Para Sempre Cinderela/Ever After é uma versão gostosa, agradável, esperta, do conto de fadas famosérrimo. Feito em 1998 por Andy Tennant, diretor de várias comedinhas românticas (nenhuma delas grandiosa), antecipou-se, acho, à onda de filmes que viriam nos anos 2000 recontando, de forma crua, várias das histórias infantis mais conhecidas do Ocidente.
Porque é de fato uma onda: A Garota da Capa Vermelha (2011), adaptação de Chapéuzinho Vermelho; Branca de Neve e o Caçador (2012), João e Maria: Caçadores de Bruxas (2013)…
Não é um grande filme, nem pretende ser. É uma diversão, uma sessãozinha da tarde despretensiosa. Não é propriamente feito para todas as idades – é mais um filme para adolescentes, tenham eles 14 ou 94 anos.
Exatamente por isso, é um daqueles filmes que os Ministérios da Saúde deveriam aconselhar como perigosíssimos para a saúde mental e física de todas as pessoas de narizinho empinado que dizem só gostar de “filmes de arte” e detestam “filme americano”.
Para todos os demais seres humanos, é uma delícia.
A rainha diz aos Irmãos Grimm que vai contar a verdadeira história de Cinderela
Os créditos iniciais dizem que o roteiro é de Susannah Grant e Andy Tennant & Rick Parks. Ah, as sutilezas. Na linguagem cifrada do Screen Writers Guild, o sindicato dos roteiristas dos Estados Unidos, o “e” é diferente do “&”. Se não estou enganado, a forma com que o roteiro é assinado nos créditos significa que Susannah Grant escreveu uma primeira versão do roteiro, que então foi reescrita por Andy Tennant & Rick Parks.
Deve-se então provavelmente a Susannah Grant a bela sacada que torna o filme encantador mesmo para um velhinho como eu. A sacada é a seguinte: o filme se propõe a contar como foi a história verdadeira da Cinderela, da Gata Borralheira.
A história verdadeira, e não a versão contada ainda em 1697 por Charles Perrault, nem a versão escrita muitos anos mais tarde pelos Irmãos Grimm, já no século XIX.
Os próprios Irmãos Grimm – vemos isso bem no início da narrativa – haviam sido chamados à presença da rainha da França (interpretada, em pouquíssimas tomadas, por ninguém menos que a deusa Jeanne Moreau). Eles não sabiam o motivo da audiência, mas, naturalmente, atendem ao pedido da rainha e vão se encontrar com ela em seu palácio.
A rainha diz que gostou muito da versão que eles deram à história. E explica que vai contar para eles agora (e para os espectadores do filme também, é claro) a verdade, exatamente como se deram os fatos.
Os Irmãos Grimm brincam com Sua Majestade com uma frase tipo “Não é como Perrault contou, não é, Majestade? Aquela coisa da carruagem que virava abóbora…”
Ao lado da rainha está um retrato, a pintura do rosto de uma mulher. A rainha diz que aquela é a personagem da história real, Danielle.
E começa então a contar a história.
Drew Barrymore como Cinderela, Anjelica Huston como madrasta: um belo acerto
O que vem a seguir tem muitas semelhanças com a história básica da Cinderella, da Gata Borralheira, que todos nós ouvimos desde sempre, e que contamos para nossos filhos e netos – Marina seguramente vai ouvi-la daqui a um tempinho.
Não há aqueles letreiros que contam para o espectador o quando e o onde, mas sabemos que é a França, no século XVI.
Danielle, aos oito anos de idade (Anna Maguire), é uma menina linda, travessa, alegre. Adora o pai, e o pai a adora. Nunca conheceu a mãe, que morreu cedo demais.
Mas eis que o pai chega à casa no meio do campo, da província, com uma nova esposa, Rodmilla – o papel perfeito para Anjelica Huston, essa atriz extraordinária que tem cara de madrasta má, quase bruxa. A nova esposa do pai querido de Danielle chega com duas filhas de um casamento anterior.
Numa sequência feita para mostrar como se amavam e se davam bem pai e filha, o pai entrega para Danielle o livro Utopia, de Thomas Morus.
Assim que a madrasta e as filhas dela se instalam na propriedade, o pai de Danielle diz que tem que fazer uma viagem. Não chega a viajar: montado no cavalo, a caminho do portão da propriedade, tem um ataque cardíaco fatal, e morre.
O diretor Andy Tennant tem paixão por plongées, o tipo de tomada em que a câmara fica acima dos personagens. Nos primeiros cinco minutos do filme, há pelo menos uns três plongées. O terceiro deles é do momento em que o pai de Danielle está morrendo.
Corta, passam-se dez anos, e Danielle, a filha do nobre, virou a gata borralheira, a empregada da madrasta má e de suas duas filhas.
Exatamente como na história tradicional.
A Danielle aos 18 anos vem na pele fofa de Drew Barrymore, essa gracinha, que, quando tinha 7 anos, fascinou o mundo inteiro como Gertie, a garotinha mais nova da família onde vai parar o E.T. criado por Steven Spielberg.
Uma vez, num momento inspirado, escrevi que, se Hollywood fosse uma monarquia, Drew Barrymore seria a princesa. Descende de uma das famílias mais nobres do cinema americano – é filha de John Drew Barrymore e Jaid Barrymore, neta de John Barrymore e Dolores Costello pelo lado do pai e bisneta do ator da época do cinema mudo Maurice Costello e Mae Costello; é sobrinha-neta de Ethel Barrymore e Lionel Barrymore.
Teve uma adolescência problemática, com internações em clínicas de reabilitação de drogados. Sobreviveu a esses horrores e, ainda muito jovem, reestabeleceu-se como atriz.
Uma bela sacada foi colocar Leonardo da Vinci como uma espécie de fada madrinha
Para Sempre Cinderella/Ever After vai se distanciar bastante da história tradicional a partir aí dos 15, 20 minutos de filme. Danielle, a Cinderella, viverá um intenso caso de amor com o príncipe, antes do baile que é o ponto alto da história.
Na história tradicional, as duas filhas da madrasta são igualmente horripilantes. No filme, a mais velha, Margueritte (Megan Dodds) é horripilante como a madrasta, mas a mais nova, Jacqueline (Melanie Lynskey) tem bom caráter.
Mas a grande, a maior sacada do filme é botar Leonardo da Vinci (Patrick Godfrey) como personagem. E o pintor e cientista genial não aparece apenas en passant na história: sua participação é fundamental no desenvolvimento da trama.
Que Leonardo da Vinci tenha participado da história de Cinderela é uma absoluta delícia. Mary reparou que da Vinci é aqui uma espécie de fada madrinha, e que essa sacada é genial.
Um pequeno detalhe: Melanie Lyskey, a jovem atriz que faz Jacqueline, a filha boa da madrasta, surgiu no cinema num filme impressionante, marcante, perturbador, Almas Gêmeas/Heavenly Creatures, de 1994 – quatro anos antes, portanto, deste filme aqui. Almas Gêmeas foi um dos primeiros filmes de um diretor neo-zelandês que depois viria a ficar extremamente conhecido – Peter Jackson, o cara da trilogia O Senhor dos Anéis. Em Almas Gêmeas, Melanie Lyskey contracenava com outra garotinha que começava no cinema, após algumas séries de TV: simplesmente Kate Winslet.
Quanto a Andy Tennant, o diretor, é preciso dizer a favor dele (ou seria contra?) que fez algumas gostosas comedinhas românticas. Nada espetacular, como disse lá em cima, mas filminhos gostosos, como Hitch – Conselheiro Amoroso (2005) e Caçador de Recompensas (2010).
É isso. Ever After (meu Deus, que título feliz, com a expressão que é o final dos contos de fada) é um filminho pouco importante enquanto cinema, mas gostoso demais de se ver. Se o eventual leitor quiser desejar mal a algum conhecido que diga que só vê “filme de arte”, sugira que tal pessoa veja Ever After.
Anotação em abril de 2014
Para Sempre Cinderela/Ever After: A Cinderella Story
De Andy Tennant, EUA, 1998
Com Drew Barrymore (Danielle), Anjelica Huston (Rodmilla), Dougray Scott (príncipe Henry), Patrick Godfrey (Leonardo da Vinci), Megan Dodds (Marguerite), Melanie Lynskey (Jacqueline), Timothy West (rei Francis), Judy Parfitt (rainha Marie), Anna Maguire (Danielle criança), Jeroen Krabbé (Auguste), Lee Ingleby (Gustave), Kate Lansbury (Paulette), Matyelok Gibbs (Louise), Walter Sparrow (Maurice) e, em participação especial, Jeanne Moreau (La Grande Dame)
Roteiro de Susannah Grant e Andy Tennant & Rick Parks
Baseado na história escrita originalmente por Charles Perrault em 1729
Fotografia Andrew Dunn
Música George Fenton
Montagem Roger Bondelli
Produção 20th Century Fox.
Cor, 121 min.
**1/2
Simplesmente delicioso não somente o filme, mas também a forma como vocês o colocam como narraram a historinha e a presença do Leonardo que com certeza é a fada madrinha. Aquele amigo dela fã do Leonardo também é muito legal e mesmo o príncipe bitolado no início é gente boa e os pais dele são ótimos!!!!
Estou com pressa e depois volto aqui. Mas simplesmente deliciosa a forma como comentaram, comentarios tal como o estilo do filme e de quem não se liga, apenas nos filmes de arte… que embora possa até saber muito disso não deixam de valorizar outros aspectos como ser suave… um filme leve tem seu lugar… depois passo aqui de novo ja estão nos meus favoritos, “Com mérito” que é outro filme muito legal e leve!
Abraços!
P.S.: não sei pq tem isso no youtube, mas obviamente não é deste filme que estamos falando!!!!
https://www.youtube.com/watch?v=VsxAdJRNg64
Coisa mais estranha… Abraços!
Este sim…
https://www.youtube.com/watch?v=Hcj9fyx6DXI
Por falar “sessãozinha da tarde”…
http://globotv.globo.com/rede-globo/rede-globo/v/confira-um-trailer-exclusivo-do-filme-para-sempre-cinderella/2332757/
Agora fui mesmo kkkk
Eu realmente não acho filmezinho…acho que deveria ter Cido mais reconhecido… A Drew como cinderela foi a melhor coisa! Uma atriz linda de morrer!! E talentosa também! DOI a melhor cinderela para mim…
Gostei de tudo no geral!
Da Vinci sendo fada madrinha foi o melhor! A diferença pois Jacqueline ser boa foi incrível também!
Coisas diferentes q deram um toque lindo na história… Que por sinal realmente rel! Faz agente pensar que a história de Danielle de Barbarrac poderia ter acontecido mesmo! Kkk
Um filme magnífico! Pois adoro a cinderela, depois do clássico da Disney de 1950 essa versão é a melhor
Excelente artigo! Quero aqui acrescentar que amo este filme desde menina, sou professora de história e passei este filme para meus alunos do 7º ano afim de que eles se localizassem e compreendessem melhor o período renascentista. Eles amaram! Recomodadíssimo pois é leve, despretensioso e ao mesmo tempo informativo e preciso com alguns fatos históricos.