Eis aí um bom filme que é também uma aula de História e de Ciências. Lançado em 2008, Einstein e Eddington, uma caprichada produção da HBO e da BCC, relata como o astrônomo inglês Arthur Eddington conseguiu comprovar a teoria de Albert Einstein sobre a gravidade.
Pode parecer um tema árido, ou complexo demais para quem não tenha feito um bom curso de Física ou Astronomia. Complexo claro que é, mas, como se fosse um belo artigo de revista de divulgação científica, o filme usa uma linguagem acessível, e mesmo um espectador muito mal informado sobre esses temas – como eu – acaba tendo facilidade de compreender ao menos os conceitos mais básicos.
Além disso, a história é riquíssima de detalhes fascinantes, e o roteirista Peter Moffat e o diretor Philip Martin conseguem criar uma narrativa ágil, agradável, interessante.
Eddington era o mais jovem cientista a chefiar a Real Sociedade Astronômica de Cambridge
O roteiro usa o que chamo de narrativa-laço: começa a contar a história num ponto importante, que, se fosse num jogo de futebol, acontece ali pelos 40 minutos do segundo tempo; aí então há um flashback, e a partir de então se narram os fatos cronologicamente.
Um letreiro informa que a sequência inicial se passa em 1919 na Ilha do Príncipe – do arquipélago São Tomé e Príncipe, possessão portuguesa, ao largo da costa ocidental da África. Uma expedição da Real Sociedade Astronômica de Cambridge está levando equipamento para o alto de uma montanha: um potente telescópio e máquina fotográfica. Dois cientistas vão aproveitar o eclipse total do Sol, previsto para o dia seguinte, para fazer fotos das estrelas ao redor dele. Um deles é Arthur Eddington (David Tennant, na foto acima), um rapaz bem jovem, o mais jovem a chefiar a Real Sociedade que, no passado, havia sido dirigida por ninguém menos que Isaac Newton (1642-1727), o autor da teoria da gravidade.
Para azar de Eddington e seu companheiro Frank Dyson (Richard McCabe), na noite anterior ao dia do eclipse solar, chove a cântaros – e o calor destrói boa parte dos filmes levados pela equipe.
Eddington comenta com o colega Dyson: – “Se as nuvens abrirem às 2h30 de amanhã, vamos olhar para o céu, fazer fotos do eclipse. Estaremos olhando para a poesia da existência. E, se Einstein estiver certo, o universo nunca mais vai ser o mesmo.”
A narrativa acompanha Eddington e Einstein na vida profissional e na pessoal
E então voltamos no tempo, para Cambridge, em 1914, quando Eddington acabava de assumir a direção da Real Sociedade Astronômica.
Ele e a irmã, Winnie (o papel da sempre maravilhosa Rebecca Hall, em foto mais abaixo), estão se instalando na grande residência reservada ao diretor – a mesma que, quase 200 anos antes, havia sido ocupada por Isaac Newton – quando recebem a visita de Sir Oliver Lodge (o sempre ótimo Jim Broadbent), o patrono da indicação de Eddington para o posto.
Sir Oliver conta para Eddington que o governo alemão está naquele momento – a Primeira Guerra Mundial já havia começado – reunindo seus melhores cientistas na Universidade de Berlim, para que trabalhem no esforço de guerra. Os alemães estavam atrás de um cientista de quem os ingleses nunca haviam ouvido falar; Eddington deverá descobrir por que ele é tão desejado pelos inimigos, o que ele estuda, qual é seu campo de atuação. O rapaz pergunta o nome desse cientista, e Sir Oliver informa: Albert Einstein.
E então corta, e o espectador fica conhecendo o jovem Einstein (interpretado por Andy Serkis), que vivia então em Zurique, na Suíça, com a mulher Mileva (Lucy Cohu) e os dois filhos, Hans (Callum Williams) e Eduard (Jacob Theato).
A partir daí, a narrativa acompanhará simultaneamente as trajetórias de Eddington e de Einstein – tanto na vida profissional quanto na pessoal.
O inglês lê um trabalho que o alemão havia publicado, e fica fascinado. Mais tarde, intrigado com o que lhe parece uma falha na teoria da gravidade de Newton – o fato de que a velocidade com que Mercúrio gravita em torno do Sol não é igual à dos demais planetas -, ele envia uma carta a Einstein, que a essa altura havia voltado para Berlim, atendendo ao chamado de um velho mestre, Max Planck (Donald Sumpter).
O questionamento do astrônomo inglês excita a imaginação do cientista alemão, que aprofunda então os estudos que vinha fazendo sobre a gravidade.
A morte do homem que Eddington amava o deixa em profundo conflito com a fé
A cooperação dos dois cientistas vai acontecendo enquanto seus países estão em guerra, e as comunidades científicas da Inglaterra e da Alemanha se odeiam. Os colegas de Eddington em Cambridge ficam chocados com o fato de o astrônomo estar colaborando com um cientista do país inimigo – e também com o fato de que o jovem está questionando os estudos de Newton, um dos maiores orgulhos da ciência britânica. Como num Fla-Flu, aquilo vira uma rivalidade patriótica – se aquele até então desconhecido cientista alemão estivesse certo, a teoria de Isaac Newton conteria furos, o que, para os cientistas ingleses, era algo absolutamente inaceitável.
A vida pessoal de Einstein é tumultuada. Há brigas constantes entre ele e Mileva, a mulher. Ele acaba retornando a Berlim e deixando a família em Zurique, para profunda tristeza do filho Hans, em especial. Em Berlim, vai se envolver com uma parenta, Elsa (Jodhi May, uma atriz de beleza estranha, fascinante).
Na universidade, entrará em conflito com os colegas, vários deles empenhados em usar os conhecimentos científicos para a produção de armas, como um gás letal – um gás que, numa determinada batalha, matará o filho de Sir Oliver e um colega e amigo íntimo de Eddington, William Marston (Patrick Kennedy).
Quando isso acontece, o espectador já sabe que na verdade Eddington tinha paixão pelo amigo. Winnie, a irmã devotada, já havia percebido isso.
Eddington e Winnie são quakers praticantes, devotos. A morte do homem que amava deixará Eddington em profundo conflito com sua fé.
O filme serve para colocar em evidência a importância de Arthur Eddington
Este filme de produção suntuosa, bem feitíssimo em todos os aspectos artesanais, serve não apenas para que passemos a conhecer um pouco sobre a vida de Einstein e sobre sua teoria geral da relatividade, como também para recolocar no seu devido lugar esse cientista fascinante, Arthur Eddington. Eu, pelo menos, jamais tinha ouvido falar dele. E ele foi o primeiro cientista a perceber a importância dos estudos de Einstein – e foi o homem que comprovou, na prática, através das fotos feitas na ilha de Príncipe, que a teoria de Isaac Newton tinha falha – e a de Einstein estava correta.
Já ficou bem longe o tempo em que filme feito para a TV era coisa menor. Volta e meia as produções da HBO e da BBC comprovam que muito do melhor cinema que se faz hoje é produzido para a TV.
Anotação em fevereiro de 2014
Einstein e Eddington/Einstein and Eddington
De Philip Martin, EUA-Inglaterra, 2008
Com David Tennant (Arthur Eddington), Andy Serkis (Albert Einstein),
e Rebecca Hall (Winnie Eddington), Jim Broadbent (Sir Oliver Lodge), Donald Sumpter (Max Planck), Richard McCabe (Frank Dyson), Lucy Cohu (Mileva Einstein), Jodhi May (Elsa Einstein), Jacob Theato (Eduard Einstein), Callum Williams (Hans Einstein),
Patrick Kennedy (William Marston),
Roteiro Peter Moffat
Fotografia Julian Court
Música Nicholas Hooper
Montagem Trevor Waite
Produção Company Television Productions, HBO Films, BBC Films, Pioneer Pictures.
Cor, 90 min
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