Confusões em Família / City Island

2.5 out of 5.0 stars

Simpática, gostosa comedinha levemente dramática sobre vida em família. O diretor Raymond De Felitta, autor também do argumento e do roteiro, criou uma família disfuncional que é para deixar no chinelo todas as famílias disfuncionais que já vimos no cinema e na vida real.

Em vários passagens, o filme exagera um pouco, força a barra em tanta disfuncionalidade, e há alguns momentos que roçam na pura bobagem. Mas o monte de bons atores, a música inspirada, deliciosamente leve, brincalhona, do grande Jan A.P.Kaczmarak, diversas boas situações e a moral da história se sobrepõem a essas derrapadas.

A moral da história é simples, básica – e boa: não minta em casa. Nem mentiras grandes, nem mesmo as pequenas.

Os Rizzo são, antes de mais nada, mentirosos uns com os outros.

Vince Rizzo (o papel de Andy Garcia) é um guarda de presídio que prefere se definir como oficial correcional. Mente para sua mulher Joyce (a ótima Julianna Margulies, de The Good Wife) que vai jogar pôquer com os amigos, uma vez por semana, quando, na verdade, frequenta um curso de teatro. Sempre sonhou em ser ator; é um apaixonado pelo talento de Marlon Brando – mas jamais teve coragem de dizer isso a Joyce, com medo da reação dela, de que ela risse dele.

Joyce, naturalmente, pensa que ele tem uma amante a quem visita uma vez pore semana.

Vince mente para Joyce que parou de fumar – e continua fumando, só que escondido da mulher.

Joyce mente para Vince que também parou de fumar – e continua fumando escondida.

Vince Jr. (Ezra Miller), adolescente aí de uns 15 anos, mente que vai à aula, mas em geral falta, foge da escola. Tem uma paixão por uma colega gorda; na verdade, tem um fascínio quase obsessivo por mulheres gordas; na internet, vive vendo o site de uma mulher muitíssimo obesa – que acabará descobrindo que, por incrível coincidência, é vizinha deles.

A irmã mais velha, Vivian (Dominik García-Lorido), tem uma mentira mais grave. Mente que está na faculdade, mas na verdade trabalha num clube de strip-tease, desses de pole dance. Está morando fora de casa, mas na semana em que a ação começa, de recesso escolar, é obrigada a deixar o trabalho e passar aqueles dias com os pais e o irmão.

Como se não bastasse, ainda surge o filho que o protogonista teve quando era bem jovem

E ainda há Tony (Steven Strait).

Tony acaba de ser transferido para o presídio onde Vince trabalha. É um jovem aí de uns 24 anos. Ao saber do seu sobrenome, não muito comum, Nardella, Vince vai atrás de sua ficha. Pelo nome, pela data de nascimento, pelo local de nascimento, Vince não tem dúvida alguma: Tony é seu filho, de uma relação que teve muito jovem com uma mulher um pouco mais velha, e que ele abandonou quando ela, grávida, decidiu ter o filho.

Tony está preso por alguns assaltos sem violência, furtos de carro, posse de drogas. A rigor, teria direito a liberdade condicional, se alguém da família se responsabilizasse por ele.

Vince decide levar Tony para casa, tornando-se responsável por ele durante o período de liberdade condicional. Mas, naturalmente, não explica a Tony o motivo pelo qual está fazendo isso; mente que precisa de ajuda para fazer uma reforma na sua casa.

A vida dos Rizzo, que já era uma imensa confusão, vai ficar muito mais confusa ainda – até porque Tony é boa pinta, e qualquer espectador vai logo imaginar que Tony terá algum rolo com a bela Vivian, já que, naturalmente, não sabe que ela é sua meia-irmã. Ou quem sabe até com Joyce, a mulher do pai – e aí a comedinha levemente dramática viraria tragédia grega.

Uma ilha ao mesmo tempo fora e dentro de Nova York

O que dá um charme especial a essa história de família desbragadamente disfuncional é o local onde os Rizzo moram: uma pitoresca, bela ilha, a City Island do título original, junto do Bronx, em Nova York. É um lugar bucólico, que parece uma cidadezinha do interior – e está ao mesmo tempo dentro e fora da maior área metropolitana dos Estados Unidos, o umbigo do mundo.

Vince é nascido e criado na City Island; vive na casa construída por seu avô.

É interessante a relação dos quatro Rizzo com a educação. Na juventude, Vince juntou dinheiro para fazer faculdade, mas acabou tendo que se desfazer da poupança (só bem perto do final ficaremos sabendo por quê), e então se viu obrigado a trabalhar, virou carcereiro e nunca conseguiu deixar a profissão humilde e perigosa. Joyce não pôde fazer faculdade porque ficou grávida de Vivian. Vivian conseguiu uma bolsa e fazia faculdade, mas, ao perder a bolsa, teve que abandonar o estudo e foi trabalhar como dançarina em clube de strip-tease (o motivo também só será revelado perto do fim). E o jovem Vince Jr. joga fora a chance de ter uma vida melhor no futuro ao praticamente abandonar os estudos.

Tony, filho de mãe pobre, criado sem pai, tomou o rumo dos pequenos crimes.

O único personagem que teve oportunidade de estudar, ter boa formação, é Molly (o personagem da sempre ótima Emily Mortimer, na foto acima). Molly é colega de Vince no curso de teatro. O acaso faz com que os dois sejam parceiros num jogo proposto pelo professor, Michael Malakov (o grande Alan Arkin, numa participação especial); cada parceiro deverá contar para o outro seu mais escondido, mais bem guardado segredo – e ensaiar com ele como deverá apresentá-lo à turma durante o curso.

Brincadeiras – e comentários sérios – sobre o show business, a competição desvairada

O curso de teatro, o professor Michael e a aspirante a atriz Molly permitirão que o filme fuja um pouco das confusões e trapalhadas da família Rizzo e faça boas brincadeiras – às vezes com tom bem sério – sobre o show business, o cinema.

Na primeira aula do curso de teatro que o filme mostra, o aluno que está no palco faz pausas entre uma fala e outra. O professor Michael-Alan Arkin faz então um grande discurso contra as pausas que os atores americanos passaram a fazer entre uma frase e outra depois do surgimento de Marlon Brando. É uma deliciosa gozação ao Método do famoso Actors Studio, onde se formaram gigantes – além do próprio Brando, também James Dean, Paul Newman, Al Pacino.

Já para lá da metade do filme, Molly incentivará Vince a participar de um teste para atores – naquele teste, serão escolhidos atores para pequenos papéis de um filme a ser dirigido por Martin Scorsese e estrelado por Robert De Niro. Nesse trecho, como em alguns outros, o filme abandona a graça e mostra algumas realidades dramáticas, como a dureza que é tentar uma chance de ser ator na cidade mais competitiva do mundo.

 Michelle Pfeiffer não aceitou o papel, que ficou para Julianna Margulies. Bom para o filme

Um detalhinho saboroso: a bela Dominik García-Lorido (na foto abaixo), que faz Vivian, a filha mentirosa do mentiroso Vince, é mesmo filha de Andy Garcia. Tem 11 filmes no currículo.

Segundo o IMDb, o papel de Joyce foi oferecido a Michelle Pfeiffer. Ela leu o script, mas não aceitou o papel. Acho que o filme saiu ganhando com isso. Michelle Pfeiffer é bela demais para o papel de Joyce, na minha opinião; ficaria esquisito. Julianna Margulies é uma mulher bonita, atraente, mas não tem aquela beleza de parar o trânsito de Michelle Pfeiffer. Julianna me parece muito mais adequada ao papel – e é uma atriz muito boa.

O diretor e roteirista Raymond De Felitta, nascido em Nova York em 1964, estreou em 1990 com um curta-metragem, Bronx Cheers, que ganhou uma indicação ao Oscar. Parece falar de coisas que conhece – o Bronx, histórias familiares. Falar de coisas que se conhece é um bom passo. Tem talento e sensibilidade. Seu filme de 2005, Coisas de Família/The Thing About My Folks, sobre o relacionamento entre um pai idoso, interpretado por Peter Falk, e seu filho adulto, já mostrava isso, e ele confirma aqui.

Este Confusões de Família é um filme gostoso, agradável, sincero.

Anotação em dezembro de 2011

Confusões em Família/City Island

De Raymond De Felitta, EUA, 2009

Com Andy Garcia (Vince Rizzo), Julianna Margulies (Joyce Rizzo),

Steven Strait (Tony), Emily Mortimer (Molly), Ezra Miller (Vince Jr.), Dominik García-Lorido (Vivian Rizzo), Carrie Baker Reynolds (Denise),

Hope Glendon-Ross (Cheryl), Alan Arkin (Michael Malakov)

Argumento e roteiro Raymond De Felitta

Fotografia Vanja Cernjul

Música Jan A.P.Kaczmarak

Produção CineSon Entertainment, Medici Entertainment, Lucky Monkey Pictures, Gremi Film Production.

Cor, 104 min

**1/2

5 Comentários para “Confusões em Família / City Island”

  1. Coisa deliciosa, há muito que um filme não me deixava assim tão bem disposto. Só pela sequência do teste do Andy Garcia vale a pena assistir. Já não falando naquela trapalhada toda do final…

  2. Que bom saber que nesse caso aqui temos opiniões parecidas, caro Rato!
    Um abraço.
    Sérgio

  3. Verdade, é um filme muito gostoso e bonito.
    Como bem disse o Rato,a sequencia do teste do
    Andy, é muito bacana,bem feita.Assim como, todo aquele rebú no final. Aliás, não sei se
    concordas, eu achei,que aquela confusao toda,
    abafou o começo de discusão entre o Vince e
    sua esposa sôbre a “escorregada” dela com o Tony. Tanto que, depois, o assunto ficou esquecido. Bendita confusão !!! Mas, no final
    ía ficar tudo bem da mesma forma.
    Muito bom filme. E, não posso deixar de citar
    a presença sempre marcante e linda de Emily Mortimer.

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