A Cidade dos Desiludidos / Two Weeks in Another Town

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0.5 out of 5.0 stars

O grande Vincente Minnelli fez dois filmes sobre os bastidores do mundo do cinema – os dois com Kirk Douglas como protagonista. O primeiro foi Assim Estava Escrito/The Bad and the Beautiful, de 1952. Exatos dez anos depois, fez este Two Weeks in Another Town, no Brasil A Cidade dos Desiludidos.

Gostei bastante do primeiro, quando o vi, uns dez anos atrás; fiz na época uma anotação bem pequena. Nunca tinha tido a oportunidade de ver o segundo – até agora.

Foi um absoluto choque para mim e também para Mary: o filme do talentoso diretor nos pareceu horroroso. Inacreditavelmente pavoroso.

Assim, vou começar esta anotação com outras opiniões, de gente que sabe muito mais do que eu.

“A histeria predomina em A Cidade dos Desiludidos”

Leonard Maltin deu 3 estrelas em 4: “Tentativa extremamente ambiciosa de intelectualizar a novela de Irwin Shaw, a respeito dos problemas de pessoas envolvidas na produção de filmes em Roma. Reúne muito do talento de The Bad and the Beautiful; um trecho do filme é usado como um filme dentro do filme aqui.”

zztown2Pauline Kael escreveu o seguinte, na tradução de Sérgio Augusto:

“O produtor, John Houseman; o diretor, Vincente Minnelli; o roteirista, Charles Schnee; o compositor, David Raksin, e o astro, Kirk Douglas, haviam todos trabalhado juntos dez anos antes em Assim Estava Escrito, um filme de fulgurante sucesso sobre a indústria do cinema em Hollywood. Desta vez, nos dão uma visão super-sofisticada e tórrida de refugos de Hollywood reunidos em Roma, tentando um retorno. Rangendo os dentes e contorcendo-se todo, Kirk Douglas faz um ex-astro autodestrutivo que sofreu um colapso e ficou internado numa clínica durante três anos; Cyd Charisse (cintilante de Pierre Balmain), sua ex-mulher ninfômana; Edward G. Robinson, o famoso e cínico diretor com quem ele trabalhava – agora também por baixo. Todas as personagens são vistas numa fase de tensão extrema e extravagante perturbação. Dirigem como maníacas e fazem coisas infames umas às outras; e participam de orgias de deixar A Doce Vida no chinelo. A certa altura, projetam trechos de Assim Estava Escrito, discutido como modelo de realização cinematográfica criativa; as cenas mostram Lana Turner tendo ataques histéricos, e a atuação dela é descrita – com respeito – como um exemplo de grande interpretação. A histeria predomina em A Cidade dos Desiludidos, e assume uma forma peculiarmente pictórica – as composições estilizadas, a grandiosidade suntuosa, o sonho do decorador roubam o filme. O diálogo tem sua própria ostentação pretensiosa: numa praia onde, presume-se, as pessoas dizem a verdade, a jovem heroína ‘pura’ (Daliah Lavi, na foto abaixo) pergunta a Dougas como ele se sentia quando era um astro. “Solitário”, ele responde. “Tão famoso e sozinho?”, ela indaga. Ao que ele replica: “Todo mundo é solitário. Os atores mais ainda.” “Por que alguém ia querer ser ator?”, ela pergunta, e Douglas responde com franqueza: “É uma boa pergunta. Pra se esconder do mundo. Que faz o público no cinema se não se esconder… Trocar seus problemas pelos meus na tela?” E como vamos saber se essa moça é de fato tão meiga e simpática quanto parece? Quando Douglas a beija, ela toca a cicatriz no rosto dele, demonstrando com isso que é pelo homem ferido, e não pelo ator famoso, que se interessa. Nas circunstâncias, Douglas e Robinson fazem um trabalho surpreendentemente bom. (…) O filme foi quase um fracasso total de bilheteria.”

