Ligados pelo Amor / Writers / Stuck in Love

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Nota: ★★★☆

Ligados pelo Amor, produção independente de 2012, fala de livros, literatura, escritores, estudo. Será que foi por abordar temas tão, digamos assim, áridos, que o filme foi um absoluto fracasso de bilheteria nos Estados Unidos?

É esquisitíssimo saber que o filme rendeu nas bilheterias americanas o total ridículo, ínfimo, mínino de US$ 81 mil. Até porque ele fala também de sexo, drogas & rock’n’roll. Bem, não exatamente rock’n’roll; é mais para folk, mas um folk moderno, gostoso, melódico, agradável, às vezes bem perto do pop. Aliás, a trilha sonora, toda com nomes para mim desconhecidos, de bandas e compositores bem jovens, é uma maravilha. É uma das qualidades do filme.

Mas há muitas outras qualidades.

zzlove2Fala de temas importantes, básicos, fundamentais: relação pais e filhos, infidelidade conjugal, o rito de passagem da adolescência para a vida adulta, aprendizagem, afeto, o primeiro amor. E, sim, drogas – o apelo das drogas. E, sim, livros, literatura, escritores.

No DVD, lançado no Brasil pela Califórnia Filmes, o nome original que aparece nos créditos iniciais é Writers – escritores –, e tem tudo a ver. Aparentemente, foi com esse título que o filme chegou a ser exibido no Festival de Toronto. Mas deve ter parecido muito pouco comercial, e então os produtores mudaram o título do filme para Stuck to Love, preso ao amor; é assim que ele está no IMDb, no Box Office Mojo e no AllMovie.

Temas importantes, tratados de maneira agradável, e ótimas atuações

Os temas abordados são importantes – e eles são abordados de uma maneira agradável, sob uma perspectiva boa, correta. Os personagens são interessantes, e o elenco todo está muito bem, como se fosse o trabalho de um diretor experiente, maduro.

Não é: Josh Boone, que, além de dirigir, escreveu o argumento e o roteiro, estreou com este filme. Tinha apenas 33 anos de idade.

Não há grandes astros, é verdade – embora Greg Kinnear e Jenniffer Connelly (na foto acima) sejam bons atores, e até bastante conhecidos. E os jovens Lily Collins, Nat Wolff e Liana Liberato parecem extremamente promissores.

Há até uma participação especial de Stephen King, o grande autor de tantos best-sellers, fazendo a voz dele mesmo em uma sequência deliciosa, quando a narrativa já se aproxima do fim.

Realmente, não dá para entender por que o filme foi tão pouco visto.

Dois anos após a separação, ele ainda põe um prato para a ex-mulher

Os personagens centrais da história são um casal na faixa aí dos 40 e tantos e seus dois filhos, a mais velha com uns 20 e poucos, o mais novo com 19.

Quando a ação começa – nos dias de hoje, na Carolina do Norte –, o casal já está separado há uns dois anos. Erica (o papel da belíssima Jennifer Connelly), está casada de novo, desde a época da separação, com Martin (Rusty Joiner). Passados já dois anos, no entanto, Bill (o papel de Greg Kinnear) ainda não conseguiu ir em frente, tocar a vida, esquecer a ex-mulher. Na verdade, ele tem a mania de espreitar a casa da ex-mulher; vai furtivamente até perto de uma das janelas da casa, e fica bisbilhotando a vida do casal.

Tem esperança de que Erica ainda volte para ele.

zzlove3Coisa triste, um ex-marido que, dois anos depois da separação, ainda tem esperança de que as coisas possam se ajeitar.

Mas Bill é um escritor – e um escritor de grande sucesso, com vários livros publicados, bem recebidos pela crítica e com vendas razoáveis. E os escritores têm mesmo uma profunda capacidade de ser infelizes, como diz Lawrence Durrell bem no início de Justine, um dos livros do seu Quarteto de Alexandria. E de quem mesmo são os versos “Xô, passarinho, saia da minha janela, não sou mais poeta, agora sou feliz”? Seria Vinicius? ou Mário Quintana?

Depois que Erica se separou dele e passou a viver com Martin, Bill não conseguiu começar a escrever mais nada: bloqueou, paralisou. E, no Dia de Ação de Graças, em que recebe em sua bela casa na praia os dois filhos, ainda põe mais um lugar na mesa, para o caso de a ex-mulher aparecer.

Dois irmãos diferentes em tudo, até no gosto pela literatura

Escritor até a raiz dos cabelos, Bill tentou passar para os dois filhos o gosto pelas palavras, pela escrita, pelo texto. Incentivou-os a manter um diário para registrarem ali suas experiências. E teve razoável sucesso nisso: tanto Samantha (Lily Collins, na foto acima) quanto Rusty (Nat Wolff, na foto abaixo) gostam de escrever. Samantha, que estuda letras na faculdade, acaba de ter um livro aceito por uma das maiores editoras do país.

