3.0 out of 5.0 stars
Anotação em 2009: Na Linha de Fogo tem muitos exageros (e eu implico bastante com exageros), em especial mais para o fim, para o clímax. Mas é preciso admitir: é um bom filme de ação. Dentro do gênero, é de fato uma beleza.
Tínhamos visto no cinema quando ele foi lançado, em 1993; de vez em quando passa na TV a cabo, e sempre que passava por ele me dava vontade de rever. Vale a revisão.
O diretor alemão Wolfgang Petersen é um artesão bastante competente. Seu O Barco/Das Boot, de 1981, chamou a atenção e fez sucesso. Diz Jean Tulard no seu Dicionário: “Esse fecundo realizador conheceu um enorme sucesso com O Barco, filme sem concessões sobre a odisséia dos tripulantes dos submarinos durante a última guerra. (…) Um filme que não exalta sob nenhum aspecto a Alemanha nazista e que não nos deixa nenhuma lição, o que é na realidade sua força. Petersen não gosta dos temas fáceis. Petersen ocupa um lugar à parte no cinema alemão: mais comercial do que Wenders ou Herzog, como o prova Busca Mortal, filme policial bastante simples, embora ambíguo e ambicioso.”
Em 1985, fez Inimigo Meu, uma ficção científica em que um terráqueo (Dennis Quaid) e um alienígena (Lou Gossett Jr.) são obrigados a se unir para sobreviver em um planeta distante – uma espécie de refilmagem de Inferno no Pacífico/Hell in the Pacific, do inglês John Boorman, de 1968, em que um americano (Lee Marvin) e um japonês (Toshiro Mifune), durante a Segunda Guerra Mundial, são forçados a tolerar a existência um do outro para sobreviver em uma pequena ilha do Pacífico. A partir daí, Petersen radicou-se nos Estados Unidos. Estava em plena forma quando fez Na Linha do Fogo.
Um agente que havia falhado uma vez
Contou com uma boa história, com personagens bem construídos – e um bom elenco, a começar por Clint Eastwood. Acho até que, na verdade, este foi o último trabalho do grande Clint como ator em filme que não é seu mesmo, do cineasta Clint. Fui checar, e é isso mesmo.
Ele está excelente – segundo o AllMovie, é uma das suas melhores atuações – no papel de Frank Horrigan, um veterano agente do serviço secreto americano que estava junto do carro do presidente John Kennedy na tarde de 22 de novembro de 1963, em Dallas, o dia do assassinato.
Agora, no momento da ação, o atual presidente – uma figura evidentemente fictícia, interpretado por Jim Curley – está disputando a reeleição, e um louco anuncia que vai matá-lo. O espectador vê o sujeito desde sempre, não se pretende fazer suspense com a identidade dele – ele mesmo liga para Frank Horrigan, anunciando sua intenção, e provocando o agente, dizendo que será a segunda vez que ele irá falhar na tarefa de defender a vida de um presidente.
Os exageros começam por aí: o assassino – que se identifica como Booth, o nome do sujeito que assassinou Abraham Lincoln num teatro, em 1865 – demonstra uma coragem, uma audácia, e uma competência absurda para tudo: consegue seguir Frank, observar todos os seus movimentos; consegue até mesmo tornar irrastreáveis suas longas ligações para Frank; consegue se disfarçar com as mais diferentes caras; conhece tecnologia, armas, tem dinheiro sobrando, mata quem quiser, escapa sempre; é um super-homem.
Bem mais tarde, lá pela segunda metade do filme, até haverá uma explicação, e uma explicação bem plausível, para tantos talentos desse Booth, interpretado por um John Malkovich que usa e abusa de todos os trejeitos possíveis e imagináveis.
Um belo personagem, de carne e osso
Os diálogos freqüentes entre os dois, Booth e Frank, são interessantes – o assassino consegue deixar furioso o agente que carrega há décadas um sentimento de culpa por não ter feito nada para impedir o segundo tiro que abateu Kennedy.
O diretor, o roteiro e a atuação de Clint Eastwood conseguem criar um personagem fascinante, que parece de carne e osso. Frank Horrigan é um sujeito competente no que faz; recusa-se a deixar o trabalho de campo e ir trabalhar atrás de uma mesa de escritório; é metódico, extremamente exigente com os colegas mais novos; não tem papas na língua, é homem para dizer desaforos a qualquer superior, mesmo que seja o chefe de gabinete do presidente da República. Já teve problemas com bebida e foi abandonado pela mulher; mas tem um bom, apurado senso de humor, e uma paixão por jazz – é um voraz comprador de discos de jazz e um bom pianista dilentante nas horas vagas, características, aliás, que tomou emprestadas do ator que o interpreta.
E tem um outro detalhe fascinante sobre Frank Horrigan: ao contrário de 99,99999% dos heróis e vilões dos filmes de ação, ele não gosta de dirigir. “Gosto de transporte público”, diz, mais de uma vez – mas na prática está sempre pedindo uma carona até em casa a um colega. Achei isso o máximo: nisso, Frank Horrigan, sujeito que tem coisas de Clint Eastwood, se parece comigo.
Uma das coisas de que mais gostei do filme, ao revê-lo agora, foi exatamente o bom humor de vários dos diálogos de Frank, em especial os entre ele e a bela colega do serviço secreto que ficamos conhecendo quando o filme está aí com uns dez minutos, Lilly Raines, interpretado por Rene Russo, essa atriz interessante que nunca esteve tão bonita quanto neste filme. Ao ser apresentado a ela durante uma reunião, ele diz:
– “As secretárias estão ficando cada vez mais bonitas.”
E ela: – “E os agentes, cada vez mais velhos”
E um amigo de Frank e seu superior: – “Lilly é uma agente, Frank.”
E Frank: – “Eu sei. Só queria saber se ela tem senso de humor.”
Clint Eastwood parece estar especialmente à vontade nas seqüências em que contracena com Rene Russo, e os diálogos entre os dois, ele dando em cima dela e ela tirando o corpo fora, são de fato deliciosos.
E Frank-Clint dá em cima de Lilly-Rene de um jeito simpático, gostoso. Ele faz umas frases meio cafonas, meio cafajestes – como se, por ser tão veterano, pudesse se dar ao luxo de não ser politicamente correto, e de se divertir à beça com isso. Então, suas frases para Lilly são isso: muito mais do que propriamente cafejestes, são brincalhonas, irônicas, safadas, gozando o politicamente correto.
Numa festa elegante de que participa o presidente da República candidato, Frank, de smoking, elogia Lilly, de belo vestido comprido preto, com uma frase do tipo: – “Credo, agente Raines, você está tão deslumbrante que dá vontade de comer”. Depois, quando ela se afasta, ele olha ostensivamente para a bunda dela, e explica: – “Estava tentando ver onde você guarda seu revólver”. Antes que ela possa responder, ele encerra o assunto: – “Não me diga, deixe eu adivinhar.”
Uma delícia – a agente Raines e as piadas.
Apenas um filme de ação – ou também uma bela metáfora?
Não costuma ser muito comum que filmes que são apenas de ação tenham indicações ao Oscar, mas Na Linha de Fogo teve três: para as caretas de Malkovich como ator coadjuvante, para o roteiro original, de Jeff Maguire, e para a montagem, de Anne V. Coates.
A trilha sonora é de Ennio Morricone, o que significa dizer que a trilha do filme é excelente.
Bem, talvez Na Linha de Fogo não seja apenas um filme de ação. Mary fez uma ótima observação: o monstro que se combate no filme, afinal de contas, é uma criação do próprio governo do Império, essa gigantesca, descomunal e louca máquina. Eles são assim mesmo: criam seus monstros, e depois têm que lutar contra o que eles mesmos criaram. Está aí Saddam Hussein para não nos deixar mentir.
Na Linha de Fogo/In the Line of Fire
De Wolfgang Petersen, EUA, 1993
Com Clint Eastwood, John Malkovich, Rene Russo, Dylan McDermott, Gary Cole, Fred Dalton Thompson, John Mahoney, Jim Curley
Roteiro Jeff Maguire
Fotografia John Bailey
Montagem Anne V. Coates
Música Ennio Morricone
Produção Columbia Pictures e Castle Rock Entertainment
Cor, 127 min
R, ***
Gosto deste filme que vi várias vezes e é realmente interessante.
Tem piada que nunca reparei nas caretas do John Malkovich e já há por aqui referências a ele ser “careteiro” mas não percebi o que queriam dizer.
É um fraco actor lá isso é verdade.
Parece que “careteiro” é uma adjectivo exclusivo do Sérgio, nunca vi esta palavra em sítio nenhum.
Estou a escrever isto porque estou a rever o filme com grande prazer.