Brideshead – Desejo e Poder / Brideshead


Nota: ★☆☆☆

Anotação em 2010: Mais um filme sobre ingleses riquíssimos, com boa parte da história passada numa daquelas propriedades imensas, suntuosas, no meio do campo. Produção cuidadíssima, impecável, baseada em clássico da literatura; tem até Emma Thompson, e de quebra Greta Scacchi, num papel bem pequeno. E achei ruim, fraco. Hiperbólico, grandiloqüente, novelão no pior sentido do termo, à la Dallas.

O problema pode ser meu – não afasto essa possibilidade, de forma alguma. Pode ser cansaço. Nos últimos meses, revi tantos deles – Vestígios do Dia, Retorno a Howards Ends. E na véspera tinha revisto Assassinato em Gosford Park. Então pode de fato ser apenas problema meu.

Mas nem de Emma Thompson gostei. Não que ela esteja mal; nem com imenso esforço ela conseguiria trabalhar mal. Mas também não está bem. Me pareceu… sei lá, desinteressada.

O filme trata de temas importantes: as diferenças sociais, homossexualismo, alcoolismo, ambição, religião. Sim, religião é extremamente importante na trama, algo nada comum.

Começamos nos anos 40, e em seguida voltamos no tempo

Não conheço o romance de Evelyn Waugh (1903-1966), publicado em 1945, mas os roteiristas Jeremy Brock e Andrew Davies usaram o que chamo de narrativa-laço: o filme abre na época da Segunda Guerra Mundial, primeira metade dos anos 40, quando o protagonista, Charles Ryder (Matthew Goode), é um jovem oficial do Exército, e, num monólogo introdutório, diz o seguinte:

“Se você me perguntasse agora quem eu sou, a única resposta que poderia dar com alguma certeza seria meu nome: Charles Ryder. Quanto ao resto – meus amores, meus ódios, até meus mais profundos desejos –, não posso mais dizer se essas emoções são minhas mesmo, ou roubadas daqueles que eu uma vez tão desesperadamente desejei ser. Pensando bem, uma emoção permanece minha mesmo. Entre as emprestadas e as de seguda mão, tão pura quanto a fé contra a qual ainda luto: a culpa.”

Em seguida há uma volta no tempo: estamos em um gigantesco transatlântico; Charles Ryder está voltando de uma viagem de dois anos às selvas da América do Sul, e no navio está acontecendo uma exposição dos quadros que pintou na selva. Apesar de jovem, já é um pintor famoso, respeitado. Todos fazem elogios a ele, mas ele parece aborrecido. De repente, vê, do outro lado do salão, uma mulher; vai atrás dela, em longos corredores, com música orquestral alta, tonitroante, para dar clima; finalmente, a mulher pára, vira-se para ele e para a câmara e diz:

– “Charles!”

E agora temos um segundo flashback, desta vez com o tradicional letreiro: “Dez anos antes”.

         Jovem classe média conhece jovem lorde riquíssimo

Dez anos antes de reencontrar aquela mulher, Charles Ryder era um rapaz classe média, morando em Paddington, em Londres. O fato de morar perto de uma famosa estação de trem e de metrô servirá um pouco mais tarde para que a riquíssima Lady Marchmain (o papel de Emma Thompson, envelhecida pela maquilagem e com os cabelos inteiramente brancos) faça troça de sua condição social. Mas então Charles Ryder, rapaz classe média, que deseja ser pintor, está indo estudar História em Oxford, valendo-se do dinheiro que o pai viúvo conseguiu juntar na vida de trabalho duro.

Em Oxford, conhece um jovem lorde, de família riquíssima, Sebastian Flyte (Ben Whishaw), homossexual, dado à bebida. Ficam amigos muito íntimos, Sebastian se apaixona por Charles. Quando estamos aí com uns 15 minutos de filme, Sebastian leva Charles à propriedade da família, a Brideshead do título – um castelo magnífico, com um jardim do tamanho do de Versailles na frente. Lady Marchmain é a mãe de Sebastian; a irmã dele, Julia Flyte (Hayley Atwell), é a moça que dez anos mais tarde Charles reencontrará no transatlântico.

         Uma família vítima do fanatismo religioso

É nessa altura, na primeira visita de Charles ao castelo de Brideshead, que a religião entra na história, para não sair mais. Lady Marchmain é uma católica absolutamente fanática, e cria os filhos (além de Sebastian e Julia, que são os do meio, há um homem mais velho e uma garota mais nova) rigidamente dentro da religião. Impõe a eles o respeito à religião antes de mais nada. Sebastian é o único que se revolta – oprimido pela mãe dominadora e sua religiosidade extrema, e homossexual, vai se afundar cada vez mais na bebida. E o filme o mostra como uma vítima do fanatismo religioso – que fará outros estragos mais tarde, ao longo da história.

Charles culpa a mãe de Sebastian e seu fanatismo, com todas as letras, pela infelicidade do filho. Lord Marchmain (interpretado por Michel Gambon, que também está em Gosford Park) separou-se da mulher e foi viver com a amante, Cara (o papel de Greta Scacch, o peso dos anos se mostrando no rosto lindo), em Veneza, e não suporta o fanatismo religioso da mulher.

Tudo bem, pensei: estamos então diante de uma elogiável, meritória crítica ao fanatismo religioso? Sim, claro, porque todo fundamentalismo religioso é ruim, e deveria ser combatido por cada pessoa, a cada dia.

Pois é, fica parecendo isso: que o filme está fazendo uma elogiável, meritória, saudabilíssima crítica ao xiitismo, ao fundamentalismo.

         Um escritor profundamente ligado à religião

O que é muito estranho, diante do fato de que Evelyn Waugh é um escritor católico, de profunda relação com a religião.

