Segredos de Estado / Quelques Jours en Septembre


0.5 out of 5.0 stars

Anotação em 2009: Este filme, na minha opinião, é mais uma comprovação de que não há diferença, no cinemão mainstream, comercialão, de hoje, entre os filmes feitos nos Estados Unidos e os produzidos na Europa. São iguaizinhos.

Segredos de Estado/Quelques Jours em Septembre é uma co-produção Itália-França-Portugal. O diretor e roteirista Santiago Amigorena nasceu na Argentina, escreveu roteiros de diversos filmes franceses; são francesas a estrela Juliette Binoche e a outra atriz principal, Sara Forestier (uma bela e promissora jovem). A ação se passa na Europa – e lá pelas tantas há uma longa discussão sobre a relação de amor e ódio entre europeus e americanos. Mas é exatamente igual ao mais genuinamente hollywoodiano dos filmes hollywoodianos – da mesma forma que os franceses Pacto dos Lobos ou Rios Vermelhos/Les Rivières Pourpres, ou o alemão-francês-espanhol Perfume – A História de um Assassinato, ou o inglês todo passado na Índia Quem Quer Ser um Milionário?

Ele é – como os filmes citados acima – uma produção cara, com grande apuro em todas as áreas técnicas. E, exatamente como os filmes citados acima, é todo exagerado. Tudo é o over do over do over. A heroína, Irène (o papel da Binoche), agente do serviço secreto francês, é perfeita em tudo, sabe tudo, conhece tudo. O vilão, William Pound, interpretado por John Turturro, é o mal em si – é pior que todos os vilões das histórias em quadrinhos juntos. O personagem central da trama, o ex-agente Elliot (Nick Nolte), que só vai aparecer no fim do filme, é mais fodão que James Bond.

Qualquer semelhança com a vida real, com pessoas normais, com gente como a gente, simplesmente não existe.

E, para completar o exagero do exagero do exagero, tanto Turturro quanto Nolte têm um desempenho pavoroso, todo over, todo exagerado, careteiro – um horror. 

         Poucos dias antes do 11 de setembro

Para a sinopse, vou me fiar num texto que está no iMDB, creditado a uma das produtoras do filme, a Gemini – mas acertando uma outra informaçãozinha.

Elliot (Nolte), um ex-agente americano da CIA que sabe informações secretíssimas sobre o que está para acontecer em setembro de 2001, e está desaparecido faz tempo, entra em contato com Irène (Binoche), com quem havia trabalhado em países árabes dez anos antes, e pede que ela leve para encontrá-lo em determinado hotel de Paris sua filha Orlando (Sara Forestier), que ele abandonou uma década antes, e agora vive numa fazenda no interior da França. No hotel onde estava marcado o encontro, está também David (Tom Riley), filho adotivo de Elliot em um outro casamento, nos Estados Unidos. O americano David e sua quase meia-irmã francesa Orlando nunca haviam se visto antes, nem sabiam da existência um do outro. Quem aparece no hotel no dia marcado para o encontro não é Elliot, e sim William Pound (Turturro), que havia trabalhado no passado com Elliot, e agora quer matá-lo. Elliot marca nova data e local para o encontro: daí a poucos dias, em Veneza.

Segue-se um jogo de gato e rato, e que envolve, além de espiões e assassinos, também dois banqueiros que representam os interesses de um monte de árabes riquíssimos, e que receberam a ordem de retirar, antes de 11 de setembro de 2001, todos os investimentos deles em solo americano.

Para dar uma noção da coisa do exagero, basta dizer que o assassino que caça Elliot, o tal de William Pound interpretado por Turturro (foto acima), é absolutamente sádico, mas ao mesmo tempo adora poesia – recita poemas enquanto mata pessoas a rodo – e está sempre ligando para seu psiquiatra para dizer o que está sentindo após cada assassinato.

Ah, vai catar o caminhão de lixo do qual caiu, o tal de Santiago Amigorena…

Deve ser por causa desse personagem – o assassino sádico que adora poesia e precisa falar com seu psiquiatra – que o AllMovie chama o filme de comédia de humor negro. Mas não, o filme não é uma comédia – e se leva muito a sério.

Foi a estréia na direção de Santiago Amigorena. O sujeito, nascido em Buenos Aires, em 1962, no entanto, é um roteirista prolífico. Em oito anos, escreveu 26 roteiros.

