Ataque Terrorista / Shoot on Sight


Nota: ★★★★

 Anotação em 2010: Um grande filme, dos melhores entre tantos bons filmes sobre o mundo após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001. Feito e passado na Inglaterra por um diretor de país de origem muçulmana (assim como boa parte do elenco e da equipe), ele se inspira no caso do assassinato do brasileiro Jean Charles pela polícia londrina.

Letreiros antes dos créditos iniciais trazem um aviso e informações básicas sobre o contexto em que se desenvolve a história. O aviso é: “Este filme é um trabalho de ficção baseado em acontecimentos reais relatados pela imprensa”. E a explicação para faicilitar a vida do espectador é: “Seis meses depois do 11 de setembro, a Polícia de Londres pôs em prática um código Atire ao Ver, chamado Operação Kratos, para enfrentar suspeitos de serem terroristas suicidas. Essa política foi ativada depois das explosões de 7 de julho em Londres”.

A série de atentados terroristas em Londres, em 7 de julho de 2005, deixou 56 mortos e mais de 700 feridos.

“Atire ao ver” é uma tentativa minha de tradução do título original inglês, Shoot on Sight.

Foi esse código, essa política, que autorizou o assassinato do brasileiro Jean Charles – e as primeiras seqüências do filme reproduzem como deve ter sido a ação policial que culminou com a morte dele. Na história fictícia construída a partir daqueles acontecimentos reais, o homem morto pela polícia londrina por não ter levantado aos mãos para o ar quando chamado, numa das plataformas da Charing Cross Station, é um muçulmano, Baqir Hassan (Avtar Kaul).

E que bela história, que bela trama criaram o diretor (e autor do argumento) Jag Mundhra e o roteirista Carl Austin. É uma trama envolvente, contada em ritmo de um thriller, capaz de atrair e satisfazer uma larga parcela do público. Mas, em meio a essa trama envolvente, o filme vai fundo nas questões mais duras, difíceis, complexas, sobre a herança maldita deixada pelo fanatismo de grupos de muçulmanos.

O filme vai fundo, bem fundo, na triste realidade de que o mundo jamais será o mesmo depois dos atentados terroristas do 11 de setembro. O racismo, a intolerância, o fanatismo só fizeram aumentar, exponencialmente, depois dos ataques. As feridas – é o que filme mostra, com brilho, e profunda tristeza – estão aí cada vez mais abertas, e não dá para saber se algum dia, mesmo daqui a décadas, ou séculos, a humanidade será capaz de curá-las.

         Um policial muçulmano na chefia das investigações

Já na primeira declaração das autoridades a respeito da morte de Baqir Hassan, o chefe de polícia Daniel Tennant (Brian Cox) coloca como seu porta-voz um oficial de origem paquistanesa, muçulmano, o comandante Tariq Ali (Naseeruddin Shah, que dá um show de interpretação). É uma bela manobra política, porque todos sabem que a imprensa vai estar atenta a todos os detalhes do caso.

O chefe Tennant faz mais: encarrega Tariq de conduzir – paralelamente às investigações oficiais – uma investigação da própria polícia, para levantar todas as informações possíveis sobre as atividades da vítima, suas eventuais relações com grupos terroristas, e também sobre as circunstâncias em que o policial recebeu a ordem de atirar para matar Baqir Hassan.

O espectador vai então acompanhar o dia-a-dia do comandante Tariq Ali, tanto em seu trabalho de investigar o caso quanto em sua vida pessoal, familiar.

