Abraços Partidos / Los Abrazos Rotos


3.0 out of 5.0 stars

Anotação em 2010: Ao ver Abraços Partidos, me ocorreram duas comparações. Almodóvar se parece um tanto com Paul McCartney e com Cat Stevens, hoje Yusuf. E parece também Woody Allen e Ingmar Bergman.

São, evidentemente, comparações elogiosas, as mais elogiosas que poderia haver, que colocam o cineasta espanhol lá no alto, num panteão. Podem, à primeira vista, parecer estranhas, e aí tento me explicar.

Paul McCartney e Cat Stevens são, na minha opinião, os compositores mais prolíficos da música popular das últimas muitas décadas. As canções, as melodias, as frases melódicas brotam da cabeça deles com uma facilidade espantosa, aos montes, aos borbotões, sem parar. É uma coisa absurda, sem jeito, anormal. Há canções em que eles usam duas, três, quatro frases musicais diferentes. É espantoso.

Almodóvar é assim com suas histórias. As histórias parecem brotar loucamente da sua cabeça. (E loucamente, aqui, é um adjetivo justo como luva: Almodóvar é louco, todos sabemos.) Em Abraços Partidos há pelo menos quatro histórias diferentes.   

Quanto à segunda comparação, é bem simples. É sobre a regularidade com que Almodóvar lança seus filmes, sempre baseados em histórias originais do próprio cineasta. Além dele, só consigo me lembrar de Woody Allen e Ingmar Bergman, que, ao longo de décadas, conseguiram manter o ritmo alucinante de um novo filme por ano, um novo filme de história original nova por ano, ou a cada dois anos.

Claro, há outros cineastas que produzem um filme por ano, ou quase isso, na média. Mas com argumento e roteiro originais, além de Almodóvar só me lembro de Woody Allen e Bergman.

         Duas histórias básicas, outras histórias dos filmes dentro do filme

Abraços Partidos tem, basicamente, duas histórias distintas – que a rigor são uma só, mas também são duas. Uma se passa em 2008, a do homem que se chamava Mateo Blanco (Lluis Homar, grande ator), ex-diretor de cinema, agora cego, transformado em apenas roteirista, que usa o pseudônimo de Harry Caine. Mary imediatamente prestou atenção ao nome: harrycaine, bem perto de hurricane, furacão. Entre as muitas qualidades de Almodóvar, não pode ser listada a sutileza.

Bem no início da ação, Harry Caine, veterano, cego, mas ainda charmoso, conquistador, come de primeira uma bela e alta loura que o ajudara a atravessar a rua e subira até seu apartamento para ler para ele o jornal do dia.

Cito isso não apenas porque é uma das primeiras seqüências do filme mas também porque ela ilustra bem um fenômeno que já vinha acontecendo: Almodóvar, na maturidade (ele é de 1949; estava, portanto, com 60 anos quando fez o filme), foi ficando mais suave, um pouco menos apimentado. Antes um apaixonado por qualquer pequena transgressão – e também pelas grandes, é claro –, hoje está menos explícito nas cenas de sexo. Coloca a câmara atrás do encosto do sofá em que Harry Caine come a loura comprida; ouvimos os ruídos, o resfolegar, mas vemos apenas o pé esquerdo da loura levantado sobre o encosto do sofá, as unhas pintadas do vermelho mais espanholamente, mais almodovariamente vermelho vivíssimo que pode haver. 

A loura está no banheiro quando chega ao apartamento Judit (Blanca Portillo), uma velha colaboradora de Harry Caine, gerente de produção de seus filmes no passado, hoje sua agente, sua amiga de todas as horas. Duas seqüências de Judit no apartamento em que Harry acabava de comer a loura comprida e o espectador percebe claramente que Judit é apaixonada por Harry.

Harry está terminando um roteiro – no que é ajudado pelo filho de Judit, um rapaz de uns 25, 28 anos chamado Diego (Tamar Novas), que trabalha como digitador, secretário, faz-tudo. Judit sugere que o roteiro seguinte de Harry seja algo de terror, que é o que agrada aos jovens, mas Harry já pensa em uma outra história – e aí conta uma história a respeito de um filho do último casamento do dramaturgo Arthur Miller. Essa, a do filho de Arthur Miller, é uma das várias histórias que Almodóvar conta em seu filme, além das duas históricas básicas que na verdade são uma só mas também são duas. 

Um pouco mais tarde, Diego vai sugerir uma outra história para um novo roteiro, envolvendo lobisomens – mais uma história que brota da cabeça louca e fértil de Almodóvar.

A segunda história básica de Abraços Partidos se passa de 1992 a 1994. É a história de Magdalena, Lena (a personagem de Penélope Cruz), uma história riquíssima, tempestuosa, tumultuada. Adiantar o início da história de Lena, que começa a ser contada no filme quando estamos aí com uns 20 minutos de ação, me parece que seria estragar o prazer do eventual leitor que não tenha visto o filme. Mas é possível dizer que dois homens serão importantes na vida de Lena: Ernesto Martel (José Luis Gómez), um empresário bilionário, poderosíssimo, e um diretor de cinema então no auge da produtividade, Mateo Blanco – sim, Mateo Blanco, o que iria mais tarde virar Harry Caine.

