3.0 out of 5.0 stars
Anotação em 2009: Uma bruta, uma baita gozação da imprensa voltada para as celebridades – e também do próprio mundo do cinemão americano. Como é um filme inglês, é uma gozação impiedosa, arrasadora, que não deixa pedra sobre pedra.
Não conhecia o ator que faz o papel principal, do jornalista inglês Sidney Young. Chama-se Simon Pegg. Como ele foi escolhido para estrelar essa produção cara, que tem no elenco nomes de peso (Kirsten Dunst, Danny Huston, Gillian Anderson, Jeff Bridges e esse novo fenômeno que é Megan Fox, mais pequeníssimas participações especiais de Kate Winslet, Thandie Newton, Daniel Craig, Toni Collette), imaginei que ele deve ser um ator famoso na TV inglesa. E, pelo que vi depois no iMDB, parece que é mesmo. Simon Pegg, nascido em 1970, no interior da Inglaterra, já trabalhou em mais de 50 episódios de TV e/ou filmes, e é também roteirista, com mais de 20 episódios e/ou filmes no currículo.
O personagem dele, o tal Sidney Young, é um exagero só – assim como é exagerada a forma de Simon Pegg atuar, uma coisa assim desastrada, trapalhona, como Jerry Lewis e Peter Sellers nos seus papéis mais escrachados. É o editor-chefe e dono de uma revista alternativa de Londres, chamada Post Modern Review – uma publicação 100% dedicada a desancar com os famosos, gozar a cara deles, mostrar sua pior face.
O próprio título da revista que o cara edita é uma bela gozação – o pós-moderno. Essa mania de neguinho metido a besta gostar do novo, do moderno, do pós-moderno, do pós-tudo, como diz o poema do Augusto de Campos (ou será do Haroldo? Sei lá – tanto faz. Tantôfaz, como diz a Fernanda.) Me permito uma pequena tergiversação: desprezo o pós-moderno; sempre me defini como um sujeito pré-antigo.
Bem, mas voltando ao filme. Por causa do que faz na sua revista Post Modern Review, sua postura agressiva, gozativa, Sidney Young jamais é convidado para as festas onde vão os famosos, ou para as entregas de prêmios, como o Bafta – vemos o intrépido jornalista sendo barrado na cerimônia de entrega do Oscar britânico, ainda durante os créditos iniciais do filme; é nessa seqüência que aparecem vários daqueles atores que citei acima e que fazem participações especiais aqui.
De repente, no entanto, Sidney Young recebe um telefonema de Clayton Harding (o papel de Jeff Bridges, bom ator e boa figura, mas cada vez mais careteiro – foto acima). Clayton Harding vem a ser o editor-chefe da revista nova-iorquina Sharps, e está convidando o inglês para mudar-se para o outro lado do Atlântico e trabalhar na revista. A Sharps, é claro, assim como a revista Runway de O Diabo Veste Prada, não existe, é ficção; mas é assim uma espécie de People ou Entertainment Weekly – uma revista sobre celebridades do show business, com grande ênfase nos astros do cinemão americano.
Há uma explicação para que o chefão de uma revista tão profundamente ligada ao establishment resolva convidar para trabalhar lá um jornalista que é crítico ferrenho dos astros e estrelas: décadas antes, Clayton Harding havia sido como Sidney Young é agora – jovem, impetuoso, iconoclasta. Tinha até tido uma revista bem parecida com a que o inglês fazia em Londres antes do convite para se mudar para Nova York.
E lá se vai o inglês irreverente, mordaz, boquirroto, que diz tudo o que pensa, tem maus modos, parece um tremendo mal educado, para a capital do mundo. O ambiente que ele encontra é o contrário de tudo o que ele prega na vida. A revista Sharps só tem elogios aos famosos; as matérias costumam ser lidas previamente pelos agentes dos famosos. A revista se faz puxando o saco dos astros, que por sua vez se fazem à custa da revista e das outras como ela.
Este é um dos pontos altos do filme, ou talvez a melhor de todas as suas várias qualidades: a sátira violenta, incisiva, cortante, dessas relações indecentes, espúrias, nojentas, entre a imprensa e o mundo das celebridades, o universo do infotainment, a mistura obscena de informação com entretenimento, a promíscua troca de favores entre entrevistados e entrevistadores.
Isso que o filme flagra, denuncia e goza é uma coisa muito importante, séria. Imaginemos uma gigantesca corporação como a Time-Warner, que produz filmes, discos, revistas, jornais e é dona de redes de TV. Ou as Organizações Globo. Um crítico de cinema ou de música de um órgão de imprensa desses pode estar à vontade para dizer que tal filme ou disco produzido pela mesma corporação que o emprega é uma merda total? Ou um repórter fazer um retrato sério, profundo, revelando aspectos imorais de um artista que está na mesma folha de pagamento que ele mesmo?
Gillian Anderson, a bela atriz de Arquivo X, faz um interessante personagem no filme, Eleanor Johnson. Ela é press agent – uma mistura de relações públicas, assessor de imprensa, agente, representante – de várias pessoas do cinema; decide quem e quando vai conceder entrevistas exclusivas de seus contratados à revista Sharps – e tem o poder de dar o tom das reportagens, dos textos. Uma das pessoas para quem ela presta serviços é o jovem cineasta Vincent Lepak (Max Minghella), sobre quem a imprensa bajuladora de celebridades anda dizendo que é um gênio. Nosso jornalista inglês sabe que o carinha é um engodo – ele destrói o sujeito com uma frase só, brilhante, cortante que nem peixeira de assassino nordestino: “O cara acha que o cinema começou com Quentin Tarantino!”
Outra pessoa a quem a press agent Eleanor Johnson presta serviços é Sophie Maes, o personagem feito por essa Megan Fox (foto acima). Megan Fox é a jovem atriz do momento em Hollywood; de 2007 para cá, fez e/ou está fazendo nada menos que 11 filmes, está na capa de todas as revistas de celebridades, à la essa fictícia Sharps. Tem aquele rosto tão absolutamente perfeito que parece que foi criada por um programador visual talentoso, com a ajuda dos melhores programas de computação gráfica. Sophie Maes é uma aspirante a estrela, uma espécie assim de Megan Fox; numa festa para celebridades e jornalistas que cobrem a vida das celebridades, ela atravessa uma piscina, a água até os peitos lindos, como se fosse Anita Ekberg na Fontana di Trevi dirigida por Fellini – enquanto o espectador ouve uma das músicas que Nino Rota compôs para La Dolce Vita. Ela vai estrelar um filme chamado Teresa – The Making of a Saint, uma versão tão absurdamente hollywoodiana quanto longe da realidade sobre a vida de Madre Teresa de Calcutá.
La Dolce Vita será citado várias vezes, neste filme que cita muitos filmes. Na sua crítica arrasadora do show business americano, os ingleses que fizeram este filme fazem o elogio de uma obra européia.
Kirsten Dunst, essa moça que tem feito um monte de filmes de grande sucesso, como a série Homem Aranha e Maria Antonieta, para citar só alguns, faz uma das jornalistas da revista Sharps, que, como quase todo mundo da redação, desenvolve grande quantidade de ódio e desprezo pelo inglês maluco que chega para trabalhar com eles. É um personagem interessante e muito bem construído. E Danny Huston, irmão de Angelica, filho do grande John, neto do grande Walter, faz o editor carreirista filho da puta – esse tipo tão comum, que a gente vê tanto nas redações.
O título original do filme, How to Lose Friends & Alienate People, como se pode perceber, é outra gozação sobre outro fenômeno americano, o livro Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas, uma bobagem que vendeu dezenas de milhares de exemplares e que, se não estou enganado, foi um dos precursores da onda de livros de auto-ajuda.
Então, repetindo e resumindo e finalizando: este é um filme muito bom. Daquele tipo que diverte mas que fala de coisas sérias, importantes, e fala sem papas na língua. É ideologicamente, filosoficamente correto, e ousado – e ainda por cima é extremamente bem feito.
Um Louco Apaixonado/How to Lose Friends & Alienate People
De Robert B. Weide, Inglaterra, 2008
Com Simon Pegg, Kirsten Dunst, Danny Huston, Gillian Anderson, Jeff Bridges, Megan Fox, Max Minghella, mais pequeníssimas participações especiais de Kate Winslet, Thandie Newton, Daniel Craig, Toni Collette
Roteiro Peter Straughan
Baseado no livro de Toby Young
Música David Arnold
Produção Number 9 Films, UK Film Council
Cor, 110 min
***
Título em Portugal: Como Perder Amigos e Alienar Outros
O filme é baseado no livro, o “How to Lose Friends & Alienate People”, do Toby Young. Toby Young, hm? Sidney Young?
Da próxima vez faz uma pesquisa, pelo menos, na Wikipédia.
Olhe, mil perdões, mas não entendi o que você quis dizer.
Sérgio