Levei um susto ao ver, logo no iniciozinho do filme, que o fim do mundo a que o título se refere não é, ao contrário do que havia imaginado, uma figura de linguagem, uma metáfora. Não: é o fim do mundo mesmo.
Ver os filmes sem ter lido nada sobre eles, sequer uma sinopsezinha básica, dá nisso: às vezes você leva susto.
Não estava preparado para ver um filme sobre o fim do mundo, o Armagedon, o Apocalipse, o Dia do Juízo Final. Achava que era uma comedinha romântica, ou um drama-comédia-romance.
Bem, na verdade Procura-se um Amigo para o Fim do Mundo é um drama-comédia-romance. Não é um filme catástrofe, nem uma ficção científica. É um drama-comédia-romance que vira road movie e eventualmente acontece de se passar nos últimos dias antes do fim do mundo – um gigantesco asteróide aproxima-se da Terra, vai colidir, todo tipo de vida no planeta vai acabar.
Um sujeito comum, sem brilho especial, sem sorte na vida
Essa idéia, essa sacada, esse ponto de partida para a trama, me parece um achado precioso. O mundo vai acabar, e então o filme vai acompanhar o dia-a-dia de uma pessoa normal.
E bota normal nisso. O protagonista, Dodge, interpretado por Steve Carell com aquela cara de sujeito comum dele, é um funcionário de uma grande companhia de seguros. Quando o cinema americano quer mostrar uma pessoa comum, sem brilho especial qualquer, costuma usar uma pessoa que trabalha em companhia de seguros. Quer coisa mais sem brilho, sem charme, sem glamour, que um funcionário de uma companhia de seguros?
E Dodge, o anti-herói da história, é um bom sujeito. Mas, tadinho, não teve muita sorte na vida. Seu primeiro e único grande amor, Olívia, cansou-se dele, o abandonou. Nunca mais se viram. Mais por medo da solidão do que por paixão, Dodge casou-se com Linda (Nancy Carrell, mulher de Steve na vida real). Estão juntos num carro parado num parque na primeira seqüência do filme, enquanto o rádio dá notícias sobre o fim do mundo antes de voltar à sua programação tradicional de rock clássico. De repente, ela abre a porta do carro e sai correndo. A 21 dias do fim do mundo, Dodge se vê sozinho.
Se o mundo fosse acabar, você abria a porta do hospício, trancava a da delegacia?
O que você faria se o mundo fosse acabar?
Essa bela sacada da autora, roteirista e diretora Lorene Scafaria – talvez influenciada pela interpretação de que, segundo o calendário maia, o mundo iria acabar em dezembro de 2012 –, os compositores Paulinho Moska e Billy Brandão já haviam tido também. “O Último Dia” é uma extraordinária canção, engrandecida pela interpretação de Ney Matogrosso. A letra é um esplendor:
Meu amor
O que você faria se só te restasse um dia?
Se o mundo fosse acabar
Me diz, o que você faria?
Ia manter sua agenda
De almoço, hora, apatia?
Ou esperar os seus amigos
Na sua sala vazia?
Corria prum shopping center
Ou para uma academia?
Pra se esquecer que não dá tempo
Pro tempo que já se perdia?
Andava pelado na chuva?
Corria no meio da rua?
Entrava de roupa no mar?
Trepava sem camisinha?
Abria a porta do hospício?
Trancava a da delegacia?
Dinamitava o meu carro?
Parava o tráfego e ria?
Uma estranha mistura de caos e da mais absoluta rotina
Dodge mantém sua rotina, como se não estivesse acontecendo nada. Vai trabalhar todos os dias. Vai à academia de ginástica – exatamente como questiona a canção de Paulinho Moska e Billy Brandão. Passa diante das bancas de jornais que exibem, por exemplo, a revista News Today, com uma grande chamada de capa: “Edição final”, e o título “O melhor da humanidade”, acima de duas fotos – uma de Jesus Cristo, outra de Oprah Winfrey.
(Beleza de piada, esta!)
Ao voltar para casa, abre a caixa de correspondência, para ver o que chegou.
Os últimos dias do mundo, em torno de Dodge, criados por Lorene Scafaria, são uma estranha mistura de caos e da mais absoluta rotina – e as primeiras seqüências do filme, muito bem realizadas, mas sobretudo muito bem pensadas, inteligentes, fascinantes, prometem uma obra empolgante.
Milhares de pessoas estão abandonando a cidade em que Dodge vive (não se especifica qual), indo sabe-se lá para onde. Na empresa de seguro, diversos funcionários já não comparecem mais; há muitas vagas nos quadros de direção.
O rádio e a TV noticiam a aproximação do asteróide que vai acabar com toda a vida no planeta, mas em seguida dão as notícias do dia-a-dia, anunciam o grande Concerto pelo Fim do Mundo, mostram como está o tráfego nas principais vias.
Elsa (Tonita Castro), a faxineira latino-americana, vai como toda quinta-feira fazer a faxina no apartamento em que Dodge agora vive sozinho, depois que Linda o abandonou. Ao chegar em casa numa quinta-feira, Dodge até que tenta dizer a Elsa que ela não precisa voltar; diante do pânico da faxineira pela possibilidade de perder o emprego, ele retira o que havia dito. E Elsa diz que ele precisa comprar limpa-vidro, que está acabando.
Numa manhã, Dodge estaciona seu carro no lugar de sempre, junto do prédio da empresa. Um suicida cai sobre o carro.
Quando faltam 14 dias, Dodge vai visitar um casal de amigos, Warren e Dianne (Rob Corddry e Connie Britton). O casal vai dar uma última ceia para um grupo de amigos. Com a maior naturalidade do mundo, Dianne diz que soube da notícia – que Linda o havia abandonado –, e comenta: “Não sei como ela demorou tanto”. Um instante depois, diz a ele que Karen (Melanie Lynskey), mulher atraente, gostosona, e solteira neste momento, virá para a ceia.
A ceia vira uma festa louca, quase uma orgia, todo mundo enchendo a cara. Alguém aparece com heroína. Karen dá em cima de Dodge, mas ele não quer saber – vai se esconder no banheiro. Dianne aparece lá; conversam um pouco, e Dianne beija Dodge. Nosso anti-herói se assusta: “Dianne, você é a mulher de Warren!”
Uma autora-diretora jovem, que demonstra ter talento
Os primeiros 15 minutos de Procura-se um Amigo para o Fim do Mundo são assim: bem sacados, inteligentes, imaginativos, estranhamente engraçados.
E aí surgirá Penny, a personagem de Keira Knightley. A forma com que ela de repente entra na vida de Dodge me pareceu um tanto forçada – e, a partir daí, a autora e diretora perde um pouco a mão. Depois desse início interessante, fascinante, bem bolado, o roteiro fica irregular. Vai alternar bons momentos com alguns confusos, um tanto bobos, alguns beirando até o ridículo.
A impressão que fica é que Lorene Scafaria não teve talento, talvez experiência suficiente para criar o desenrolar da trama que parte de idéias tão boas.
Procura-se um Amigo para o Fim do Mundo foi o primeiro filme dela como diretora. Antes, havia escrito três roteiros: o de um longa, Uma Noite de Amor e Música/Nick and Nora Infinite Playlist, de 2008, o de um curta e o de um episódio da série de TV Children’s Hospital. É de fato muito jovem: nasceu em 1978, em New Jersey, e já atuou também como atriz e cantora.
Obviamente, tem talento, a moça – e a juventude, afinal, é uma doença que o tempo cura, se o mundo não acabar antes.
No sempre bom All Movie, Jason Buchanan faz uma boa apreciação do filme. “Espertamente, a autora-diretora Lorene Scafaria perde pouco tempo para estabelecer o cenário, de maneira que a comédia pode brilhar nas primeiras cenas, e, com atores como Carell, Rob Corddry e Patton Oswalt para manter as risadas, Seeking a Friend for the End of the World consegue manter um tom um tanto leve, mesmo com corpos caindo do céu e a sociedade começando a ruir. Depois que Penny aparece e vira algo como um ‘road movie’, Scafaria consegue manter nosso interesse ao introduzir personagens cujas motivações não podem ser facilmente depreendidas, e ao apresentar situações que, embora ocasionalmente absurdas, ainda conseguem levar adiante a trama de uma maneira que não fica abertamente banal ou forçada.”
Jason Buchanan finaliza dizendo que, se o filme não consegue ser bom durante todo o tempo, os momentos de acerto suplantam os elementos mais fracos, “nos deixando com um genuíno sentido de alegria mesmo – ou talvez especialmente – quando passamos do ponto de concessões e vemos o melhor da humanidade emergir sob as circunstâncias mais desoladoras”.
No meio de sua crítica, ele diz: “É uma linha particularmente difícil sobre a qual caminhar”.
Está certíssimo isso, na minha opinião. Na metade do filme, e depois que ele acabou, comentei com Mary que o filme de fato caminha sobre o fio da navalha, na tênue linha que separa as belas idéias do ridículo, do bobo.
Não é um grande filme, é claro. Mas tem suas qualidades. Belas atuações, ótimas piadas, ótimas observações sobre o comportamento humano – e, sobretudo, a belíssima sacada de tratar o fim do mundo não como um filme catástrofe, mas como exame do cotidiano das pessoas.
Anotação em janeiro de 2013
Procura-se um Amigo para o Fim do Mundo/Seeking a Friend for the End of the World
De Lorene Scafaria, EUA, 2012
Com Steve Carell (Dodge), Keira Knightley (Penny),
e Connie Britton (Diane), Adam Brody (Owen), Rob Corddry (Warren), Gillian Jacobs (garçonete), Derek Luke (Speck), Melanie Lynskey (Karen), Tonita Castro (Elsa), Nancy Carell (Linda), e, em participação especial, Martin Sheen (Frank)
Argumento e roteiro Lorene Scafaria
Fotografia Tim Orr
Músida Jonathan Sadoff e Rob Simonsen
Montagem Zene Baker
No DVD. Produção Focus Features, Anonymous Content, Indian Paintbrush, Mandate Pictures. DVD Paris Filmes.
Cor, 101 min
**1/2
Sérgio,
Eis aí um belo pequeno filme.
Abraço!
Assisti na noite de ontém. Legal mesmo focar nas pessôas e não no tal asteróide, o fim do mundo. 102 Km de diâmetro. Que estrago !!!
Sergio, entraste no clima do filme,(na parte comédia), ou foi impressão minha ter visto certa ironia, algum sarcasmo quando falas do cara comum Fun.Púb. sem charme, sem brilho, sem glamour ? Qualquer forma, achei legal.
Terá sido também impressão minha ou a Keira está com as pernas mais carnudas ??
Fica um questionamento muito grande mesmo.
Qual sería o cotidiano de todos nós?
E o locutor da TV dizendo para o povo não esquecer de adiantar o relogio por causa do horário de verão (cômico e trágico).
Final triste como não podería deixar de ser mas, achei bem executado.
Na trilha sonora que achei muito linda além de ter “The air that I brethe”com The Hollies
tem também no final do filme quando sobem os créditos, a lindíssima ” This guy’s in love with you ” com Herb Alpert and Tijuana Brass.
Um abraço !!
Como já tinha lido um pouco, vi o filme no dia 20/12, véspera do que seria o fim do mundo – foi bem divertida a temática para o momento 😀
E o filme é bastante decente, trazendo um sentimento de melancolia bem forte, mas sem forçar demais.
Gostei!
Apenas simpático.
Destaque para a trilha sonora.
Keira ainda não me convence como atriz…