         Quando vira obrigação, a gente perde o humor

O filme me deixou literalmente enfurecido. Achei que, além de tudo, é moralmente questionável, para dizer o mínimo, para não dizer absolutamente imoral, por usar uma das grandes tragédias da humanidade, os ataques terroristas de 11 de setembro, como pano de fundo para uma historinha de ação. O 11 de setembro deu origem a diversos filmes bons e sérios, que questionam vários aspectos que envolvem a tragédia, como o recrudescimento do preconceito contra todos os árabes, todos os muçulmanos, o aumento da paranóia da sociedade americana, e o fato de o desgoverno de Bush e Cheney terem jogado fora as noções básicas sobre direitos humanos no combate ao terrorismo.

Já este filme aqui não trata de nada com seriedade. Aproveita-se da tragédia para contar uma historinha besta.

Ao longo do filme, e depois de vê-lo, fiquei pensando seriamente em que devo ver menos filmes. Parar com a obrigação que me impus de escrever todos os dias sobre um filme, de botar um novo post a cada dia neste site. Quando ver filme, ou ouvir música, vira uma obrigação, fica chato – e a gente perde o bom humor. Sempre soube disso, mas, com o site, entrei na armadilha.

Mary não achou o filme tão idiota nem tão imoral; achou que eu exagerei, que vi tudo com mau humor. Neste ponto, concordo plenamente com ela. Vi tudo com mau humor.

         Dois garotos no meio do choque cultural

Bem, não exatamente tudo. Me diverti com o trecho do filme em que o jovem americano David e a jovem francesa Orlando (na foto, a atriz Sara Forestier) discutem sobre as diferenças culturais entre os dois países, entre os dois mundos. Esse tema, a relação de amor e ódio entre EUA e Europa, me fascina.

Como o iMDB traz a transcrição do diálogo, fica mais fácil botá-lo aqui – não preciso anotar, é só traduzir.

David: – “Você não gosta dos americanos, né?”

Orlando: – “Não.”

David: – “Por quê?”

Irène (a personagem de La Binoche, entrando na conversa): – “Porque o pai dela gosta de poesia, e ela odeia. Porque o pai dela é americano, e ela odeia americanos.”

David: – “O fato de o pai dela ser americano não pode ser a única razão para ela nos odiar a todos.”

Orlando: – “Você quer outras razões?”

David: – “Quero.”

Orlando: – “Porque vocês têm as pernas curtas. Porque vocês gostam de Schwarzenegger. Porque vocês cuidam do corpo como se fosse uma máquina, e de sua cabeça como se fosse um tomate. Porque vocês acham que têm que salvar a humanidade. E, surpresa, o que vocês acham que é bom para a humanidade, em primeiro lugar, e principalmente, é o que é bom para vocês. Basta? Ou quer mais?”

Irène: – “Uau! Parabéns. David e eu seríamos capazes de apostar que você nunca diz mais que três palavras juntas.”

 David: – “Você deixou de mencionar algumas outras coisas. Você pode nos odiar porque comemos comida leve. Porque estamos sempre com medo de ficar doentes. Porque somos contra o aborto, mas a favor da pena de morte. Porque nunca fazemos sexo. E porque metade de nós… bem, quase metade de nós votamos em George dabliú Bush. Mas veja, para mim, o fato de que os franceses têm um presidente estúpido nunca me impediu de gostar deles.”

Depois de um momento de silêncio, David diz: – “Deve ser cansativo sentir tanto ódio.”

E Orlando, depois de algum tempo: – “Vocês americanos são como dinossauros. Vocês são muito fortes, e acham que vão viver para sempre e mandar em tudo para sempre. Nunca parou para pensar por que vocês fazem tantos filmes sobre dinossauros? É porque vocês se identificam com eles. Daqui a alguns anos, talvez 20 ou 30 anos, as pessoas vão tentar entender como um império desses, com um exército tão poderoso, conseguiu desaparecer tão insignificantemente.”

David: – “Hum… Isso é bem mais interessante.”

Segredos de Estado/Quelques Jours en Septembre

De Santiago Amigorena, Itália-França-Portugal, 2006

Com Juliette Binoche (Irène), Sara Forestier (Orlando), Tom Riley (David), John Turturro (William Pound), Nick Nolte (Elliot),  

Mathieu Demy, Said Amadis 

Argumento e roteiro Santiago Amigorena

Fotografia Chrisophe Beaucarne

Música Laurent Martin

Produção Gemini Films, France 2 Cinéma

Cor, 116 min

1/2

Título em Portugal: Alguns Dias em Setembro

4 Comentários para “Segredos de Estado / Quelques Jours en Septembre”

  1. Vc não estava de mau humor. O filme é uma decepção e a única coisa que se salva é o
    diálogo transcrito. Desperdício total de Juliette Binoche e Nick Nolte.

Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *