A Vida Durante a Guerra / Life During Wartime

1.0 out of 5.0 stars

Anotação em 2011: Para mim, este A Vida Durante a Guerra, de Todd Solondz, é um seriíssimo candidato ao prêmio de filme mais chato de toda a história.

Claro: esta é minha opinião pessoal e intransferível. Há muita gente boa – como Renan Machado Guerra, que enviou um comentário sereno e elucidativo (está logo abaixo desta anotação) – que admira o trabalho de Todd Solondz.

Não é o meu caso.

Uma seqüência, quando a narrativa já se aproxima do final, define bem o espírito da coisa toda. Um grupo de amigos, estudantes universitários, está reunido na casa de um deles, numa noite de folga, provavelmente de um sábado, tomando cerveja e se divertindo com a seguinte brincadeira: vamos ver quem vem da família mais louca, mais desgraçada, mais problemática, mais neurótica.

O filme é um ajuntamento, um condensado de todos os tipos de neuroses, desajustes, desgraças, infelicidades, todas as grandes paranóias da sociedade americana. Trata-se de pedofilia, incesto, estupro, perversões sexuais, o medo eterno de um ataque terrorista.

Todos os personagens são problemáticos, infelizes, mal resolvidos, miseravelmente angustiados. E todos se remoem em culpas, e discute-se muito sobre culpa, perdão, esquecimento, culpa, culpa, culpa.

Quase todos os personagens são judeus, assim como deve ser o diretor, Todd Solondz. Seis mil anos de culpa.

Para Todd Solondz, aquela expiação toda de misérias deve parecer um tanto cômica. Para o espectador, é quase uma visita ao inferno.

A garota que é um poço de infelicidade se chama Joy – joy, alegria

Os primeiros infelizes personagens que o espectador conhece são Joy (Shirley Henderson, na foto) e Allen (Michael Kenneth Williams). Estão sentados em um restaurante elegante, ainda não escolheram os pratos. Joy é a própria tristeza ambulante, coitadinha – e o diretor Todd Solondz provavelmente acha que é uma deliciosa piada o fato de aquele poço de infelicidade se chamar Joy – joy, alegria.

A garçonete que chega para atender o casal reconhece a voz de Allan, cospe na cara dele, o xinga de pervertido sexual. Joy pergunta a Allan se ele continua com as suas práticas – que o espectador nunca fica sabendo exatamente quais são –, e ele, que pouco antes havia dito que ia parar com tudo de ruim, confessa que ainda pratica, sim, embora só de vez em quando.

Veremos depois que o trabalho de Joy é ajudar ex-detentos, ex-viciados.

Joy também costuma ser visitada pelo fantasma de um antigo namorado, Andy (Paul Reubens), que se matou.

Aos 12 anos, o herói faz permantemente questionamentos metafísicos

Depois ficamos conhecendo Trish (Allison Janney) e Harvey (Michael Lerner). Estão se apaixonando um pelo outro. Harvey é divorciado, parece um bom sujeito. Trish tem três filhos, diz para todo mundo, inclusive para os dois filhos mais novos, que o pai deles morreu. Não é verdade: o pai dos filhos de Trish, Bill (Ciarán Hinds), esteve preso, está saindo da cadeia quando a ação começa. Um belo dia, um dos filhos mais novos do casal, Timmy (Dylan Riley Snyder) chega em casa aos prantos, dizendo para a mãe que um colega contou para ele que seu pai é pedófilo, está preso por pedofilia, e além disso é homossexual. Timmy diz para a mãe que morre de medo de virar gay.

Com 12 anos, Timmy faz permanentemente questionamentos filosóficos, metafísicos, a respeito de culpa e perdão.

Seu irmão mais velho, Billy (Chris Marquette), que não mora com a família, está fazendo faculdade – é o tal que participa de uma alegre festinha em que se brinca de discutir quem veio da família mais infeliz.

Dá-se a entender – não se afirma isso, mas fica implícito – que, quando criança, Billy foi abusado pelo próprio pai.

Quase todos os personagens xingam muito os demais. Uma noite, Bill, o que é tido como pedófilo, homossexual, é abordado num bar por uma mulher já de idade avançada, que o convida abertamente para uma trepada. Após a trepada, a mulher aparentemente dormindo, Bill mexe furtivamente na bolsa dela. A mulher acende a luz, e diz que está certo, ele merece um dinheiro pelo trabalho duro, afinal ela está velha – que pegue um dinheiro, e suma daí, seu filho da puta.

Não consigo compreender por que a grande Charlotte Rampling (foto abaixo) aceitou fazer o papel dessa mulher neste filme indigesto.

Aliás, não sei por que raios foi que vimos o filme inteiro. É o típico filme que, com 10, 15 minutos, já provou que é descomunalmente chato.

Bons atores, muito bem dirigidos, fazendo personagens chatos

Os festivais adoram filmes chatos, e A Vida Durante a Guerra ganhou dois prêmios e teve outras cinco indicações. Levou o prêmio de melhor roteiro no Festival de Veneza, e, no Festival de Mar del Plata, Allison Janney ganhou o prêmio de melhor atriz.

