a patroa – e surge então Hannah, na pele de uma Barbara Stanwyck com maquiagem pesadíssima para parecer que tem 100 anos.

Os jornalistas fazem perguntas. A centenária mulher diz que não vai falar nada com eles, e os manda embora.

Uma moçoila que entrou com a manada de repórteres vai saindo também, mas mais lentamente.

A velhinha a convida a ficar. Claro, se ela não falasse com ninguém, como haveria o filme?

“A filha do banqueiro bate o olho no sujeito, se apaixona e diz: “Me leve com você!”

A moçoila se apresenta como uma escritora, que vem trabalhando na biografia do senador Ethan Hoyt faz alguns anos.

zzgreat3Ela é interpretada por uma moça feiosa e careteira, canastrona – Katharine Stevens, que adotou o nome artístico de K. T. Stevens (1919-1994). Seu nome de batismo era Gloria Wood, e ela era filha do diretor Sam Wood, de, entre 80 outros títulos, Uma Noite na Ópera (1935), com os Irmãos Marx, e Por Quem os Sinos Dobram (1943).

E então a velhinha Hannah começa a contar para a moça a sua história, que é também a história de Ethan Hoyt. A história deles havia começado em 1848, quando ele, um jovem pioneiro cheio de idéias, procurou na Filadélfia o pai dela, Mr. Sempler (Thurston Hall), um banqueiro, à procura de um investidor.

Ethan Hoyt não consegue um dólar do banqueiro Mr. Sempler – mas a jovenzinha Hannah Sempler apaixona-se perdidamente, à primeira vista, e diz para ele: “Me leve com você”.

Uau! Em 1848, uma jovenzinha de no máximo, no máximo 18 anos de idade, filha de banqueiro, vira-se para o rapaz e diz: “Me leve com você” – e na sequência seguinte está em pleno Oeste, casando-se com o sujeito ao ar livre, no meio do gado, diante de um ministro apressado que quer terminar logo com aquilo porque vai começar o maior toró.

Isso é que é ser avançada.

Barbara Stanwyck tem longo, respeitável, admirável histórico de interpretar mulheres avançadas, à frente de seu tempo, e/ou em situações não comuns em filmes de seu tempo, como em Serpentes de Luxo (1933), O Último Chá do General Yen (também 1933), Bola de Fogo (1941), Desejo Atroz (1953),

Em 1942, o ano de lançamento do filme, estava com 35 anos.

Só mesmo essa atriz monumental, uma das maiores do primeiro meio século da história do cinema do cinema, poderia interpretar uma personagem que vai dos quase 18 aos 100 anos de idade – e parecer crível ao longo de todo esse intervalo de tempo.

The Great Man’s Lady tem a melhor das intenções ao fazer uma ode às mulheres, à sua força, sua persistência, sua coragem. É uma bela qualidade. A outra grande qualidade do filme é Barbara Stanwyck.

Tudo, absolutamente tudo já foi feito e mostrado nestes 120 anos de cinema

zzgreat5É impossível não lembrar de Pequeno Grande Homem, que Arthur Penn fez em 1970. Falou-se muito, na imprensa, na época (lembro que a revista Life deu algumas páginas), da caracterização de Dustin Hoffman como um homem de cerca de 100 anos, que é descoberto pela imprensa e afinal resolve contar sua história – e a história de Jack Crabb, o personagem do filme, é um imenso painel que conta toda a história da conquista do Oeste americano.

Interessante: creio que ninguém na época se lembrou que, 28 anos antes, outro filme já havia usado um personagem de 100 anos de idade para contar a saga do Velho Oeste.

A História do cinema é curta – em 2015 ele completa apenas 120 anos, coisa pequenina diante da História da humanidade –, mas, mesmo assim, já engloba coisas demais. Não há muito espaço para grandes novidades – pela primeira vez se mostrou isso, pela primeira vez apareceu isso. A rigor, tudo, absolutamente tudo já foi contado, mostrado nas telas de cinema.

Com este filme, aprendi mais esta lição: antes de Little Big Man, houve The Great Man’s Lady.

Anotação em setembro de 2015

Até que a Morte nos Separe/The Great Man’s Lady

De William A. Wellman, EUA, 1942.

Com Barbara Stanwyck (Hannah Sempler Hoyt), Joel McCrea (Ethan Hoyt), Brian Donlevy (Steely Edwards),

e K.T. Stevens (a moça biógrafa), Thurston Hall (Mr. Sempler, o pai de Hannah), Lloyd Corrigan (Mr. Cadwallader), Etta McDaniel (Delilah), Frank M. Thomas (Frisbee), William B. Davidson (senador Knobs), Helen Lynd (Bettina), Mary Treen (Persis), Lucien Littlefield (o editor do jornal)

Roteiro W.L. River

Baseado numa história de Adela Rogers St. Johns & Seena Owen

Baseado em conto de Viña Delmar

Fotografia William C. Mellor

Música Victor Young

Montagem Thomas Scott

Produção Paramount Pictures.

P&B, 90 min

*1/2

Título na França: L’inspiratrice. Em Portugal: A Mulher do Grande Senhor.

4 Comentários para “Até que a Morte nos Separe / The Great Man’s Lady”

  1. Lendo o início dessa crítica sobre o filme, me veio a cena da velhinha expulsando os repórteres como se fossem “ratos”. Esse crítico vai muito além do limite do “aceitável”. Faz sua crítica de forma tão repugnante, tentando desmerecer a bela obra. Sim, se levarmos em conta que o cinema é para a diversão do público em geral e não especialmente para os críticos, este filme é uma bela obra que mexe com a emoção do princípio ao fim (falo como pessoa comum que gosta de cinema). Sobre o letreiro no início do filme, não vejo que o mesmo seja uma ofensa às mulheres modernas, muito pelo contrário, uma mulher inteligente entenderá perfeitamente o elogio, até para os dias de hoje, mas se ela for uma dessas que se deixa levar por “doutrinas”, aí é outro assunto. Pasmem, o crítico não poupou nem a “moiçola” biógrafa, taxando-a de ” feiosa”. Passou mesmo dos limites, mas como tem “público para tudo”, ele deve ser elogiado.

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