Um ficção científica-ação, baseado em história em quadrinhos, ou, como se diz hoje em dia, graphic novel, com Bruce Willis como protagonista e duas mulheres belíssimas no elenco, Radha Mitchell e Rosamund Pike. Sou meio avestruz, vejo todo tipo de filme, resolvi experimentar. E quer saber? É bom. No gênero, é bem bom.
Há elementos que fazem lembrar Blade Runner, e também Avatar, com uma boa pitada de Isaac Asimov. Em questão, a velha discussão sobre homens e máquinas, homens e robôs, a dependência das máquinas que as pessoas desenvolvem, a ponto de não saberem mais viver sem elas. A velha discussão sobre o que é essencialmente humano, e que corremos o risco de perder.
Os roteiristas – Michael Ferris & John D. Brancato – foram espertos para apresentar ao espectador o admirável mundo novo que o filme mostrará. A narrativa abre com noticiários de TV, de hoje – um momento qualquer do futuro, não determinado – , de 17 anos atrás, de sete anos atrás.
Dezessete anos antes do momento atual, um cientista, Lionel Canter (James Cromwell), desenvolveu os substitutos, os surrogates do título. São robôs, máquinas com a aparência de seres humanos, que passam a executar todas as tarefas do dia a dia para as pessoas. As pessoas, os seres humanos, ficam em casa, cada um conectado a seu substituto, seu avatar. As pessoas decidem o que fazer, como fazer, e as ordens passam de seus cérebros para os substitutos. Dessa maneira, os próprios seres humanos não se expõem a riscos, perigos. Ficam na segurança de suas casas, enquanto os substitutos vão à rua, vão ao trabalho, e executam todas as tarefas que as pessoas determinam.
Se acontecer, por exemplo, de um substituto ser atropelado, o ser humano não sofre nada, e a máquina pode ser consertada, ou refeita, ou substituída por outra inteiramente nova.
A invenção se propagou pelo mundo inteiro. Praticamente todos os seres humanos têm o seu substituto, e a moderna tecnologia permite que o substituto tenha feições bem parecidas com as da pessoa original. caso este seja seu desejo.
Em todas as distopias, há sempre pequenos grupos de rebeldes
Há humanos que não concordam com isso, com a forma como as coisas foram acontecendo, com a dependência total que as pessoas passaram a ter das máquinas. Em todas as grandes cidades americanas, grupos de humanos rebeldes formaram comunidades em que não é permitida a entrada de substitutos. Eles têm um líder nacional, chamado de O Profeta (Ving Rhames), que prega a extinção de todos os substitutos.
Grupos pequenos de rebeldes. Há deles em todas as histórias de ficção científica, nas distopias. Eles estão em Fahrenheit 451, em 1984, em Filhos da Esperança…
Um tiro, um flash de luz potentíssimo
Um rapaz de black-tie, em uma limousine, chega a uma boate apinhada. Sobe num balcão altíssimo, pula de lá no meio da pista de dança e um segundo depois está dançando com uma louraça de fechar o comércio. Dois segundos depois, o casal está do lado de fora da rua, num beco, se agarrando. Uma pessoa se aproxima. O rapaz de black-tie berra para ele:
– “Cai fora, carne ambulante!”
Mas a pessoa que se aproximou não cai fora. Saca uma arma, e atira no rapaz. Um flash de luz potentíssimo sai da arma. O atirador pula na sua moto, parada ali ao lado, e foge a toda. Na fuga, provoca uma violenta batida de um carro, que, descontrolado, amassa diversas pessoas contra a parede do prédio da boate.
Viaturas de polícia chegam ao local. Um pouco depois, chegam dois agentes do FBI…
É uma delícia ver, na ficção científica, como algumas coisas mudam tanto – praticamente todos os seres humanos agora são substituídos na vida prática por substitutos – , mas outras permanecem idênticas a hoje. Estamos num futuro não determinado, mas as boates são idênticas às de hoje, e os agentes do FBI são quase idênticos aos de hoje.
E então chegam dois agentes do FBI, Greer e Peters, interpretados respectivamente por Bruce Willis e Radha Mitchell (os dois nas fotos acima).
Pouco depois, num quarto de moradia estudantil, numa importante universidade, aparece morto um rapaz, que depois saberemos ser o filho único de Lionel Canter, o inventor dos substitutos. Canter filho estava operando o seu substituto – o rapaz de black-tie –, quando seu cérebro estourou.
A tal arma usada pelo atirador que fugiu de moto tem a capacidade de, ao ser acionada contra um substituto, matar o ser humano que o opera.
Estamos aí com uns 15 minutos de filme, no máximo, e a seguir virá uma trama interessante, bem construída, que envolverá corporação biliardária, contratos com o Pentágono, traidores, perseguições de carro, é claro, e interessantes discussões sobre os seres humanos e as máquinas. E até sentimentos humanos: amor, perda de ser amado, angústia, tristeza profunda. depressão.
A dupla de agentes do FBI que vemos, na pele de Bruce Willis e Radha Mitchell, na verdade é formada pelos substitutos dos verdadeiros agentes Greer e Peters. Os verdadeiros Greer e Peters, como a imensa maior parte das pessoas, ficam em suas casas, operando os seus substitutos, que trabalham por eles.
Um fascinante jogo com os traços dos rostos dos personagens centrais
E aqui os realizadores conseguiram criar um fascinante jogo de semelhanças e dessemelhanças, de realidade e fantasia, do humano e do desenhado no computador.
O Greer substituto, o agente que vai às ruas e ao escritório do FBI, é um Bruce Willis como que trabalhado no Photoshop – um tanto mal trabalhado. Tem um cabelo que não parece muito natural, até com um pequeno topete. O rosto é como aqueles rostos de mulher trabalhados demais no Photoshop, ou também no bisturi – é lisinho demais, perfeito demais, e portanto pouco humano. Claro: é uma máquina.
O Greer ser humano, que fica em casa operando o substituto, é um Bruce Willis careca, de pequena barba, com o rosto bem maquiado para parecer que tem mais rugas de sofrimento e do passar do tempo do que o normal.
E a escolha da australiana Radha Mitchell para fazer a colega de Greer, a agente Peters, e da inglesa Rosamund Pike (na foto acima) para interpretar a mulher de Greer-Bruce Willis se mostra brilhante.
As duas, Radha Mitchell e Rosamund Pike, têm rostos belíssimos, de uma beleza agressivamente perfeita. Parecem esculturas gregas, ou renascentistas. Seus rostos parecem esculpidos por algum artista de talento insuperável – talvez por Deus, em pessoa.
Então temos que os rostos dos substitutos dos três personagens principais parecem de fato rostos construídos em laboratório. Uma coisa diferente do humano.
A verdadeira Maggie Greer, o ser humano que opera aquela substituta mais que perfeita, só aparecerá na segunda metade do filme – e a equipe de maquiagem teve um trabalho assombroso para conseguir deixar no rosto lindo da jovem Rosamund Pike as marcas da passagem do tempo e de uma angústia profunda.
Um diretor que alterna pequenas bobagens com mostras de grande competência
E é interessante ver que o diretor Jonathan Mostow – de quem eu jamais ouvira falar – alterna pequenas bobagens com grande competência. Pequenas bobagens: muitas tomadas, mas muitas, demasiadas, são tortas. A câmara entorta o chão, as pessoas andam como que inclinadas. Diretor que entorta câmara em geral é novato, inexperiente, quer se mostrar diferente – embora tudo que consiga seja parecer ridículo. Ora bolas: quem é que anda torto, e enxerga o mundo torto?
Grande competência. Os três atores principais, Bruce Willis, Radha Mitchell e Rosamund Pike, conseguiram desempenhos interessantes quando estão fazendo o papel dos substitutos. São levemente robóticos. Não é uma coisa assim escrachada, aberta, óbvia demais. É sutil, suave, mas perceptível: seus movimentos são levemente robóticos. Bem diferente de quando aparecem como os seres humanos que operam os subsitutotos.
“Conto de ficção científica inteligente”, diz Maltin
Vejo agora, depois de escrever os parágrafos acima, que Substitutos foi uma aposta cara da Touchstone Pictures, uma empresa dos Estúdios Disney. O orçamento do filme foi de US$ 80 milhões. Nos Estados Unidos, o filme rendeu US$ 38 milhões, no resto do mundo US$ 83, total US$ 122 milhões. Se for contar com o investimento em divulgação, marketing, o filme deve ter dado prejuízo.
E tem lógica. Substitutos pode parecer, a princípio, um filme de ação para o grande público – e, quando se fala em grande público, fala-se em adolescentes, jovens. Mas não é um filme de ação para jovens apaixonados por filmes de ação. É uma ficção científica adulta.
Dou uma olhada no guia 2011 de Leonard Maltin. É bom de vez em quando ver guias de papel, como a gente fazia uns 17 anos atrás, antes de termos substitutos, epa, o computador, o Google, o IMDb. “Conto de ficção científica inteligente…” “Ótimo entretenimento com alguns idéias provocativas por trás dele.”
É, às vezes as impressões do Maltin batem certinho com as minhas. Ele também deu três estrelas para o filme, como eu já havia dado antes de abrir o guia.
Um bom filme de ficção científica. Com boas idéias, sim, e belos acertos na realização.
Anotação em janeiro de 2012
Substitutos/Surrogates
De Jonathan Mostow, EUA, 2009
Bruce Willis (Tom Greer). Radha Mitchell (Peters), Rosamund Pike (Maggie Greer), Boris Kodjoe (Andrew Stone), James Francis Ginty (o substituto de Canter). James Cromwell (Lionel Canter), Ving Rhames (O Profeta)
Roteiro Michael Ferris & John D. Brancato
Baseado na novela gráfica de Robert Venditti e Brett Weldele
Produção Touchstone Pictures, Mandeville Films, Top Shelf Productions, Wintergreen Productions. DVD Disney
Cor, 89 min
***
Vi este filme ontem e concordo com a sua opinião, vê-se bem, não exagera muito, um entretenimento muito razoável.
Pronto está visto, hoje há outro.
Nossos gostos são bastante parecidos em muitas coisas, caro José Luís!
Um grande abraço!
Sérgio