Isso é preciso reconhecer: todo o elenco está muito, muito bem. São bons atores, muito bem dirigidos, fazendo aqueles personagens insuportavelmente chatos.

Quanto ao título do filme, é uma ironia, igual a botar o nome de Joy na tristíssima, patética figura da moça doida. Não há propriamente uma guerra acontecendo. Quer dizer, há – sempre há alguma guerra acontecendo no planeta, e os Estados Unidos estão envolvidos nela. Nenhum personagem tem nada a ver com as guerras do Iraque ou do Afeganistão, as guerras do momento.

Todd Solondz, nunca mais

Até agora eu quase havia conseguido escapar de Todd Solondz. O diretor, nascido em Nova Jersey, em 1959, estreou no longa-metragem em 1989, com um título que resume seus temas sempre recorrentes: Fear, Anxiety & Depression. Parece que esse filme não colou. Já o seguinte, Bem-Vindo à Casa das Bonecas, de 1995, comédia de humor sobre uma família extremamente disfuncional, uma adolescente feiosa, chata, que se veste da forma mais excêntrica possível, conquistou vários prêmios em festivais.

Depois desse grande sucesso, veio Felicidade/Happiness, em 1998, e em 2001 Histórias Proibidas/Storytelling. Esse aí eu vi, e sobre ele anotei na época três linhas, junto com uma estrelinha: “É chatérrimo, dessas coisas pretensiosamente moderninhas. É preciso dizer, no entanto, que o cara é um extraodinário, mas extraordinário diretor de atores.”

Aprendo no AllMovie que este A Vida Durante a Guerra é uma “pseudo-seqüência” de Felicidade. Uma falsa seqüência. Os personagens são os mesmos – Joy, seu antigo namorado Andy, sua irmã Trish, os três filhos dela, o marido acusado de pedofilia, etc –, só que interpretados por atores completamente diferentes, em situações diferentes.

Então está combinado, está decidido: daqui pra frente, sempre que passar perto de um filme de Todd Solondz, bato na madeira e saio dali bem rapidinho.

A Vida Durante a Guerra/Life During Wartime

De Todd Solondz, EUA, 2009.

Com Shirley Henderson (Joy), Michael Kenneth Williams (Allen), Allison Janney (Trish), Michael Lerner (Harvey Wiener), Ciarán Hinds (Bill), Dylan Riley Snyder (Timmy), Paul Reubens (Andy), Emma Hinz (Chloe),

Ally Sheedy (Helen), Chris Marquette (Billy), Charlotte Rampling (Jacqueline)

Argumento e roteiro Todd Solondz

Fotografia Edward Lachman

Produção Werc Werk Works. DVD Imagem Filmes. Estreou em SP 19/11/2010.

Cor, 98 min

*

4 Comentários para “A Vida Durante a Guerra / Life During Wartime”

  1. Olá! Ainda não assisti esse “A vida durante a guerra”, mas sou um apaixonado pelo Todd Solondz e toda sua estranheza/crueza na forma de enxergar a vida, ou diga-se de passagem, as piores coisas da vida. Felicidade, o anterior a este aqui tratado, é extremamente genial em seu humor negro a tratar de temas delicadíssimos, como a pedofilia. E falando nisso, Felicidade começa com a mesma cena, do casal no restaurante e tal. E também amo “Bem-vindo à Casa de Bonecas”, tanto que escrevi um artigo da faculdade a cerca do filme, que é um tratado sobre a adolescência e as dificuldades de relacionamento, não só na escola como em casa também. Porém entendo sua reação. pois a Laura Prado da Folha escreveu o seguinte sobre Solondz: “Quem conhece o universo dos filmes de Todd Solondz tem duas reações diversas: atração ou repulsa. Seus personagens são amorais e frequentemente se metem em situações socialmente repreensíveis, onde são os únicos a não enxergar a disparidade de suas ações. Eles vivem em um universo condenado.”
    De qualquer modo, não abandone a filmografia do Solondz, tente dar mais uma chance a ele.

  2. Esse Histórias Proibidas é o q/ tem duas histórias diferentes, uma a da aborrescente q/ namora um sujeito com paralisia cerebral e dá pra um professor negão? Pois se é, é um dos filmes mais chatos do mundo. Não é pouca coisa. Hoje todo mundo faz lista de tudo. Então taí meu palpite pra um dos mais chatos.

  3. Olhaí eu de novo. Esse sujeito do filme (o que fez) é caso pra vigilância sanitária. Quase todo americano é. O crianção do Tarantino é. Mas a brasileirada quer dar uma de moderninha, finge que dá valor. Ou dá mesmo, o que seria pior.

  4. o filme é simplesmente uma obra de arte. um dos filmes mais bem feito que assisti esse ano. Sou apaixonada pela joy,personagem com um humor sutil e sarcastico. o filme é sutil e poucos realmente vão entender a mensagem do diretor. A vida no seu caos real e cru. Pra mim particularmente merecia o oscar de melhor filme do ano.

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