O romance Um Dia, lançado na Inglaterra em 2009, foi escrito para ser best-seller, e best-seller virou, instantaneamente, em diversos países, Brasil inclusive, claro. O próprio autor do romance, David Nicholls, um jovem inglês de boa educação e talentos múltiplos, escreveu o roteiro do filme.
A diretora é a experiente, irrepreensível dinamarquesa Lone Scherfig, autora do gostoso Italiano para Principiantes, de 2000, feito em seu país, e do excepcional Educação, produção inglesa de 2009.
Para viver o par central, foram escolhidos a ótima americana Anne Hathaway e o jovem inglês em ascensão Jim Sturgess. A trilha sonora é de uma compositora maravilhosa, Rachel Portman. A fotografia, de Benoît Delhomme, é um brilho, assim como a montagem, que neste filme, em especial, passado ao longo de 20 anos, tem papel importantíssimo.
Não poderia dar outra. O filme, bem realizadíssimo, tem sido um grande sucesso. Confiro no Box Office Mojo. De fato: com um orçamento de US$ 15 milhões (pequeno, para uma co-produção Inglaterra-EUA), já rendeu US$ 56 milhões, e deve continuar faturando bem.
Tem todos os elementos certos para atrair multidões de espectadores, e para se tornar um dos filmes prediletos de muita gente, em especial de jovens românticos Pode perfeitamente ser, para muita gente desta segunda década do século XXI, uma espécie assim do que foi Love Story no início dos anos 70 do século passado.
Parece assim uma espécie de cruzamento de Tudo Bem no Ano Que Vem com Harry e Sally – Feitos um para o Outro.
Mas, ao contrário desses dois, não é uma comédia romântica. É romântico, mas é um drama.
A moça e o moço vão para a casa dele, ele apaga antes da trepada
Como em Tudo Bem no Ano Que Vem, o casal se encontra todo ano, ao longo de um longo período de tempo – 20 anos, como já foi dito. O filme, como o livro, mostra o que acontece aos dois protagonistas no mesmo dia do ano, o dia 15 de julho, o dia de São Swithin, ao longo de duas décadas.
Como em Harry e Sally – Feitos um para o Outro, o rapaz e a moça são grandes amigos que demoram demais a entender que um é o grande amor da vida do outro.
Como em tantos filmes, o roteiro usa o que chamo de narrativa laço: a ação começa, digamos, aos 40 minutos do segundo tempo do jogo; depois volta ao início do primeiro tempo, e mostra o que aconteceu ao logo de todo o jogo, e só no final mostra os cinco minutos finais da partida.
Começa em 15 de julho de 2006. Vemos Emma (o papel de Anne Hathaway) nadando, depois pegando sua bicicleta e andando com ela por ruas de Londres.
E aí volta para 15 de julho de 1988, 16 anos antes, portanto. Emma estava com cerca de 20 anos, e se formava numa cidade escocesa, provavelmente Edimburgo, embora isso não seja dito explicitamente. É o dia da formatura, e um grupo de colegas comemora. Os rapazes bebem muito. Dexter (o papel de Jim Sturgess) bebe bastante. Está, na verdade, bastante bebinho. Parece não reconhecer Emma, mas Emma sabe bem quem ele é, e diz isso a ele: diz que ele esteve na casa dela no aniversário dela, e a chamou por um outro nome.
Vão parar os dois na casa dele.
Enquanto Emma vai ao banheiro, Dexter apaga. Depois acorda, mas os dois percebem que dali não vai sair uma trepada. Dormem juntos, abraçadinhos.
Ficarão amigos para sempre.
Diferentemente de Harry e Sally, em que os dois tontinhos de fato não percebem que estão o tempo todo ao lado do grande amor de suas vidas, no entanto, em Um Dia Emma sabe, desde sempre, que ama Dexter. As fichas vão demorar muito a cair é na cabeça de dele.
O autor diz que queria criar um romance épico
Letreiros bem bolados, bem sacados, inteligentes, vão nos introduzir às sequências que mostram os encontros e desencontros de Emma e Dexter ao longo da vida, sempre no dia 15 de julho.
Num dos especiais que acompanham o filme no DVD, o autor e roteirista David Nicholls diz que quis criar um romance épico. Conseguiu. Um Dia tem, sim, um tom épico. Não é apenas uma história de amor, desencontros e encontros. Tem a clara preocupação de mostrar o pano de fundo, a Grande História acontecendo lá atrás enquanto Emma e Dexter se encontram e desencontram.
Da mesma maneira com que Bernardo Bertolucci quis fazer um épico que mostrasse as mudanças sociais da Itália na primeira metade do século XX em seu Novecento, da mesma maneira com que Claude Lelouch sempre tenta fazer um painel do século XX em filmes como Toda uma Vida, Retratos da Vida, Esses Amores, Um Dia tem essa clara preocupação de traçar um afresco dos últimos anos do século passado e dos primeiros do novo século.
Isso aparece nas roupas, nas músicas, nos penteados, no comportamento das pessoas.
Mais ainda: em seu romance épico, em seu roteiro para um filme épico, David Nicholls quis também refletir sobre essa coisa fundamental que é a passagem dos sonhos da juventude para a realidade do início da idade madura, muitas vezes tão distante dos sonhos que sonhamos quando jovens quanto o planeta Terra da estrela mais afastada de nós nos confins do universo.
As grandes esperanças, as imensas expectativas, muito vezes vão sendo reduzidos à mais miserável poeira.
Nesse sentido, Um Dia se aproxima um pouco dos filmes que mostram reuniões de velhos amigos, que acabam servindo para um inventário de suas desilusões – belos filmes como O Reencontro/The Big Chill, de Lawrence Kasdan (1983), Para o Resto de Nossas Vidas/Peter’s Friends, de Kenneth Branagh (1992),
Uma bela história de dois personagens simpáticos e trágicos
O secular jornal londrino The Times trouxe uma crítica sobre o livro de Nicholls que pode perfeitamente ser aplicada ao filme: “Pois, apesar de sua aparência cômica, Um Dia é na verdade sobre a solidão e a selvageria casual do destino; o trágico buraco entre as aspirações da juventude e os comprometimentos que todos nós acabamos tolerando. Não é à toa que Nicholls disse que ele foi inspirado em Thomas Hardy.”
Em thelondonpaper, escreveu-se que Um Dia “pode ser uma história de amor, mas não é um conto de fadas. Nicholls não foge do lado escuro do amadurecimento, a desilusão, os arrependimentos, a crueldade dos acasos na vida.”
É bem isso.
Talvez David Nicholls tenha exagerado um tanto na perdição de rumo de Dexter. Tive essa impressão, enquanto via o filme e acompanhava a descida dele ao inferno do álcool demais e do pó demais. Mas não tem tanta gente que era jovem demais no final dos anos 80 e também perdeu completamente o rumo e enfiou os dois pés em todas as jacas do quintal?
Assim, pensando agora, algum tempo depois de ter digerido o filme, acho que, a rigor, a rigor, não houve exagero, não. Assim como não há exagero ou fantasia na trajetória de Emma. Ela também ficou um tempo perdida no momento da transição entre o fim dos estudos e a época de partir para batalha de ganhar a vida, mas era uma personalidade mais forte, mais centrada do que Dexter. E o fato de ter conseguido algum sucesso, pouco a pouco, resultado de esforço, dedicação, parece natural, verdadeiro.
Interessante. Demorei um pouco para terminar esta anotação, deixei passar algum tempo entre o The End do filme e o do texto, e nesse período, ainda que breve, percebi que na verdade o filme é melhor do que me pareceu enquanto o via.
Sim, é um bom filme. E dá vontade de ler o livro. Talvez no livro o desenho desses dois personagens simpáticos e trágicos seja ainda mais bem desenvolvido do que no filme.
Anotação em novembro de 2012
Um Dia/One Day
De Lone Scherfig, Reino Unido-EUA, 2011
Com Anne Hathaway (Emma),
Jim Sturgess (Dexter)
e Tom Mison (Callum), Jodie Whittaker (Tilly), Rafe Spall (Ian), Joséphine de La Baume (Marie), Patricia Clarkson (Alison), Ken Stott (Steven), Heida Reed (Ingrid), Romola Garai
Roteiro David Nicholls, baseado em seu romance homônimo
Fotografia Benoît Delhomme
Música Rachel Portman
Montagem Barney Pilling
Produção Focus Features, Film4, Random House Films, Color Force. DVD Universal.
Cor, 107 min
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olá, Sérgio!Feliz 2013 e que venham muitos outros bons comentários, uma vez que não abandonarei esta leitura jamais…
Sobre este filme, gostei muuuuito, bem triste, mas bem bonito. Na verdade, o final era de certa forma “previsível” (spoiler), pelo menos pra mim, pois achei que o Dexter era incorrigível e que, provavelmente ia pisar na bola com a Emma após o casamento… pena que, pelo que pareceu, ele teve uma mudança, a duras penas, após a morte dela.
abraço
Este meu início de comentário vai soar como um desabafo e, portanto, tem um spoiler.
NÃO LEIA QUEM AINDA NÃO VIU
Por que ela tinha que morrer?? Qual o motivo?
E de que maneira… fica um gôsto amargo. Pôxa, se alguém tinha de morrer, por que não ele? Ela sofreu, se aprumou na vida, esperou por ele (que só foi prá ela por cagaço e solidão) quando vai ser feliz, morre ???
Posso e devo estar falando bobagem mas, como disse, é um desabafo, porque gostei muito do filme e nao gostei de seu final.
Não sou contra filmes que tenham finais tristes,já vi alguns assim mas aqui não vi sentido e achei que merecía um final feliz.
É aquela história, é não deixar para amanhã o que pode ser feito hoje.
Como dizia Cazuza, “o tempo não para”. É, e também não volta. Não se pode perder tempo em querer e ser feliz.
Fico propenso a acreditar que para não fazer um final clichê (feliz)foi feito esse.
Ah!! Sei lá, eu estou mesmo amargo com esse final.
Fazia tempo eu não discordava de você sobre um filme, mas aqui sou obrigada a fazer isso (e a discordar também da Patricia, cujos comentários normalmente me agradam, e do Ivan, que tem gostos para filmes que batem com os meus, no geral).
Não gostei desse filme, achei chato, arrastado, forçado. Parecia que os atores não estavam confortáveis nos seus papéis; gosto de assistir a um filme e esquecer que estão atuando, mas aqui eu via isso a todo momento. E o sotaque fake da Hathaway?
Acho que eu esperava mais, foi um filme muito falado, badalado. Nem consegui terminar de ler o livro…