E haverá ainda mais uma história secundária, a do filme que Mateo Blanco dirigirá com Lena no papel principal.   

         A jovem Penélope, já estrela mundial de primeira grandeza

Penélope Cruz… Meu Deus do céu e também da terra, o que dizer de Penélope Cruz? Nascida em Madri em 1974, a moça já atingiu um status de estrela internacional, mundial, global, semelhante ao que algumas poucas deusas – Sophia Loren, Claudia Cardinale, Catherine Deneuve, Brigitte Bardot, Silvana Mangano – haviam atingido aos 35 anos de idade. E, ao contrário de Brigitte, e assim como as quatro outras citadas, tem uma filmografia esplêndida, grandes papéis em filmes importantes de cineastas importantes. É uma grande estrela, a maior do cinema espanhol hoje.

Tem muito talento, como demonstra aqui mais uma vez, e uma beleza maluca, de babar. Grande Penélope Cruz.

Ela brilha num elenco todo ele brilhante. Esse sujeito Lluis Homar, de quem eu nunca tinha ouvido falar, ou no mínimo de quem não me lembro de nada, está excepcional fazendo duas fases muito distintas na vida de Mateo/Harry, a rigor dois personagens diferentes dentro de um só.

Abraços Partidos ganhou 7 prêmios e teve 28 outras indicações.

Filme que fala do universo do cinema, ele cita diversos filmes. Só para registrar: Mateo/Harry tem vontade de rever Ascensor para o Cadafalso/Ascenseur pour l’Échafaud, que Louis Malle fez em 1958 com Maurice Ronet e Jeanne Moreau. Lena, em um período difícil de sua vida, usou o pseudônimo Severine – o mesmo do personagem de Catherine Deneuve em Belle de Jour, de Buñuel, de 1967. E o filme que Mateo e Lena vêem na TV, em preto-e-branco, é Viagem pela Itália/Viaggio in Italia, de 1954, um dos vários que Ingrid Bergman fez logo após se casar com Roberto Rossellini.

         Muito brilhante – mas muito filme, muito longe da vida

De um ponto de vista muito pessoal, devo dizer que o filme – excelente em tudo, brilhante – chegou até a me cansar um pouco, por causa do excesso de histórias, e da extrema inverossimilhança de algumas delas. Difícil explicar, mas é assim filme demais. Não parece uma história de vida. É como alguns dos filmes recentes de Scorsese – é tudo tão genial demais, tão feérico, com tanto foguetório, e tão afastado das histórias da vida, tão evidentemente filme, que cansa um pouco. É como diz Mateo: “Só em filmes as pessoas rolam da escada”.

Acho que é isso o que eu teria a dizer. Já se escreveu demais, e muito melhor, sobre Abraços Partidos; a rigor nem era necessário que eu escrevesse coisa alguma. Se tivesse visto o filme uns três anos atrás, muito provavelmente anotaria a ficha técnica básica, o dia em que vi, botaria as 3 estrelas, e não escreveria coisa alguma, porque sempre tive uma certa preguiça de escrever sobre filmes badalados demais. Mas agora tenho este site/blog, a obrigação auto-imposta de botar um filme novo por dia, e então não posso mais me dar ao luxo de ficar quieto. Esse negócio de 50 Anos de Filmes é gostosinho, é um bom brinquedo, uma boa diversão – mas é também uma armadilha.

O eventual leitor, por favor, se possível, me desculpe o pequeno desabafo.   

Abraços Partidos / Los Abrazos Rotos

De Pedro Almodóvar, Espanha, 2009

Com Lluís Homar (Mateo Blanco e Harry Caine), Penélope Cruz (Lena), Blanca Portillo (Judit), José Luis Gómez  (Ernesto Martel),  Ruben Ochandiano (Ray X), Tamar Novas (Diego), Ángela Molina (mãe de Lena)

Argumento e roteiro Pedro Almodóvar  

Fotografia Rodrigo Prieto

Música Alberto Iglesias

Montagem José Salcedo 

Produção El Deseo, Canal + España, Televisión Española. Estreou em São Paulo 5/12/2009

Cor, 127 min

***

Título em inglês: Broken Embraces.

11 Comentários para “Abraços Partidos / Los Abrazos Rotos”

  1. Se esse filme passa na TV a cabo, eu sempre acabo estacionando o controle remoto e assito até o filme. E sempre babo muito, pensando, caraca, como ele pode ser tão genial assim? Mas depois de ler essa sua crítica (isso foi uns 2 ou 3 anos atrás), comecei a perceber como o Amodóvar tem essa capacidade de contar 3, 4 ou 5 historias (mini-histórias, diria) dentro dos filmes, tudo sem perder o ritmo da história maior. Eu nunca tenho a sensação que o roteiro ficou perdido. E isso é genial. Não conheço casos de diretores assim.

    Abraço (ah, e belo texto viu? Pode escrever muitas críticas de filmes manjados, eu adoro, e leio todas, apesar de só fazer algum comment qdo eu acho que vale a pena)

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