Suspeito Zero é um thriller interessante. Não só porque tem bons atores – Aaron Eckhart, Ben Kingsley, Carrie-Anne Moss – fazendo bons personagens, mas também por causa do visual caprichado, estiloso, e, em especial, por causa da trama.
É uma trama surpreendente – ainda mais porque o começo leva o espectador numa direção, e depois revela que não é nada daquilo, que as aparências enganavam.
Começa parecendo que é mais uma história de serial killer que ataca em estradas – como tantos outros filmes antes dele, tipo A Morte Pede Carona.
Vemos um cartaz desses de criança desaparecida no chão, ao lado de uma estrada. Corta. Um gigantesco caminhão passa pela estrada numa noite de chuva. Corta de novo, e vemos um plano geral de uma lanchonete de beira de estrada. Lá dentro, uma garçonete serve mais um café para o único freguês – um sujeito comum, igual a tantos, gordão, careca, de camisa social e gravata, lendo uma revista de pesca. Veremos depois que o nome dele é Harold (Kevin Chamberlin).
Entra no bar uma figura sinistra – bem mais tarde veremos que se chama O’Ryan, e é interpretado por um Ben Kingsley com cara de muito mau, ou muito louco, ou as duas coisas. Está todo vestido de preto, molhado da chuva que cai lá fora. Senta-se diante de Harold sem que este perceba, e de repente pergunta:
– “O que há na maleta?”
Harold leva um susto, pega os óculos, olha para o desconhecido com expressão de assombro. O outro faz diversas perguntas:
– “Você está sempre com essa maleta. O que leva nela?”
– “Vendo utensílios para restaurantes. Desculpe. Não ouvi seu nome.”
– “Você deve viajar muito, não é? Pelo país inteiro, ou só por aqui? Como sua mulher se sente? Ela deve se sentir solitária, com você fora o tempo todo. E você, como se sente? Sente falta de trepar com ela?”
E começa a mostrar para Harold desenhos de mulheres nuas e mortas.
Harold olha para os lados, à procura de ajuda, mas naquele momento os dois estão sozinhos na lanchonete. Harold xinga o desconhecido e sai, vai em direção ao carro. Está assustado, com muito medo, e deixa cair a chave do carro, depois a carteira. Quando finalmente consegue abrir a porta, sentar-se ao volante e dar a partida, um outro carro o segue. Mas aqui há um pequeno exemplo de que as aparências enganam: depois de andar um tanto na estrada sob a chuva forte, Harold percebe que o carro não o estava seguindo – a certa altura ele desaparece. Mas o alívio de Harold dura pouquíssimo: O’Ryan, o desconhecido de figura sinistra, estava escondido no banco de trás. Agora ele aparece, colocando luvas, e manda Harold encostar o carro.
Um agente do FBI que foi rebaixado, e tem fortes dores de cabeça
Corta, e vem uma sequência no escritório do FBI em Albuquerque, Novo México. Há uma figura nova no pedaço – o agente Tom Mackelway (o papel de Aaron Eckhart) está chegando para seu primeiro dia ali, e é recebido pelo chefe local, Rick Charleton (Harry Lennix). O espectador percebe muito rapidamente que Tom foi rebaixado, que já havia ocupado função mais importante em Dallas, Texas, cidade 20 vezes maior que a acanhada Albuquerque.
Vemos também que Tom toma constantemente remédio para aliviar a dor. Mais tarde saberemos que ele tem dores de cabeça terríveis.
Não vai demorar muito para que o filme revele por que Tom Mackelway foi rebaixado, tirado de um posto importante em Dallas e enviado para Albuquerque. A causa das dores de cabeça, no entanto, só será revelada bem perto do final da narrativa.
Mais tarde, naquele mesmo dia, Tom vai tentar fazer um café, e uma simpática secretária vem em seu auxílio. “Então você é Mackelway?”, diz ela. E acrescenta que chegou um fax para ele.
E aí a imagem se repete, com um tom vermelho – como se aquela cena estivesse sendo filmada por uma câmara oculta, ou algo assim. Estamos com dez minutos de filme, e este é o primeiro sinal de que há algo muito estranho no ar.
A trama vai se complicando mais e mais; é tudo mais complexo do que se imagina
No seu segundo dia de trabalho em Albuquerque, Tom vai, juntamente com seu novo chefe Rick, até o local em que Harold foi assassinado em seu carro, junto da fronteira entre dois Estados.
O FBI mandou para o local também uma outra agente, vinda de Dallas. Fran (o papel da bela Carrie-Anne Moss), percebe-se imediatamente, teve no passado uma ligação importante com Tom. De forma um tanto implícita, meio en passant, o filme mostrará que os dois foram casados, separaram-se, e Fran casou de novo; agora, já está separada mais uma vez.
Até aí, então, até uns 15 minutos, tudo indica, repito, que é mais um filme sobre um assassino serial – a figura sinistra interpretada por Ben Kingsley – que age em estradas.