Tariq Ali é um perfeito exemplo de imigrante bem sucedido. Mais ainda: é um perfeito exemplo de que é possível um imigrante muçulmano se adaptar dentro de uma civilização ocidental; no caso específico, fala-se da Inglaterra, mas poderíamos estar falando de Estados Unidos, Canadá, França, Alemanha. Nascido na metrópole paquistanesa de Lahore, Tariq imigrou cedo para a Inglaterra. É muçulmano, segue os preceitos do Islã, faz suas orações, tem amigos na comunidade muçulmana, mas não é um fanático – muito ao contrário. Deu duro, trabalhou feito um camelo durante décadas, e conseguiu chegar ao posto de comandante de polícia. Casou-se com Susan (o papel da maravilhosa Greta Scacchina foto acima, o casal numa festa da cúpula da Polícia), uma inglesa perfeita; têm uma filha adolescente, de uns 16, 17 anos, Zara (India Wadsworth), e um garoto de uns nove, Imran (Arrun Harker). Moram numa casa confortável; ele e Susan se dão muito bem, se amam. Têm problemas com a filha adolescente, como 99% dos pais têm – Zara namora um garoto inglês em quem Tariq não confia e, muito pior que isso, chega a ser presa uma noite durante uma festa onde baixou a polícia em busca de drogas.

Tirando os problemas com a adolescente Zara, a vida de Tariq funcionava bem. As coisas ficaram piores depois do 11 de setembro, e piores ainda depois dos ataques terroristas na própria Londres.

Vão ficar cada vez piores.

Tariq e Susan recebem em casa o sobrinho dele, Zaheer Khan (Mikaal Zulfikar), filho de sua irmã, engenheiro formado, vindo do Paquistão para completar estudos em Londres. Não vai demorar muito para que o espectador desconfie que o jovem Zaheer poderá estar de alguma maneira ligado a grupo radicais.

         Uma trilha sonora magnífica, um diretor para se acompanhar

Em um filme excelente, extraordinário, marcado por belas interpretações, bons diálogos, belas construções de personagens, um elemento se sobressai ainda mais: a fascinante trilha sonora, assinada por John Altman, um nome que eu não conhecia. É uma trilha lindíssima, impactante desde a primeira tomada, dentro de uma estação de metrô, e que perpassa todo o filme, praticamente sem interrupção.

John Altman, aprendo agora, não é um novato. Bem ao contrário, é um veterano, velho de guerra; nascido em 1949, em Londres, já assinou mais de 50 trilhas, inclusive a do belíssimo Laura – A Voz de uma Estrela/Little Voice, de 1998.

Ouso dizer que este é um dos seus melhores trabalhos – simplesmente porque não é possível que ele tenha feito algo melhor do que as composições para este filme aqui. É para ir atrás na internet, nas lojas de disco. Eu vou.

Aproveitando, então, que fui atrás de informações que não tinha, vejo que o diretor Jag Mundhra também não é um novato. Nasceu em 1948, em Nagpur, na Índia. Tem mais de 30 filmes no currículo, o primeiro deles feito em 1982. Já fez filmes na Índia e nos Estados Unidos. Ele não consta nem do Dicionário de Cinema – Os Diretores, de Jean Tulard, nem da mais recente edição do Dicionário de Cineastas de Rubens Ewald Filho.

É um nome para se guardar, o deste Jag Mundhra. 

Retroceder é fácil demais – bastam uns poucos segundos

Em dois momentos de especial brilhantismo, o diretor Jag Mundhra e o roteirista Carl Austin conseguiram resumir boa parte da tragédia que o fanatismo de grupos muçulmanos fez se abater sobre a humanidade neste início de século e milênio – como se já não houvesse tragédias demais no mundo.

Numa seqüência lá pela metade do filme, estão conversando Tariq e seu grande amigo Yunus (Gulshan Grover), um bem sucedido comerciante, num daqueles belíssimos parques de Londres. (E a gente se pergunta como é possível que a mesma raça consiga fazer coisas belas como os parques de Londres e o fanatismo religioso, o terrorismo.) Foi o pior dia de Tariq no trabalho, em décadas – ele está arrasado. Os dois lamentam sobre como as coisas mudaram, nos últimos tempos, e então Yunus conta que, durante vários anos, tomou sempre o mesmo ônibus para o trabalho, todos os dias. Passou a conhecer pelos nomes o motorista do ônibus, os demais passageiros daquele mesmo horário de sempre. Cumprimentavam-se todos os dias, de maneira educada e cortês. Depois dos ataques terroristas em Londres, tudo mudou – e vemos a cena de Yunus subindo no ônibus, cumprimentando as pessoas, e as pessoas virando os olhos para longe dele.

