2.5 out of 5.0 stars
Anotação em 2010: Um filme todo muito bem feito, com belas imagens, e o brinde extra de ter sido fotografado num glorioso, maravilhoso preto-e-branco. O problema é que os personagens, a história, o tom, tudo, enfim, faz o opção preferencial pela tristeza.
Os dois protagonistas, que se conhecem na primeira seqüência do filme, e com dez minutos de narrativa estão tendo um caso, são jovens, bonitos, bem sucedidos, bem de vida. O rapaz, François (Louis Garrel, filho do diretor e co-roteirista Philippe Garrel), é um fotógrafo de sucesso; a moça, Carole (Laura Smet, a protagonista de A Dama de Honra, de Chabrol, de 2004), é uma atriz de cinema. É casada, mas o marido está em Hollywood, a última vez que se viram foi seis meses antes do momento do início da ação, e então nem há grande problema impedindo que o caso deles comece num mar de rosas.
Jovens, bonitos, bem sucedidos, bem de vida, marido bem longe – tudo para que o caso comece num mar de rosas, certo?
Nada mais profundamente errado. Porque eles fizeram a opção preferencial pela tristeza. Mais ainda: têm a atração fatal pela tristeza, pela angústia. Podendo complicar, por que simplificar? Podendo mergulhar num mar de fel, por que um mar de rosas?
Esse tipo de personagem, esse tipo de história, esse tipo de filme – confesso sem nenhuma vergonha – me enche o saco.
Mas vamos em frente – embora não muito longe, porque de fato a opção preferencial pela tristeza me dá preguiça.
A busca pela infelicidade dos personagens – em especial Carole – é crescente, galopante. Vai bola de neve montanha abaixo cada vez mais rapidamente.
A felicidade atormenta
Não deixa de ser interessante uma história de amor assim tão infeliz feita hoje em dia. Parece mais apropriado para a época do romantismo, Goethe, Os Sofrimentos de Werther, Casemiro de Abreu.
É interessante, sim, porque tudo o que o filme mostra são momentos em que os personagens estão juntos, ou falando sobre amor ou discutindo a relação. Mais tarde surgirá um novo personagem importante, Ève (Clémentine Poidatz), mas com ela também é assim. Não se mostra uma cena sequer em que um dos personagens esteja trabalhando, ou fazendo alguma outra coisa na vida a não ser amar, falar de amor, discutir a relação. Para este filme, vale aquela música: “É só o amor…” Não existe mais nada na vida.
Quase ao final, há um diálogo entre François e um amigo dele que explicita com todas as letras essa coisa da opção pela infelicidade que diversos filmes franceses adotam.
O amigo: – “É isso que atormenta você.”
François: – “O que é que me atormenta?”
O amigo: – “A felicidade. A felicidade burguesa.”
É isso. Para esse tipo de filme, a perspectiva de uma vida feliz é um tormento. Felicidade é coisa de burguês; para nós, artistas, seres sensíveis – é o que diz esse tipo de filme – o bom é a angústia. Quanto maior, melhor.
Ah, vai dar…
“De maneira delicada, sonhadora, precisa, sensível…”
Vou atrás de informações e eventuais outras opiniões.
O filme é dedicado “a Carole” – o mesmo nome da protagonista. Não dá para saber se a personagem de Carole é inspirada em uma pessoa real.
O diretor Philippe Garrel, pai do ator que faz o papel principal, é por sua vez filho de Maurice Garrel, ator nascido em 1923, mais de 130 filmes e/ou episódios para a TV no currículo. Philippe Garrel é um veterano; nascido em Paris em 1948, começou na direção em 1964, e fez 28 filmes. Passando os olhos pelos nomes dos filmes, não reconheci nenhum deles – falha minha.
Um leitor do iMDB, escrevendo da França, disse o seguinte: “De uma maneira delicada, sonhadora, precisa, sensível, Philippe Garrel tem nos dado novas ‘lettres de noblesse’ ao gênero ‘fantastique’. O elenco vale a pena. Laura Smet mostra que a maturidade pode ser uma bênção para uma jovem nascida no show business. Sua atuação é extraordinária.”
É como diz a canção country: sempre há dois lados da mesma história. Longe de mim achar que a minha opinião é a certa.
A Fronteira da Alvorada/La Frontière de l’Aube
De Philippe Garrel, França, 2008
Com Louis Garrel (François), Laura Smet (Carole), Clémentine Poidatz (Ève)
Roteiro Marc Cholodenko, Arlette Langmann e Philippe Garrel
Fotografia William Lubtchansky
Produção Rectangle Productions, StudioUrania
P&B, 106 min
**1/2