Diz a Britannica que, ao abordar os temas dos valores morais, “Waugh tomou o que comumente é considerado o lado reacionário. Em várias maneiras – e em particular por sua concentração sobre a morte e o irracional – ele criticou o caráter e a direção ilusórios, estéreis, bárbaros do século XX ‘pós-cristão’. Isso dá a seu trabalho seu gosto específico, distinto, e inspira ao mesmo tempo alegria e ressentimento.”

Ainda segundo a Britannica, na trilogia final escrita por Waugh, entre 1952 e 1961, o escritor “analisa o caráter da guerra, em parrticular sua relação com a eterna luga entre o bem e o mal e a luta temporal entre a civilização e a barbárie”. “Em Brideshead Revisited (1945), ele estudou os trabalhos da Providência e a recuperação da fé entre os membros de uma família cristã.”

Não consegui entender. Teriam os roteiristas desvirtuado completamente, invertido o que o romancista quis dizer?

Sei lá eu.

Bons atores em história que já rendeu série de TV

O romance de Waugh havia dado origem a uma série de TV inglesa de 14 episódios, em 1981. Deve ter sido uma coisa fina, como muito do que faz a TV inglesa; Charles Ryder era interpretado pelo grande Jeromy Irons; Claire Bloom fazia a mãe de Sebastian e Julia, e Laurence Olivier, o pai. Cacildabecker, com um elenco desses…

Bem, Emma Thompson, Michael Gambon e Greta Scacchi também são grandes atores.

Não me lembrava de nenhum dos jovens, que fazem os papéis principais – Matthew Goode, Ben Whishaw, Hayley Atwell. São corretos – ninguém trabalha mal, naquele país maluco. Matthew Good, rapaz boa pinta, está em Match Point, e também em Imagine Eu e Você, embora eu não tenha me lembrado dele ao ver este filme aqui. Pensei já ter visto o rosto bonito de Hayley Atwell – e, de fato, confiro agora que ela está em pelo menos três filmes que vi, Mansfield Park, O Sonho de Cassandra e A Duquesa. Interessante: tanto o ator principal quanto a atriz principal trabalharam com Woody Allen nos filmes que ele fez na Inglaterra.

E confiro agora – meu Deus do céu e também da terra, é muito filme, é muito ator, não dá pra guardar tudo na memória – que Ben Whishaw, que faz Sebastian, o jovem lorde homossexual e torturado, está em vários filmes que já vi: Perfume, Não Estou Lá, Trama Internacional. Háhá: ele fez também o papel de Keith Richards no filme Stoned, de 2005, sobre Brian Jones.

O filme teve dez indicações em diversos festivais. Nenhum prêmio.

         Um detalhe que comprova a falta de talento

Reafirmo: pode ter sido um problema só meu, pode ser que o filme seja bom, pode ser que muita gente goste do filme – questão religiosa analisada ou não, seja ela fiel ao espírito da obra de Waugh ou não. Mas eu identifiquei claramente um detalhinho formal que me deixou com o pé atrás desde o início. Na seqüência de abertura, enquanto ouvimos a voz em off de Matthew Goode falando seu monólogo introdutório, a câmara vai seguindo atrás dele, sem que vejamos seu rosto; ao final do monólogo, ele se vira para câmara. A mesma coisa se repete quando Charles está indo atrás da mulher que mais tarde saberemos ser Julia Flyte, através de intermináveis salas e corredores e escadas do transatlântico: a câmara vai mostrando a mulher de costas, até que, na hora H, aí ela se vira e vemos seu rosto.

Acho esse pequeno detalhe revelador de falta de talento. É uma bobagem tão primária, tão boba, fazer esse suspensezinho, esconder durante alguns minutos o rosto do ator e da atriz que serão os protagonistas do filme. Pra que isso, meu Deus do céu e também da terra?

Brideshead – Desejo e Poder/Brideshead Revisited

De Julian Jarrold, Inglaterra, 2008

Com Matthew Goode (Charles Ryder), Hayley Atwell (Julia Flyte), Ben Whishaw (Sebastian Flyte), Emma Thompson (Lady Marchmain), Michael Gambon (Lord Marchmain), Greta Scacchi (Carla), Jonathan Cake (Rex Mottram), Patrick Malahide (Edward Ryder)

Roteiro Jeremy Brock e Andrew Davies

Baseado no romance de Evelyn Waugh

Fotografia Jess Hall

Música Adrian Johnston

Produção Ecosse Films, BBC Films, UK Film Council

Cor, 134 min

*

5 Comentários para “Brideshead – Desejo e Poder / Brideshead”

  1. Esse BRIDESHEAD é de fato um filme esquisito e concordo com você quando cita o autor Evelyn Waugh, com aquelas opiniões reacionárias sobre o catolicismo contra a barbárie, cujo ponto de vista não fica claro no filme. Vi méritos na produção – bela fotografia, locações soberbas, bons atores – e quero lembrar que Ben Wishaw, que interpretou Sebastian, também foi o poeta Keats em “Brilho de uma paixão”.
    Mas, ainda quanto ao catolicismo, não me parece que o diretor queira ter tomado posição. Em todo caso, os personagens parecem autênticas múmias, ao fim, com todo aquele ranço. E como são antipáticos, esnobes e frios, esses ingleses! Toda a beleza das locações não consegue ocultar uma profunda aridez, um convencionalismo doentio e uma frieza desesperadora…

  2. Na verdade, o pai de Sebastian e Julia na minissérie é Lawrence Olivier. John Gielgud interpreta o pai de Charles.

  3. Cara Dolores,
    Muito obrigado pela correção! Vou confiar em você e acertar no texto.
    Um abraço!
    Sérgio

Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *