Melodia Fatal / Dressed to Kill


2.5 out of 5.0 stars

Anotação em 2009: Como muitos dos filmes com aventuras de Sherlock Holmes e do dr. Watson, este aqui não conta uma história escrita pelo escocês Arthur Conan Doyle (1859-1930), o criador dos imortais personagens. Nos créditos iniciais, se diz que é uma adaptação de uma história de Conan Doyle, mas acredito que não haja nada do autor a não ser os personagens.

De qualquer forma, a trama é uma delícia.

Aliás, o detetive mais famoso do mundo e seu amigo e biógrafo até que demoram a aparecer. O filme começa em um presídio, onde diversos detentos trabalham na carpintaria. Um deles aproxima-se de outro, que está cuidadosamente limpando uma caixinha de música, e diz:

“Dizem que você pode sair daqui a qualquer momento, se disser o que você sabe.”

E o outro responde:

“Você pode ser um cara da Scotland Yard, ou não, mas vou dizer a você o mesmo que digo sempre. Ainda tenho 2 anos, 8 meses e 6 dias para ficar aqui fazendo caixinhas de músicas. Elas serão vendidas num leilão e a renda será em benefício de um santuário encantador.”

Corta, e estamos em Londres, numa casa de leilões. Três caixinhas de música idênticas, simples, de madeira sem valor, produzidas por um preso, estão à venda por valores insignificantes. Uma é comprada por um senhor de meia idade, a outra é arrematada por uma moça; a terceira, não vemos quem leva, porque a cena é cortada. 

Cerca de uma hora depois do fim do leilão, chega esbaforido ao local um senhor de aspecto respeitável; pede desculpas pelo atraso, e pergunta sobre as caixinhas de música. Oferece cinco libras para que o leiloeiro forneça a ele os nomes e endereços das pessoas que as compraram. Veremos em seguida que ele pertence a uma quadrilha que fará de tudo para recuperar aquelas três caixinhas – até mesmo matar.

Ah, sim – percebe o espectador: então as caixinhas, juntas, são capazes de revelar um grande segredo, fornecer uma informação valiosíssima.

O espectador verá também que outro membro da quadrilha é uma mulher elegante, bonita, uma femme fatale – e põe fatal nisso. Ela é fatal mesmo, no mais literal dos significados da palavra. Chama-se Hilda Courtney (interpretada por Patricia Morison), embora use também outros nomes e seja capaz de se disfarçar até mesmo de uma criada pobre e iletrada e assim enganar o grande Sherlock Holmes – no que faz lembrar o personagem interpretado por Marlene Dietrich em Testemunha de Acusação, a extraordinária história de Agatha Christie.

Essa mulher bonita, fatal, elegante – que dá origem ao título original do filme, Dressed to Kill – fará Sherlock Holmes se lembrar de outra mulher inteligente, astuta, Irene Adler, que o detetive chama de A mulher, com o artigo em letra maiúscula. Irene Adler é a personagem de Escândalo na Boêmia, o primeiro conto sobre Sherlock Holmes a ser publicado – ele saiu na Strand Magazine em 1891.

 (Arthur Conan Doyle escreveu no total 56 contos e quatro romances em que aparece o personagem Sherlock Holmes.) 

 Na primeira seqüência deste filme aqui em que vemos Holmes e Watson na sua casa na Baker Street, o detetive está tocando o violino, enquanto seu amigo médico está lambendo a cria – segura nas mãos um exemplar da Strand Magazine, que traz justamente seu relato que levou o título de Escândalo na Boêmia. Os dois vão falar um pouco sobre A mulher, Irene Adler.

 Em seguida, naturalmente, por um mero acaso, Sherlock Holmes investigará o caso das três caixinhas de música.

         ***

Surgido, então, como está dito algumas linhas acima, em 1891, Sherlock Holmes logo foi parar no teatro e no cinema. Como conta Leslie S. Klinger, o editor e organizador da Edição Definitiva – Comentada e Ilustrada das histórias de Sherlock Holmes (lançada no Brasil em seis volumes sensacionais pela Jorge Zahar Editor, a partir de 2005), uma paródia do detetive estreou no teatro em Londres em 1893, dois anos apenas depois do surgimento do personagem. Em 1905, ele chegou às telas de cinema. Bem mais de cem filmes seriam feitos com base no personagem do detetive.

Um total de 14 filmes foi feito, entre 1939 e 1946, com Basil Rathbone no papel de Sherlock e Nigel Bruce como o dr. Watson. Eram produções americanas com os personagens absolutamente ingleses. Este filme aqui é exatamente o último deles.

 Foi uma genialidade da equipe de escolha de atores, de casting, diz Leonard Maltin, ter juntado esses dois atores, ter escolhido exatamente esses dois para fazer a dupla Holmes-Watson. Basta ver a cara de Basil Rathbone como Sherlock e comparar com as ilustrações publicadas na própria revista Strand, entre 1891 e 1910 (elas estão na Edição Definitiva e estão também, seguramente, na internet); é fantástico. É cara dum, focinho doutro, como se dizia antigamente em Minas.

“Rathbone captou perfeitamente a energia nervosa e a personalidade dominadora de Holmes”, escreveu o sherlockólogo e editor Leslie S. Klinger, em um dos prefácios do primeiro volume da Edição Definitiva, “e se o Watson um tanto bufão que Bruce encarnou envergonharia a memória do ‘camarada digno de toda confiança’ e ‘homem de ação’, como o verdadeiro Holmes o caracterizou, o público adorava os dois atores e nem um nem outro tinha coragem de abandonar o papel.”  

A série de 14 filmes com Basil Rathbone e Nigel Bruce começou em 1939, com O Cão de Baskerville; no mesmo ano, foi feito também As Aventuras de Sherlock Holmes. Esses dois filmes têm duas características importantes, que os diferem da maioria dos outros que usam os personagens Holmes e Watson; em primeiro lugar, baseiam-se de fato em histórias originais escritas por Conan Doyle; e, em segundo mas tão importante quanto, passam-se na época em que Sherlock Holmes de fato viveu (sim, porque para milhões de sherlockólogos do mundo inteiro o homem de fato viveu), o período vitoriano, o final do século XIX.  

Os dois foram produções da Twentieth Century Fox, que, por algum motivo, não quis fazer outros filmes com os personagens. A Universal, então, assumiu a coisa, e foi esse estúdio que produziu os 12 outros filmes com os dois atores na pele dos personagens. Nesses 12 filmes, no entanto, ao contrário do que a Fox havia feito, os produtores retomaram a mania boba de botar Sherlock e Watson desvendando crimes nos dias então atuais, ou seja, os anos 40 – e então temos neles a dupla combatendo nazistas “e outros vilões em roupagem moderna”, como diz Leslie S. Klinger.

Uma característica interessante deste filme aqui é que ele teve vários títulos, ao longo da história. O título original é Dressed to Kill – exatamente o mesmo que Brian De Palma usaria em 1980 no seu ótimo e hitchcockiano thriller com Michael Caine e Angie Dickinson. Na Inglaterra, ele foi depois lançado como Sherlock Holmes and the Secret Code. Houve um lançamento com o título de Sherlock Holmes in Dressed to Kill. Saiu nos Estados Unidos um DVD com o título de Prelude to Murder.

No Brasil, o filme saiu em VHS (conforme mostra o Videobook, e como eu vi pela primeira vez, em 1997) com o nome Vestida para Matar, o mesmo título brasileiro do filme de De Palma. Depois saiu em DVD como Melodia Fatal, numa edição de um Multimedia Group Promoções; era uma edição com dois dos filmes da série, este aqui e mais Noite Tenebrosa/Terror by Night. Mais recentemente (deve ter sido em 2008, ou já em 2009), saiu uma nova edição do filme em DVD, pela NBO Entertainment; a capinha traz o título Sherlock Holmes – Melodia Fatal, e, em inglês, Sherlock Holmes – Prelude to Murder. A capinha anuncia ainda: “Pela primeira vez em cores”. Ou seja; traz uma versão colorizada, aquela invenção horrorosa dos anos 80, um crime que foi em grande parte bancado por Ted Turner e duramente combatido por Martin Scorsese, Francis Ford Coppola, Steven Spielberg, gente desse tipo. Mas, felizmente, traz também, como bônus, a versão original em brilhante preto-e-branco.   

Melodia Fatal / Dressed to Kill

Também lançado como Sherlock Holmes and the Secret Code, Sherlock Holmes in Dressed to Kill, Prelude to Murder, Sherlock Holmes – Prelude to Murder, e, no Brasil, Vestida para Matar, Sherlock Holmes – Melodia Fatal

De Roy William Neill, EUA, 1946

Com Basil Rathbone, Nigel Bruce, Patricia Morison, Edmond Breon, Carl Harbord, Patricia Cameron, Tom Dillon

Roteiro Leonard Lee

Adaptação Frank Gruber

Baseado nos personagens criados por Arthur Conan Doyle

Produção Universal.

P&B, 72 min.

R, **1/2

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