É de doer.

Logo depois, há um terrível, apavorante diálogo entre Tariq e sua mulher Susan, um casal que vive junto há no mínimo 18 anos, e até poucos dias antes se amava, se respeitava, se tratava com grande carinho.

Susan: – “Sou sua esposa, e preciso que me escute. Quero que veja o que eu vejo.”

Tariq: – “Ver o que você vê? Sei o que você vê quando me olha com esses olhos ocidentais. Pele escura é a primeira coisa que você vê, e terrorismo é a primeira palavra que vem à sua mente. (Uma longa pausa.) Às vezes me pergunto o que você vê quando olha pra mim.”

Susan (uma expressão de profunda tristeza, depois de outra longa pausa, preparando-se para levantar e dar as costas a Tariq): – “Bem, eu costumava ver meu marido. Gostaria de saber para onde ele foi, porque sinto falta dele.”

É de doer profundamente.

É isso. Construir é duro, destruir é facílimo. Com muita boa vontade, cuidado, com gigantescos esforços feitos ao longo de décadas, de séculos, a humanidade deu demonstrações, aqui e ali, de que é possível uma convivência em paz, em harmonia, de diferentes origens, diferentes credos, diferentes ideais. Em alguns poucos segundos, gestos loucos, ações insanas nos levam de volta às trevas profundas, às cavernas pré-históricas.

Ataque Terrorista/Shoot on Sight

De Jag Mundhra, Inglaterra-EUA, 2007

Com Naseeruddin Shah (comandante Tariq Ali), Greta Scacchi (Susan Ali), Brian Cox (Daniel Tennant), Stephen Greif (comandante John Shepherd), Om Puri (Junaid), Gulshan Grover (Yunus), Mikaal Zulfikar (Zaheer Khan), Laila Rouass (Ruby Kaur), India Wadsworth (Zara Ali), Arrun Harker (Imran Ali), Sadie Frost (Fiona Monroe)

Roteiro Carl Austin

Baseado em história de Jag Mundhra

Consultoria para o roteiro e diálogos adicionais Pervaiz Alam

Fotografia Madhu Ambat 

Música John Altman

Produção Aron Govil Productions, Cine Boutique Entertainment

Cor, 110 min

****

7 Comentários para “Ataque Terrorista / Shoot on Sight”

  1. “É um nome para se guardar, o deste Jag Mundhra”. Hein?? Não consta nos dicionários citados e provavelmente jamais constará. O sujeito é especialista em thrillers eróticos, destes que passam em sessões na Band de madrugada. Há vários VHS dele lançados no Brasil, muitos por distribuidoras segmentadas como a Sunset. Os títulos definem por si só: “Paixão Tentadora”, “Impulso Irresistível”…

  2. Se o Ernesto Gallani me permitir (e também se ele não permitir, se for do tipo que não permite opinião diferente da dele), reitero o que eu disse. Mesmo que tenha feito thrillers eróticos vagabundos, o diretor Jag Mundhra fez aqui um filme excelente, e é um nome para se guardar.

  3. Vi hoje este filme e que boa maneira de começar o ano!
    Gostei, acho que a sua apreciação está certa.
    Estranho é que o filme é quase desconhecido; andei a pesquisar na net e encontrei muito pouca coisa sobre ele.
    Não passou no cinema em Portugal e parece que também não no Brasil.
    E quanto a críticas, poucas e não encontrei grande apreço pela obra.

  4. Vi esse filme há três anos atrás. Fiquei emocionada e surpresa, com a firmeza do tio policial, apesar dele ser também um homem muçulmano. Confesso, que de saber de tantos atentados e matanças, pelos terroristas muçulmanos, me apaixonei pela conduta desse personagem. Mas continuo não confiando nesse povo. Está escrito na Bíblia. Eles são oriundos de famílias que nasceram de Ismael, o filho da escrava de Abraão. Matam os cristãos por ciúmes e vingança!

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