Mas há a tal seqüência em que tudo aparece vermelho. Volta a haver tomadas assim.
A trama vai se complicando mais e mais. E não é nada do que parecia no começo – é tudo muito mais complexo. As aparências do início estão lá para enganar o espectador.
Atenção: aqui há spoilers. Melhor parar a leitura
Não vou detalhar, é claro, os segredos que serão revelados só bem mais adiante na narrativa, mas é impossível deixar de registrar – depois do aviso de que é um spoiler – que Suspeito Zero vai tratar de um tema fascinante, que parece absurdo, totalmente ilógico, irracional: o uso, pelas autoridades americanas, de pessoas com poderes paranormais.
Parece maluco, é maluco, mas é verdade. Um jornalista inglês, Jon Ronson, fez séria pesquisa, com diversas entrevistas, sobre o tema, e publicou um fascinante livro de não-ficção, uma longa reportagem, Os Homens Que Encaravam Cabras. Com base no que o livro conta, criou-se uma história de ficção que resultou num delicioso filme com o mesmo nome da obra jornalística. O filme Os Homens Que Encaravam Cabras é uma deliciosa, impagável comédia. O livro é sério – assim como a forma com que o assunto é tratado neste Suspeito Zero.
Aqui não há graça nenhuma, não há o charme de George Clooney, Jeff Bridges e Kevin Spacey interpretando militares doidões escolhidos para serem assim uma espécie de cavaleiros jedis de verdade.
Aqui é tudo sério, doloroso, dolorido.
O diretor exagera nas proezas visuais, mas a narrativa é interessante e os atores estão ótimos
Nunca tinha ouvido falar nesse diretor E. Elias Merhige. Pelo que se vê no filme, ele gosta de imagens estilosas, posições de câmara inusitadas; mexe com as cores – há momentos em que o filme fica marrom, cinzento, quase preto-e-branco. Abusa de super hiper big close-ups – mas todos esses fogos de artifício não atrapalham a narrativa. Até se adequam a ela, já que a história que o filme conta não é propriamente usual.
E, se exagera nas proezas visuais, o diretor Merhige se mostra bem competente na direção de atores. Tanto Aaron Eckart quanto Ben Kingsley têm atuações soberbas.
Vejo agora que E. Elias Merhige é um nova-iorquino nascido em 1964; sua filmografia como diretor tem hoje 10 títulos, dos quais 5 são curta-metragens. Antes deste Suspeito Zero havia feito A Sombra do Vampiro, uma reconstituição de como foram as filmagens de Nosferatu, o grande clássico do alemão F.W. Murnau, feito em 1922.
Suspeito Zero não chega a ser um grande filme. Mas é, sem dúvida, uma boa pedida para quem gosta de thrillers.
Anotação em março de 2013
Suspeito Zero/Suspect Zero
De E. Elias Merhige, EUA, 2004
Com Aaron Eckhart (Thomas Mackelway), Ben Kingsley (Benjamin O’Ryan), Carrie-Anne Moss (Fran Kulok),
e Harry Lennix (Rich Charleton), Kevin Chamberlin (Harold Speck), Julian Reyes (patrulheiro), Keith Campbell (Raymond Starkey), Chloe Russell (Loretta)
Roteiro Zak Penn e Billy Ray
Baseado em história de Zak Penn
Fotografia Michael Chapman
Música Clint Mansell
Montagem John Gilroy e Robert K. Lambert
Produção Paramount Pictures, Intermedia Films, Lakeshore Entertainment, Cruise/Wagner Productions.
Cor, 99 min
***
Este filme passou no Maxprime, canal da NET no domingo dia 12 deste mes. Marquei para assistir porque gosto deste gênero de filme e também pelos atôres que são ótimos, mas acabei esquecendo e assisti outros filmes.
Fui lá na programação do Maxprime e,olha só, vai passar novamente hoje às 14 Hs e também no sábado dia 25 às 10:20 Hs.
Não sei se vou assistir hoje pois já tenho outros filmes para ver. Se for assim, vejo no sábado e depois dou um “pitaco” aqui.
Sergio, esse ” Nosferatu ” do F .W . Murnau, está postado no youtube mas , a imagem é muito ruím, o filme é mudo e as legendas não são em portugues.
Esse ” A Sombra do Vampiro ” ainda não vi.
Um abraço !!
Voltei. Está passando -como eu disse acima- agora, no Maxprime.
Só que eu acabei de assistir.
Procurei, encontrei e assisti online.
É um ótimo thriller. Gostei muito.
Não sabia do uso desses agentes com poderes paranormais.Será que esses caras não piravam?
É uma tremenda loucura . . .
Mas o O’Ryan ter entrar no banco traseiro do carro sem ser visto pelo gordão, vem junto com o pacote ?? Como ele conseguiu ?
