Juntos pela Vida / Life Support

3.0 out of 5.0 stars

Anotação em 2010: O tema, a história, as questões, é tudo barra pesadíssima: droga, vício, aids, laços familiares destroçados, na comunidade negra do Brooklyn, hoje. O filme – feito para a TV com qualidade de produção para o cinema – mostra uma realidade duríssima com honestidade, franqueza.

Mas – é preciso que seja dito – deixa transparecer um tom construtivo, bem intencionado, inspirador – quase algo assim como uma reunião dos AA, ou dos NA.

Há quem possa se incomodar com isso, quem possa achar isso meio moralista, meio careta, meio sermão de igreja. Há quem prefira o oposto, a apologia da droga – todo mundo tem que ficar chapadão, dizia uma música de Dylan, no auge da loucura da cabeça dele, pouco antes de cair da moto e quase quebrar o pescoço.

Eu mesmo, até chegar a uns 30, 40 anos, me incomodava com obras com tom construtivo, bem intencionado.

Quem acha que todo mundo tem que ficar chapadão não deve ver este filme.

Embora esse tom não seja carregado, forte. Não é, de forma alguma. É suave. Não é um discurso dos AA, um sermão de igreja. É um bom filme, sobre questões barra pesadíssimas.

         Histórias de vidas muito sofridas

Na primeira seqüência, temos um grupo de mulheres falando de suas experiências com drogas, com a descoberta de que estavam infectadas com o HIV. Entre elas está Ana, a personagem da maravilhosa Queen Latifah, a protagonista da história. Depois a vemos em casa, com o marido, Slick (Wendell Pierce), e a filhinha de uns oito anos, Kim (Rayelle Parker). Não são miseráveis; são o que nos Estados Unidos deve ser classe baixa, com um conforto básico que aqui seria média baixa. Não passam necessidades, têm o básico para viver. 

Depois de acompanharmos Ana durante uns dez minutos, ficamos conhecendo Kelly (Rachel Nicks), uma bela garota de uns 18 anos de idade, que vive com a avó, Lucille (Anna Deavere Smith). Assim que Lucille sai de casa para o trabalho, um rapaz de uns 18, 20 anos, entra nela. É Amarem (Evan Ross), amigo da garota Kelly. É homossexual, tem HIV positivo e foi posto para fora de casa pela irmã, Tanya (Tracee Ellis Ross).

Serão esses os personagens da história. Vamos acompanhar suas vidas ao longo de algumas semanas.

Uma das qualidades do filme é a forma como os roteiristas vão nos revelando aos poucos a história de cada uma daquelas pessoas. O desenvolvimento da história e a forma como vamos conhecendo Ana e as pessoas ao redor dela foram feitos com habilidade, talento. Não há flashback algum, e nem diálogo forçado para que o espectador entenda toda a história de uma vez só, muito ao contrário. As informações vão vindo naturalmente, com naturalidade, durante as conversas dos personagens – uma informação aqui, en passant, mais tarde outra. Vamos aos poucos montando o quadro todo.

É de fato uma barra muito pesada. São histórias de vida muito, muito sofridas.

         Os mesmos temas, mas o tom é oposto ao do filme Precious

No entanto, não há forçação de barra, não há insistência em exibir explicitudes de violência – física ou verbal. Lá pelo meio do filme, há uma discussão entre Ana e seu marido Slick (eles se amam, mas discutem muito), e Ana pronuncia a palavra fuck – e a filhinha Kim dá bronca nela, e Slick diz que a mãe pede desculpas, e Ana pede desculpas.

Nesse sentido, a falta de insistência em exibir explicitudes violentas, o filme é o oposto do tom, por exemplo, de Precious, outro filme da mesma época focalizando a vida de negros pobres em Nova York.

Até porque, na vida de Ana e Slick, o pior já ficou para trás. Já saíram do inferno – conseguiram, com muito custo, sair do inferno; a barra ainda é pesadíssima, mas agora o que eles estão enfrentando são as seqüelas da estadia no inferno.

O elenco está todo muito bem – a garotinha Rachel Nicks, que faz a segunda personagem mais importante, Kelly, enfrenta bem o cara a cara com Queen Latifah, essa bela atriz que a gente tem sempre enorme prazer em ver na tela.

Queen Latifah – que ganhou um Globo de Ouro por essa interpretação – foi uma das produtoras executivas, ao lado de outro grande astro negro do cinema americano de hoje, Jamie Foxx, Oscar de melhor ator por Ray. Os dois parecem ser do time de Oprah Winfrey – que, aliás, emprestou seu imenso prestígio para ajudar a divulgar Precious: gente que quer ajudar, dar uma contribuição. Gente boa, gente necessária – os cínicos acham que são uns babacas.

         Ana, a personagem central, é inspirada na irmã do diretor

No final do filme, nos créditos finais (não há créditos iniciais), o espectador fica sabendo que a história foi inspirada em um personagem real. E, nos especiais do DVD, informa-se que a mulher que no filme é Ana, a personagem interpretada por Queen Latifah, é a irmã do diretor Nelson George.

Nelson George, nascido no Brooklyn mostrado no filme, em 1957, tem carreira como produtor de TV. Este aqui foi seu segundo filme como diretor. Demonstra que é novato pelo uso um pouco exagerado da câmara de mão e de big-close-ups (só um pouco exagerado, não muito). Mas, tirando esse tiquezinho, mostra talento e maturidade.

Na minha opinião, o filme tem o defeito de só mostrar negros – negros e mulatos, das mais diversas tonalidades. É um defeito de muitos filmes americanos voltados especificamente para o público negro. Digo que isso é defeito porque o certo, o bom, o normal, e também o construtivo, bem intencionado, inspirador, é vermos a convivência de brancos, mulatos, negros, asiáticos, índios, todo o arco-íris possível; de preferência, com muita miscigenação, com lindos crioulos de olhos claros, lindas japas com feições ocidentais.

Mas isso, na verdade, não é um defeito do filme, e sim da realidade que o filme retrata. Infelizmente, e bota infelizmente nisso, ainda há guetos exclusivos para essa ou aquela etnia, no mundo. Deve seguramente ser o caso daquele trecho do Brooklyn focalizado pelo filme – embora o Brooklyn tenha de tudo, todo o arco-íris, conforme nos mostra, com grande alegria, Sem Fôlego/Blue in the Face, aquela maravilha do china Wayne Wang em parceria com o nova-iorquino de adoção nascido em New Jersey Paul Auster. (O que me faz lembrar que tenho que rever Sem Fôlego para refazer o texto sobre ele, antigo e muito pequenininho.)

Então é isso. Juntos pela Vida é belo filme, feito com competência e paixão pelo projeto, bem intencionado sem cair no didatismo, triste mas sem ser desesperadamente desesperançado. Os chapadões e os cínicos devem evitá-lo.

Juntos pela Vida/Life Support

De Nelson George, EUA, 2007

Com Queen Latifah (Ana), Rachel Nicks (Kelly), Anna Deavere Smith (Lucille), Wendell Pierce (Slick), Evan Ross (Amare), Gloria Reuben (Sandra), Tony Rock (Ness), Darrin Dewitt Henson (MJ2), Tracee Ellis Ross (Tanya), Rayelle Parker (Kim)

Roteiro Nelson George, Jim McKay e Hannah Weyer

Fotografia Uta Briesewitz 

Música Stuart Matthewman

Montagem Mary Jo Markey 

Produção HBO Films, Flavor Unit Films, King Entertainment

Cor, 88 min

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