Os dois irmãos têm em comum o gosto por literatura, pela escrita – mas, tirando este ponto, são opostos, antípodas. Rusty é mais tímido, introvertido; quando a ação começa, nunca tinha tido uma namorada, uma transa. É do tipo romântico: interessa-se vivamente por uma colega de classe, Kate (Liana Liberato), garotinha de rosto belíssimo, angelical. Escreve um poema para ela. É do tipo romântico, sonhador.

Samantha é despachada: nos bares, canta os garotões bonitos abertamente, diz a eles que não procura namoro, compromisso – quer é trepar.

zzlove4Até no gosto por livros os irmãos se diferem. Rusty é apaixonado por Stephen King, novelas de mistério, suspense, horror. Samantha despreza tudo isso como literatura menor; despreza até mesmo os livros mais icônicos de gerações e gerações de americanos. Num diálogo delicioso com Louis (Logan Lerman), garoto que frequenta o mesmo curso de escrita criativa que ela e tentará paquerá-la, ela diz: “E não me venha dizer que seu livro preferido é O Apanhador no Campo de Centeio!”

É preciso ter muita coragem para descartar como óbvio demais o livro de J. D. Salinger que fez a cabeça de milhões e milhões de pessoas desde que foi publicado, em 1951.

– “Evite o amor de todo jeito que for possível, este é o meu lema”, ela diz.

Em outro diálogo gostoso entre Samantha e Louis, ela resolve contar a ele sua música preferida: “Polythene Pam”, dos Beatles. É uma bela sacada do garotão autor e diretor Josh Boone. Uma interessante, estudada escolha de música predileta por uma garota que quer se mostrar a cada momento diferente, singular, especial: é Beatles, mas é das menos faladas, regravadas, badaladas.

Um pausa para falar de “Polythene Pam”

E aqui abro parênteses.

Para quem não se lembra bem, não está ligando o nome à coisa: “Polythene Pam” está em Abbey Road, o último disco que os Beatles gravaram. É a última participação de John Lennon no disco, porque a partir daí vem a sinfonia de Paul McCartney, que junta “She came in through the bathroom window/Golden slumbers/Carry that weight/The End”. Foi gravada no final de julho de 1969.

A rigor, para ser exato, “Polythene Pam” começou a ser gravada a partir da sexta-feira, 25 de julho, conforme conta o livro The Complete Beatles Recording Sessions, de Mark Lewisohn.

No disco, “Polythene Pan”, John Lennon puro, se une à faixa seguinte, “She came in through the bathroom window”, Paul McCartney puro. Não há intervalo entre uma música e outra.

Foi a primeira vez – diz Mark Lewisohn, um expert em Beatles como poucos – que uma canção de Lennon se mesclou a uma de McCartney desde “A day in the life”, de 1967.

zzlove6A parceria Lennon-McCartney, é bem sabido, era coisa fictícia, nos últimos tempos dos Beatles; cada um dos dois fazia suas próprias canções, e só devido ao acordo verbal feito entre eles ainda no comecinho mantinha-se a assinatura da dupla. Mas nem mesmo eu, beatlemaníaco desde o início, me lembrava desse detalhe que o autor conta no seu livro fabuloso. Creio que nem Samantha, nem Josh Boone, que escreveu o diálogo para a personagem, sabia disso.

Pois bem. No filme, Louis não se mostra surpreso com o fato de Samantha dizer que a obscura “Polythene Pam” é sua música preferida, entre todas as canções que já foram compostas across the universe. Ele a essa altura já devia estar cansado de saber que Samantha, apesar de ser prosadora, e não poeta, era uma grande fingindora, que finge tão completamente que chega a sentir que é sua canção preferida a canção que é apenas uma escolha para mostrar como ela é diferente dos demais mortais.

Ela então pergunta a preferida dele, e ele diz o nome de uma canção que nem Samantha nem eu jamais tínhamos ouvido falar, de uma banda nova, pouco conhecida.

Três jovens atores com tudo para dar certo na carreira

Assinam a trilha sonora do filme Mike Mogis e Nate Walcott.

Quem mesmo?

Pois é: Mike Mogis e Nate Walcott. O AllMusic não tem ainda verbete sobre o primeiro – apenas registra que gravou um disco, exatamente a trilha sonora de Stuck in Love, de 2013, que saiu nos Estados Unidos pelo selo Varèse Sarabande, especializado em trilhas sonoras. Não há ainda, no site que tem absolutamente tudo sobre música pop, verbete para Nate Walcott.