Uma coisa que sempre me deixa agastado , é quando vejo uma pessôa tomar um comprimido e jogar a cabeça para trás. Isso acontece em vários filmes. Não entendo porque diretores usam esse efeito, não é necessário.
Muito bom mesmo este filme. As músicas ajudam
bastante .
Um abraço !!
O tema é interessante, mas não gostei muito do filme, achei arrastado em vários momentos. Não é o tipo de suspense que prende e te faz querer saber o que vai acontecer em seguida.
Adoraria ver um filme que tratasse de agentes com poderes paranormais com seriedade e um pouco mais a fundo. O filme é sério, mas como é um thriller, isso acaba atrapalhando um pouco.
Sobre o comentário do Ivan, o que notei foi que o gordão demorou um pouco pra travar as portas do carro, depois de ter entrado, e aí já era, o O’Ryan já estava lá. Mas como ele era um ex-agente do FBI, acho que arrombar a fechadura de um carro velho pra ele era de menos, e ainda o fazia com uma mão nas costas.
E sabe que de tanto ver filmes e séries, geralmente quando entro no carro à noite, dou uma olhada pra ver se não tem ninguém no banco de trás? Just in case…
Isso que o Ivan falou de um personagem tomar um comprimido e jogar a cabeça pra trás também me incomoda. É desnecessário mesmo, já que vemos a pessoa colocando o comprimido na boca e tomando água. Me lembrou a personagem da Claire Danes, na série Homeland. Ela sofre de algum transtorno psíquico e toma remédio controlado, e esse recurso de jogar a cabeça pra trás é sempre mostrado. É como se o espectador fosse burro…
Olá Jussara !!
Uma bôa tarde para voce , amiga.
Bem lembrado por ti esse fato de olhar para o banco de trás do carro. Eu não falei nada sôbre isso mas certo dia comentei com minha mulher que devemos sempre (e não é paranóia)antes de entrarmos no carro, dar uma olhada geral,não custa nada e, em qualquer hora do dia.
O motivo, é o mesmo que voce citou.
E sabe, ontém à noite eu estava vendo outro filme e a mulher ía tomar um comprimido. Comecei a me coçar mas … valha-me Deus !!
Ela engoliu o mesmo, na maneira normal e natural como deve ser. Ufa !!!
Foi bom ver mais um comentário seu, Jussara.
A amiga estava meio ausente. Bem, a verdade é que nem sempre existe a coincidência de vermos os mesmos filmes.
Um abraço prá voce e outro prá ti, Sergio.
Oi, Ivan,
Eu estava meio sumida mesmo, mas leio os textos e os comentários aqui quieta no meu canto. Às vezes recolho-me à minha insignificância. rss
E quando estou vendo mais de uma série de uma vez, perco um pouco o pique para ver filmes e termino vendo só um ou dois por semana. Às vezes vejo um filme mas fico com preguiça (ou não estou em um bom momento) de comentar. Também perdi todos os filmes que tinha baixado porque queimou meu HD (com apenas 4 meses de uso), e eu só vejo filmes pelo computador. Até penso em assinar o Netflix, mas não sei se compensa, e se seria fácil cancelar, caso eu não gostasse.
Hehehe, é um alívio mesmo quando os atores não jogam a cabeça pra trás nas cenas em que precisam tomar um comprimido.
Abraços.
Jussara, não suma, por favor. Você faz uma falta danada quando some.
Um grande abraço.
Sérgio
Olá Jussara !!
Um prazer grande continuar este papo contigo amiga. Logo depois de ter dito que estavas meio ausente, assisti o filme “Partir” onde, que bom, lá estavam dois comentários teus.
Veja o tamanho da diferença, eu assisti esse filme ontém e voce em 1 julho 2010.
Mais uma vez foi muito bom ler voce. Só no primeiro comentário, para variar, mostraste o teu entender,teu saber, tua visão aguçada.
Como eu digo,é sempe muito bom ler os textos do Sergio e as tuas opiniões.
Eu ainda não disse nada sôbre “Perder”, pois ás vezes vejo 3 filmes, anoto e depois então opino, sôbre eles de uma só vez.
Também vejo muitos filmes pelo computador.
Não sei te dizer nada sôbre o Netflix.
Bem, amiga, um abraço e saúde para voce. Nos encontramos em outros comentários.
Um abraço também para voce, Sergio. Tenho pronto para mandar, “Perder”-“O silencio de Lorna” e “Corações Perdidos”.
Fiquem com Deus !!
Enquanto eu escrevia o Sergio postou sua mensagem.
Ele está certíssimo com o que disse, Jussara.
Abraços para os dois !!
Muito obrigada, Ivan e Sérgio, vocês é que são ótimos!
Às vezes eu comento em alguns filmes onde você já comentou, Ivan, por isso nos desencontramos. Nos encontramos nos próximos, então.
Abraços aos dois, e obrigada pelas palavras!