Hum… Dame Pauline Kael em geral costuma ser bem mais cáustica do que isso.

zztown4O Guide des Films de Jean Tulard dá 3 estrelas, algo raro, e elogia o filme. Diz que ele de uma certa forma é a continuação de The Bad and the Beautiful, comenta que nos dez anos entre um e outro Hollywood perdeu um pouco do seu brilho para a Cinecittá romana, e faz uma afirmação peremptória: diz que em uma tomada – que mostra o personagem de Kirk Douglas caminhando numa rua à noite, com a mocinha toda pura interpretada por Daliah Lavi, enquanto passam por eles três cardeais, em seus hábitos vermelhos – Minnelli diz mais sobre Roma, e mostra a cidade de maneira infinitamente mais elegante, do que Fellini em seu Roma.

As frases dos personagens foram escritas para parecer profundas, mas soam falsas, balofas

O livro The MGM Story faz uma observação que me parece corretíssima: “O roteiro de Schnee parece confuso e a direção de Minnelli super-aquecida; talvez devido a um excesso de cortes, os personagens da novela de Irwin Shaw perdem a motivação.”

O roteiro de fato me pareceu confuso, e os personagens, mal construídos. Muitas de suas ações parecem inverossímeis, desconexas, ou simplesmente incompreensíveis.

Irwin Shaw, o autor do romance em que o filme se baseia, costumava ser caudaloso – escrevia trolhas de 500 páginas. É bem provável que, tendo que cortar muitas das passagens do livro, o roteirista Charles Schnee tenha de fato se perdido.

Tudo é exagerado – histérico, como bem disse Pauline Kael. Berra-se demais, o tempo todo. Até os cenários berram: nem na mansão de Elvis Presley ou nas dos personagens de Dallas deve haver tanta parede vermelha e verde.

As frases que os personagens dizem pretendem ser inteligentes, profundas; a sensação que se tem é de que o roteirista quis fazer frases fortes como as de A Condessa Descalça, que trata do mesmo tema, mas o que na obra-prima de Joseph L. Mankiewicz é elegante, brilhante, certeiro, aqui soa falso, balofo, emproado, bocó.

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Uma síntese da ruindade geral do filme é a personagem de Cyd Charisse. A bela atriz diz suas falas com uma voz que pretende ser estrondosamente sensual, mas o resultado é mais ridículo do que qualquer outra coisa.

Outra boa síntese é a personagem interpretada por Rossana Schiaffino; a bela italiana faz Barzelli, uma atriz horrorosa, que só consegue papéis porque dá para o produtor ou para o diretor ou as duas coisas. Tudo na personagem é grotesco.

A seqüência bem ao final, em que Kirk Douglas dirige a mil hora ao lado de Cyd Charisse, deixa o espectador com vergonha do que está vendo.

Bem, é a minha opinião, que, como digo sempre e repito, não vale três guaranis paraguaios furados. Para mim, o grande Vincente Minnelli neste filme deu com os burros n’água.

Anotação em outubro de 2013

A Cidade dos Desiludidos/Two Weeks in Another Town

De Vincente Minnelli, EUA, 1962.

Com Kirk Douglas (Jack Andrus), Edward G. Robinson (Maurice Kruger), Cyd Charisse (Carlotta), George Hamilton (Davie Drew), Daliah Lavi (Veronica), Claire Trevor (Clara Kruger), James Gregory (Brad Byrd), Rossana Schiaffino (Barzelli),  Joanna Roos     (Janet Bark), George Macready (Lew Jordan), Mino Doro (Tucino), Erich von Stroheim Jr. (Ravinski)

Roteiro Charles Schnee

Baseado no romance de Irwin Shaw

Fotografia Milton Krasner

Música David Raksin

Montagem Adrienne Fazan e Robert J. Kern Jr.

No DVD. Produção John Houseman, Metro-Golwyn-Mayer. DVD Versátil

Cor, 107 min

1/2

Título na França: Quinze jours ailleurs. Em Portugal: Duas Semanas Noutra Cidade.

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