Além da trilha original composta pela dupla, aparecem no filme diversas canções assinadas por cantores e bandas que eu desconhecia totalmente: Edward Sharpe and The Magnetic Zeros, Cloudbirds, Bill Ricchini, Chinatown, Like Pioneers, Rio Bravo, Bear Driver, Jesse Voccia… Apresentam, todos eles, belas canções.

Um autor-diretor de 33 anos tem mesmo que trazer gente nova na trilha sonora. E gente nova no elenco.

zzlove5Os atores que fazem os dois irmãos nos impressionaram. A garota Lily Collins promete: está excelente como essa menuina rebelde, que o irmão define como “promíscua”. Nascida na Inglaterra, em 1989 – quando minha filha tinha 14 anos! –, foi criada em Los Angeles, depois que os pais se separaram. Em maio de 2014, tinha 14 títulos no currículo – cinco deles ainda sendo feitos ou em fase de planejamento. Em 2012, o mesmo ano deste Writers/Stuck in Love, fez o papel de Branca de Neve em Espelho, Espelho Meu/Mirror Mirror, em que a Rainha é interpretada por Julia Roberts.

Antes de engrenar a carreira de atriz, teve alguma experiência como jornalista.

O menino Nat Wolff nasceu em Los Angeles em 1994; segundo o IMDb, é também cantor e compositor. Tinha, em maio de 2014, 13 títulos na filmografia.

E a garotinha Liana Liberato (na foto abaixo), texana nascida em 1995, dona de um rosto lindíssimo, já teve um papel de destaque em um filme importante, Confiar/Trust, de 2010: ela interpreta uma menina – filha dos personagens interpretados por Clive Owen e Catherine Keener – que troca mensagens por computador com um sujeito que vai se revelar um pedófilo, um predator sexual.

É muito difícil acertar nesse tipo de previsão, mas eu diria que esses três jovens atores, Lily Collins, Nat Wolff e Liana Liberato, têm tudo para dar certo na carreira.

Um ótimo primeiro filme. Previsível, sim, mas e daí?

Em sua crítica sobre o filme no AllMovie, Perry Seibert escreveu que o autor-diretor Josh Boone não marca nenhum ponto no quesito originalidade, no roteiro de seu longa-metragem de estréia, Stuck in Love, “mas tem um bom ouvido para os diálogos e escolheu bons atores para seu primeiro filme”.

E ele encerra assim: “Boone ainda não é um escriba bom o suficiente para nos convencer que sabe alguma coisa sobre escritores – não há uma reviravolta na trama ou cena que você não seja capaz de prever –, mas ele de fato demonstra talento para criar personagens simpáticos, cheios de falhas, e para encontrar os atores certos para interpretá-los. Stuck in Love é um ótimo primeiro filme que, se Boone tiver sorte, não será seu melhor trabalho.”

zzlove8aEstá certo isso aí. Concordo plenamente: o filme é previsível, sim.

Por exemplo: quando o filme ainda está com uns 10, 15 minutos, e Samantha faz lá um de seus discursos contra o amor, o romantismo, e a favor da trepada casual, sem qualquer envolvimento emocional, Mary comentou que a personagem é uma chata. Concordei, mas disse: é uma comedinha romântica, e então o coraçãozinho duro de pedra dela vai se derreter.

É claro que vai! É o óbvio ululante que vai!

Pegue-se qualquer personagem central que no início da narrativa tem o coração duro, gelado: há 99% de chance de que, quando o filme estiver terminando, ele se mostrará uma pessoa de coração imenso. Há carradas de exemplo, mas o primeiro que me ocorre é Monty Wildhorn, ele também escritor (de novelas passadas no Velho Oeste), interpretado pelo gigante Morgan Freeman em O Reencontro/The Magic of Belle Isle, de 2012. Monty Wildhorn é um bêbado chato de galocha na primeira metade do filme – mas no final mostrará seu coração gigantesco e bom.

No caso específico de Samantha, a jovem escritora “promíscua”, a trama criada por Josh Boone tem uma explicação convincente, lógica, natural, para o seu comportamento, para sua postura anti-romance (“Se amar é guardar um lugar na mesa para alguém que nunca vai aparecer, acho que eu passo”). Da mesma maneira, tem lógica, dentro da trama, o fato de Bill, o escritor bem-sucedido, estar à espera do retorno da ex-mulher, mesmo após dois, três anos.

Writers/Stuck in Love não é exatamente uma comédia romântica. É mais uma comédia dramática sobre família, relações afetivas. De comédias dramáticas sobre família, relações afetivas, não se deveriam exigir surpresas, reviravoltas inesperadas. Essas coisas, melhor deixar para os Stephen King, os thrillers, os filmes de mistérios.

De filmes sobre família, relações afetivas, creio que o certo é esperar personagens interessantes, bem construídos e bem interpretados, e uma visão correta das coisas – não uma visão cor-de-rosa, mas também não uma visão cínica, negra, desesperançada.

E é isso que este filme de estréia de um fedelho de 33 anos é. Um bom filme.

Anotação em maio de 2014

Ligados pelo Amor/Writers/Stuck in Love

De Josh Boone, EUA, 2012

Com Greg Kinnear (Bill Borgens), Jennifer Connelly (Erica), Lily Collins (Samantha Borgens), Nat Wolff (Rusty Borgens), Kristen Bell (Tricia), Logan Lerman (Louis), Liana Liberato ((Kate), Rusty Joiner (Martin), Stephen King (a voz de Stephen King)

Argumento e roteiro Josh Boone

Fotografia Tim Orr

Música Mike Mogis e Nate Walcott

Montagem Robb Sullivan

Produção Informant Media, MICA Entertainment. DVD Califórnia Filmes.

Cor, 97 min

***

6 Comentários para “Ligados pelo Amor / Writers / Stuck in Love”

  1. Vi esse filme faz uns meses, e também gostei. Já não me lembro de detalhes, mas lembro que gostei das músicas e o indiquei pra uma amiga bem novinha, por causa dos personagens filhos do escritor.
    Realmente, ele é previsível, o final então, nem se fala. Mas os atores estão todos bem (não gosto da Jennifer Connelly, que faz sempre o papel dela mesma), e os jovens também me impressionaram. Eu lembrava do menino, por causa do “Paz, Amor e Muito Mais”, onde ele fez um irmão meio chatinho, ao contrário desse aqui, e atuou muito bem. Das meninas eu não lembrava, embora tenha visto filmes com elas (só agora lendo o texto me lembrei da que fez “Confiar”, ótimo filme, diga-se de passagem).
    É mesmo triste um homem esperar que as coisas se ajeitem com a ex-mulher dois anos depois da separação, mas pior ainda é ele ir até a casa dela com o atual marido para ficar espionando. Pra mim isso é o fundo do poço, e não é uma atitude esperada de um homem maduro. Mas cada vez mais tenho notado que os filmes têm mostrado esse tipo de comportamento juvenil em caras de quem se espera alguma maturidade – talvez seja a arte imitando a vida.
    Bem legal mesmo a sequência com o Stephen King (ele parece que gosta de participar de filmes, não foi o primeiro que vi com ele, embora nesse tenha sido apenas a voz).
    Também concordo que não se trata de uma comédia romântica, mas de uma comédia dramática; e quer coisa melhor que filmes que falam sobre família e relacionamentos de uma forma não amarga? Certamente essa é uma das qualidades dele.
    Tem uma hora em que a história fica um pouco piegas, o roteirista/diretor perde um pouco a mão, mas fora isso é difícil falar que foi uma estréia e que o cara é super novo.

    P.S.: achei ótima a sacada sobre “O Apanhador no Campo de Centeio”, não entendo o hype em cima desse livro chato.

  2. Uma coisa ótima que também faz esse esse filme ser bom e eu esqueci de mencionar, é que ele fala sobre livros, e sobre jovens recém saídos da adolescência que gostam de ler e escrever. Tudo bem que o pai escritor os influenciou e deu um empurrão, mas ainda assim achei super válido mostrar jovens que gostam de ler/escrever.

  3. Concordo com vocês é um filme levinho, agradável de ver, cujo valor maior é o enaltecimento da leitura e do estudo, temas que são tão pouco focados pela juventude de hoje que prefere as redes sociais e a televisão.
    Também a forma como os dois jovens vivenciam a transição da adolescência para a idade adulta e a permanência do amor do ex-marido pela ex-mulher são assuntos explorados de forma interessante.
    O final é previsível como o da maioria dos dramas familiares.
    Guenia Bunchaft
    http://www.sospesquisaerorschach.com.br

  4. Não faço o estilo de ação, violência, terror e afins, então para mim este filme é lindo, já assisti várias vezes. Depois de “Orgulho e Preconceito” este é o melhor filme. A história é linda, os diálogos inteligentes, com comentários sobre literatura e música, além dos atores serem apaixonantes, o filme é excelente. Não é uma história tristíssima com apelo sentimental extremo.Os nortes americanos devem ter estranhado que houve cenas em que as pessoas são degoladas, as cabeças não explodiram, não teve sangue jorrado, não houve mortes em massa ou carros explodindo, estas coisas tão comuns nos filmes de sucesso.

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