Anotação em 2011: Um grande filme, este A Informante/The Whisleblower. É, como ele mesmo se define de cara, inspirado em fatos reais – e aborda fatos reais chocantes, apavorantes que, até onde eu saiba, nunca haviam sido mostrados antes pelo cinema: o tráfico e a escravização de jovens mulheres na Bósnia, nos anos 1990, patrocinado e acobertado por membros das forças de paz da ONU.
O filme demora um pouquinho a chegar ao cerne da história pavorosa. Começa – sem crédito inicial algum – mostrando duas garotas jovens numa festa. Um letreiro nos avisa que estamos em Kiev, Ucrânia, em 1999. Uma das moças tenta convencer a amiga a topar uma aventura – o espectador não fica sabendo exatamente qual é, mas ela passa por um hotel, onde um homem as espera, e pode-se deduzir que a aventura será emigrar, sair do país em difícil reconstrução após o desmoronamento do império soviético. Pode-se até deduzir isso, porque sabemos que muitas belas jovens dos países europeus pós-comunismo tentaram esse caminho, mas nada é dito explicitamente.
O que a diretora Larysa Kondracki e seu co-roteirista Eilis Kirwan mostram é que a outra garota está um tanto temorosa. Chama-se Raya (é interpretada por Roxana Condurache, na foto abaixo, uma jovem de grande beleza, no que parece ter sido sua estréia no cinema). A mãe de Raya é uma mulher abnegada, temerosa pelos perigos que cercam os jovens adolescentes; quando a moça chega em casa já de madrugada, a mãe a confronta – e, ao discutir com ela, consegue o que muitos pais fazem: na ânsia de proteger os filhos adolescentes, acabam dando a eles o pretexto para escapar de sua vigilância. A rápida discussão com a mãe faz com que Raya se decida a procurar a amiga e aceitar a aventura.
De Kiev para o interiorzão do Nebraska
Essas sequências em Kiev são bem rápidas. Corta, e um letreiro anuncia que estamos em Lincoln, interiorzão do Nebraska, por sua vez interiorzão dos Estados Unidos, a tal América profunda. Ficaremos conhecendo Kathy Bolkovac (o papel da inglesa Rachel Weisz, linda e competente como sempre), uma jovem mas já vivida e experiente policial.
O casamento de Kathy (bem mais tarde ficaremos sabendo que é seu segundo) acabou, e acabou mal. O ex-marido, já casado de novo, ficou com a guarda da filha, garotinha aí de uns 10, 12 anos. Kathy está tentando a transferência para a polícia da Geórgia, para onde o ex-marido está se mudando com a filha do casal, mas seu pedido é negado.
Um colega de Kathy, seu superior, sabe de seus problemas e quer ajudá-la. Sugere a ela uma experiência de seis meses no exterior, por um salário muitíssimo melhor que o dela; depois desse período, já bem folgada materialmente, ela poderia então se mudar para a cidade da filha e tentar recuperar sua guarda. Kathy se assusta com a quantidade de dólares que receberia, e pergunta ao chefe se é uma atividade legal.
Sim, é uma atividade legal: é inscrever-se para participar das tropas da ONU estacionadas na Bósnia-Herzegovina, tentando manter a paz e a ordem depois da sangrenta, atroz, louca guerra racial que varreu os Bálcãs após o fim da Iugoslávia.
Esse segundo segmento passado na pequena cidade do Nebraska também é bastante curto. Os roteiristas apresentam os fatos de maneira bem rápida, sucinta, deixando mais implícita do que propriamente explícita a situação pessoal e profissional de Kate, assim como havia mostrado a da jovem ucraniana Raya e de sua amiga.
Estamos aí com não mais do 15 minutos de filme quando um terceiro letreiro anuncia que agora a ação se passa em Sarajevo, na Bósnia.
Uma policial séria, honesta, dedicada ao trabalho, diante de crimes pavorosos
Kathy Bolkovac é uma pessoa séria, profundamente honesta e profundamente dedicada ao trabalho. Uma vez em Sarajevo, não vai demorar muito para se deparar com um panorama absolutamente cruel, desumano. Jovens vindas de diversos locais, mediante promessas mirabolantes, são escravizadas, obrigadas a se prostituir, submetidas a todos os tipos de violência. Os donos dos prostíbulos – em geral escondidos sob a fachada de bares – pagam propinas à polícia e aos soldados da força de paz da ONU para que seus negócios não sejam ameaçados. E policiais locais e os soldados vindos do estrangeiro fazem uso das garotas, numa ampla rede de corrupção, acobertamento e violência.
A própria Kathryn Bolkovac, cuja história é contada, foi consultora dos realizadores do filme. É a visão e a versão dela que o filme retrata.
Nisso, este belo, importante filme se aproxima de outros feitos recentemente contando histórias de personagens reais tendo como pano de fundo fatos importantes da Grande História, como, por exemplo, Jogo de Poder/Fair Game, baseados nos livros autobiográficos do casal Valerie Plame e Joe Wilson, que deixam claro como a administração George W. Bush mentiu descaradamente para justificar a invasão do Iraque.
A aterrorizante experiência de Kathy Bolkovac, no entanto, é bem menos conhecida do que a mentira de Bush e sua quadrilha a respeito das armas de destruição de massa do ditador Saddam Hussein.
E é exatamente o fato de esses horrores na Bósnia pós fim da guerra serem pouco conhecidos que torna este filme imprescindível. É um belo filme, muitíssimo bem realizado; mas o tema que ele mostra ao mundo o torna, além de belo, fundamental, imprescindível.
A ONU terceirizou o trabalho para empresas privadas de segurança
Me considero uma pessoa razoavelmente bem informada, mas não sabia (ou, se já soube, não me lembrava mais) que a ONU terceirizou para empresas privadas de segurança a manutenção das tropas de paz na Bósnia, no final dos anos 1990. A denúncia maior é contra uma dessas empresas – e, ao final da narrativa, antes dos créditos finais, uma legenda informa:
“O contratador privado que demitiu Kathryn Bolkovac continua a negociar com o governo dos Estados Unidos, incluindo contratos no valor de bilhões de dólares no Iraque e no Afeganistão.”
Assim, embora a denúncia principal seja contra uma empresa privada de segurança, uma gigantesca corporação, sobra muita lama para a própria ONU, assim como para o governo dos Estados Unidos.
É o tal negócio. Os crimes mostrados pelo filme – e há sequências horrorosas, apavorantes, de uma violência inimaginável – são daquele tipo de prova de que a humanidade é uma invenção que definitivamente não deu certo. No entanto, a existência de pessoas como Kathryn Bolkovac, e de filmes como este, indicam o contrário – que, afinal, pode ser que não seja uma invenção errada.
Um filme que tem que ser visto
Esse filme ousado, vigoroso, foi produzido com capital alemão e canadense. O site Box Office Mojo diz que não está disponível o custo do filme, mas não foi, certamente, uma produção barata.
Além de Rachel Weisz, uma estrela respeitável, que trafega com desenvoltura tanto por produções do cinemão comercial, como Vigaristas/The Brothers Bloom, quanto por filmes sérios, densos, como O Jardineiro Fiel, de Fernando Meirelles, o elenco tem ainda Vanessa Redgrave, Monica Bellucci e David Strathairn.
A deusa Vanessa e Strathairn, grande ator de importantes filmes independentes, os dois sempre engajados em causas políticas, seguramente participaram do projeto mais por idealismo que por dinheiro. E não deve ter sido outro o motivo pelo qual Monica Bellucci aceitou o papel antipático, desagradável, de uma alta funcionária que é ou cega ou corrupta – ou os dois.
O Box Office Mojo diz que o filme, uma produção de 2010, estreou nos Estados Unidos em 5 de agosto de 2011, o que é fantástico, porque o DVD e o Blu-ray já estavam na locadora que freqüento no dia 13 de agosto, uma semana exata depois da estréia americana.
É um filme que tem que ser visto.
A Informante/The Whistleblower
De Larysa Kondracki, Alemanha-Canadá, 2010
Com Rachel Weisz (Kathryn Bolkovac), Nikolaj Lie Kaas (Jan Van Der Velde), Roxana Condurache (Raya), Paula Schramm (Luba), David Strathairn (Peter Ward), Vanessa Redgrave (Madeleine Rees), Monica Bellucci (Laura Leviani)
Roteiro Larysa Kondracki e Eilis Kirwan
Fotografia Kieran McGuigan
Música Mychael Danna
Produção Samuel Goldwyn Films, Barry Films, Sunrise Films, Primary Productions, First Generation Films. DVD e Blu-ray Swen Filmes.
Cor, 112 min
***1/2
Com este filme há um problemazinho: no IMDb diz que estreou em Portugal em 18 de Agosto de 2011, isto é, ante-ontem.
Mas já andei a procurar e o filme não aparece em lado nenhum. Apenas no jornal Público mas sem qualquer informação nem crítica ou comentário.
E esta?
Filmão. É como vc disse: um filme que tem que ser visto.
Achei meio duro assistir, senti vontade de chorar algumas vezes por ver tanta injustiça. Injustiça é um negócio que mexe comigo.
Rachel Weisz continua mesmo linda (só teve dois filmes que ela fez em que achei que estivesse “feia”, estranha), e graças aos bons deuses não cedeu ainda às plásticas e botox, como Sandra Bullock e Jennifer Aniston, só para citar dois exemplos.
Por falar em botox, não reconheci a cara botocada da Monica Bellucci. Tudo que eu queria era dar uns tapas nela (por causa da personagem).
Ótimo elenco, principal e coadjuvante, com exceção da Bellucci, que considero bem fraquinha.
Enquanto via o filme lembrei do livro Os Homens que Não Amavam as Mulheres. Lá ele cita o tráfico, exploração e violência contra a mulher.
Filmão! e curiosamente saiu em DVD e Blu-ray aqui enquanto estava estreando nos cinemas dos EUA. A Rachel Weisz é ótimo e voltou a viver uma mulher que enfrenta uma rede de corrupção, com mortes e impunidade. O papel anterior, semelhante, foi em O Jardineiro Fiel, pelo qual ela levou o Oscar de atriz coadjuvante. E é sempre bom ver a Vanessa Redgrave. abração
A Kate Winslet, a Rachel Weisz e a Emma Thompson formaram a “British Anti-Cosmetic Surgery League”.
Li isto em Agosto de 2011 e fiquei satisfeito; três excelentes actrizes que recusam esses truques plásticos.
E o filme ainda não chegou a Portugal, a IMDb meteu água e já corrigiu.
Não sabia dessa Liga, José Luís. Nesses tempos em que mulheres com vinte e poucos anos já estão aplicando botox, é muito legal saber disso, ainda mais vindo de atrizes como elas.
Agora é quase inacreditável saber que um filme desse tipo ainda não chegou a Portugal. Se fosse aqui no Brasil eu até entenderia.
Cara Jussara, aqui a Portugal só chega uma pequena parte dos filmes que chegam ao Brasil.
Parece que estamos na Europa e que somos Europeus mas na verdade estamos muito longe de países como a Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Suiça e outros mais ou menos do mesmo tamanho.
Somos um país atrasado, pobre e não temos remédio.
E continua perdido este infeliz…, se calhar vem a nadar, a atravessar o Atlântico…
Pena que é não é possível ler a legenda final do filme, e porque no telecine em casa não le as ultimas frases em americano.